e a Vida continua - In cantos e recantos
Sem dúvida nenhuma, o ambiente em que me via era-me familiar: um
salão de cores enormes brancas ásperas; várias peças com velas acesas ao lado, aqui e acolá; uma haste à cabeceira com uma cruz de tamanho médio indicava Nosso Senhor crucificado. O cheiro de rosas muitas, espalhadas em coroas de flores, também cobrindo o meu corpo. Gôsto de rosas, do perfume delas, mas o excesso faz-me sentir mal.
Ouvia eu os comentários; as conversas das pessoas que ali estavam; comentários e conversas nem sempre pareciam positivos; em qualquer
palavra aparecia no sempre uma crítica; uma palavra azeda; um riso ofenso tanto em sua legitimidade parecendo dizer : " - Já foi tarde ". Isto se me gravou na mente. " - Como já foi tarde ??".
Eu estava ali, também, naquele velório e não compreendia tantos comentários a meu respeito e, principalmente a frase: "- Já foi tarde ".
O que me acontecia ??.
Nesta interrogação, pareci-me eu estar assistindo a um filme de mim mesmo, desde o nascimento até aquele momento por demais estranho,
bizarro. Sentia-me eu deitado com alguns cheiros de rosas irritantes.
E o filme, que não sei como, assistia meia a contragosto, pois me via nem sempre bom como pensara que eu era.
Era legítimo, senão o filme o que eu sentia.Havia muitas coisas más; erradas praticadas por mim mesmo em prejuízo do outro e em meu be-
nefício próprio. Agora, vejo: nem tudo que fiz foi certo; maioria, sem-
premente, agora, o sei foi errado. Fui mau. Levei dor e sofrimento a
muita gente que amava ou amavam-me; fui cruel nas pequenas coisas;
nos pequenos detalhes esmaguei com certa satisfação de vencedor humilhando o perdedor. Deus, como sentir prazer nisso ??. O que ga-
nhei ??.
Tais reflexões enlouqueciam-me a ponto de perder a razão, até que em certo instante de calmaria, quando o pensamento desmaia, ouvi,clara-
mente, parecendo do longe alguém me dizer:
- Abandonaste teu corpo carnal. Morreste para os outros, mas para nós, teus irmãos, acabaste de nascer. Todavia como diz tua própria consciência a recriminar-te, é preciso voltar ao palco de tuas ações e
retificar todos os teus erros. Ficarás um tempo conosco para que te
prepares para a tua inevitável volta. Volta, meu irmão, em verdade, não morreste; apenas, com teus erros aprendestes valiosas lições do que
não fazer, por isso é preciso que aprendas e voltes ao mesmo lugar em que protagonizaste o papel de homem mau. Siga-me; disciplinemos;
eduquemos; estudemos para tu estares forte e preparado para enfrentares as mesmas situações em que tu falhastes. Irmão meu, a vida continua tanto aqui como acolá.
Última lembrança e o caixão fechou-se, realizando-se, então, meu enterro.