O BOLO DE ANIVERSÁRIO.
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
Reginaldo era dessas pessoas que perdia um amigo, mas, não perdia a piada, contraditoriamente. Digo contraditoriamente porque ele era tímido e solitário. Quando nasceu foi abandonado na maternidade e foi entregue ao juizado de menores para adoção.
Adotado por uma família, Reginaldo foi, mais uma vez, sem sorte. Seus pais adotivos faleceram quando ele tinha quinze anos. Novamente ele volta para um abrigo de menores para aguardar, (quem saberia) uma segunda adoção.
A solidão era sua mais fiel companheira, durante o tempo em que passou com seus primeiros pais adotivos. Eles não tiveram outros filhos – daí terem se cadastrado para adoção. Assim, sem muito alarido, Reginaldo foi criado de forma simples e sem maiores afagos sentimentais e emocionais que fossem capazes de suprir sua vida nesse quesito tão importante. Reginaldo ia pra escola sozinho e voltava também sozinho. Não tinha muitos amigos, pois seus pais adotivos sempre lhe diziam para não fazer amizades na escola, tampouco na rua. Sabedor da sua situação, o menino enjeitado não tinha alternativas de reação para mudar o seu temperamento arredio. Ele era de poucas palavras, mas, contraditoriamente, como disse, era espirituoso sempre. Meio sem plateia para suas investidas, mas sabia como poucos fazer rir e sorrir consigo mesmo e colocar os outros em situação embaraçosa.
Reginaldo tinha sonhos. Dentre eles, imaginava o dia em que alguém fizesse seu aniversário com tudo que tinha direito: vela, bolo, bexiga, língua de sogra, colegas por perto e tudo mais. Esse sonho virou pesadelo quando seus pais morreram deixando-o com apenas quinze anos. Herança? Os pais tinham posses, mas a deixaram em testamento toda fortuna para uma instituição de caridade no Japão. Ele, seu pai, era Japonês naturalizado e casado com uma brasileira no bairro da Liberdade em São Paulo. Com o falecimento dos pais, Reginaldo foi abrigado no juizado de menores até uma segunda família se dispor a adotá-lo novamente. Ele, coitado, não contava com a pouca sorte: com quinze anos dificilmente alguém adota alguém e foi isso que ocorreu. Quando completou dezoito anos, foi posto na rua. Menos mal: albergou-se num centro comunitário na Freguesia do Ó em São Paulo. Trocava seus serviços de faxina pela dormida e pela comida. Paulatinamente ele foi ganhando confiança dos frequentadores e, assim, conseguiu um emprego de carteira assinada num restaurante da periferia. Foi nesse restaurante que ficou patente sua verve alegre, cômica e contraditória pela sua forma de ser e viver – Reginaldo era de poucos amigos e a timidez lhe martirizava ao ponto de ele, coitado, pensar até em se suicidar. Ainda bem que isso não ocorreu. Contudo, seu grande trauma de nunca ter tido um aniversário em alto estilo começou a lhe incomodar. Perto de completar seus vinte e um anos, Reginaldo pensou em cantar os seus parabéns até mesmo no restaurante em que trabalhava. Falou com o dono, mas ele nem “tchum”. Vendo a indiferença do patrão, Reginaldo implora uma folga no dia do seu aniversário. O patrão concedeu. Nesse dia, logo cedo, ele foi pra cozinha do restaurante e pediu a um colega que lhe fizesse uma torta que ele ia comemorar seu aniversário entre amigos. O colega estranhou, mas fez a torta e lhe deu de presente. Reginaldo pega a torna, compra velas na livraria da esquina e segue para o centro da cidade de São Paulo. Lá, sentou-se numa lanchonete, pediu uma coca litro e, sozinho, colocou a torta em cima da mesa. Abriu a coca e, emocionado, começou a chorar, pois estava ali sozinho e não tinha ninguém para comemorar seu aniversário. Olhou para a torta e começou a chorar. Chorou qual bezerro desmamado. Nisso, entra na lanchonete um casal de namorados. Quando viram a cena, chegaram perto de Ronaldo e lhe perguntaram qual a razão daquele desespero. “É que eu nunca pude cantar parabéns no dia do meu aniversário, pois não tenho família – sou sozinho no mundo”, disse para o casal. Compadecido da situação, o casal logo puxou uma cadeira, chamou o garçom e pediu uma garrafa de vinho e salgadinhos. Ficaram os três na mesma mesa. Reginaldo, com o gesto do casal, ficou mais à vontade, mais satisfeito, pois pela primeira vez na vida teria direito a um aniversário com parabéns e tudo o mais. Quando os “parabéns” foramcantado, Reginaldo corta o bolo (torta) e dá o primeiro pedaço a futura esposa do rapaz. Ela se emocionou, mas não contava que o aniversariante se emocionasse mais que ela. Houve um brinde e todos comeram bastante, inclusive entremeando com cervejas geladinhas que o casal comprou para satisfazer o sonho de Reginaldo. No melhor da “festa”, Reginaldo simula que está passando mal. Pensou-se que foi a emoção, pois até fotos de vários ângulos foram tiradas. Mas não. Reginaldo, aos prantos, disse para o casal: “eu sou a pessoa mais infeliz do mundo”... Ninguém entendeu. O casal perguntou “o que houve” (?) e até já se movimentavam para levá-lo a uma emergência, imaginando que se tratasse de mau súbito pela emoção do momento. Qual nada. Nessa hora, movido pelo citado senso de humor que Reginaldo carregava consigo, ele se saiu com essa: “esse bolo está envenenado. Eu fiz isso porque eu não mereço viver, mas não era justo eu morrer sozinho. Pelo menos na morte eu queria ir com alguém e esse alguém é vocês. Eu coloquei chumbinho no bolo e todos nós em poucos minutos estaremos mortos”... O casal se desesperou, tentou vomitar, mas nada adiantaria. Reginaldo continuou chorando com maestria, bem dentro do seu lema que era “perder uma amigo, mas não perder a piada”. O casal, talvez movido pelo sentimento de que “perdido por dez, perdido por mil”, partiu pra cima de Reginaldo. Deram-lhe uma camada de pau tão grande que ele foi internado em coma no hospital da periferia. Passou quinze dias internado. Saiu do coma, mas ao retornar pra casa, foi demitido do emprego por abandono. Quando contou o fato ao patrão, foi readmitido e, desde aquela data, nunca mais Reginaldo quis brincar com o sentimento e generosidade das pessoas.