O Bêbado e o Diabo
A Floresta
A lua cintilava e refletia no lago sua face. Na mata os pinheiros retorciam-se com o vento gélido da noite, o silencio pairava todo o firmamento por entre a grama geada. Rompe a floresta um bêbado, trajado com farrapos e mangas arregaçadas ensanguentadas, em sua mão uma garrafa de Rum e um punhal sujo de sangue. Caminhava pela floresta rindo e balbuciando apunhaladas no ar, cambaleando para lá e para cá, finca a faca em um tronco estirado no chão, ao sentar escuta seu nome sussurrar por entre as copas dos pinheiros.
- Matias...... Matias...... Matias.....
Ele olha para todos os lados, mas não consegue enxergar ninguém, da de ombros e volta a beber sem aperceber alguém se aproxima vagarosamente as suas costas. O bêbado se vira bruscamente e novamente o vazio cruza o horizonte dos pinhais, finca os olhos no punhal com a expectativa de defender-se de qualquer coisa e não o encontra, procurado-o por todo lugar, surge uma voz rouca, calma e tenebrosa.
- É isso que você quer? Da escuridão um homem velho com uma bengala o sustentando e o punhal ensanguentado.
- Quem, quem é você? Indaga o bêbado.
- Isso não importa agora - Diz o sujeito ao entregar o punhal ao bêbado que acende um charuto e encara aquele ser de olhos negros parecidos com o da própria morte. O velho desvia o olhar para o sangue ao qual recobria o bêbado.
- Conte-me o que houve?
- Uma dança!
- Com punhais?
- Punhais e... e apunhaladas! - Caia o bêbado sobre o tronco sorrindo. Baforava o charuto desfrutando-o, olha para o sujeito e começa a narrar o ocorrido.
A Traição
- Dias antes quando corria os campos avistei de longe esta mulher, à vi sair dos pinhais, ofegante ela ajeitava seus vestes, rapidamente me aloquei sobre um conjunto de pedrais, aos quais pude ver um tal elemento que escapava pelos umbrais da floresta, pela penumbra não o identifiquei. A meretriz sempre sorria com o sorriso da inocência, porém até os mais leigos sabem do sorriso da traição e para um bêbado não seria difícil notar. Na expectativa de me vingar em sumiço me fiz por uma quinzena, levando sobre a mão uma garrafa, um punhal e estes trapos aos quais me trajo, me fiz em silencio quando da residência me aproximei, adentrei e em gemidos o ar se resumia, sobre a cama que os encontrei fatiei-os sem pudor, não posso negar que o sorriso me veio ao rosto. Pois então vos disse minha história, identificai-vos agora!
O Diabo
- Tenho muitos nomes! - O diabo sentou-se ao lado do bêbado e tomou de sua mão o rum. - Sou tão velho quanto o tempo e tão tenebroso que qualquer dos mortais querem por opção desconhecer a existência do meu ser, tantos nomes eu tenho tantos seguidores.
O bêbado caia em gargalhadas.
- Tinhoso! És o enviado da luz ao caos?! O tal chamado Lúcifer?
- Não tenha meu nome em blasfema! - O Diabo fitava-o serio.
- Se és o que diz ser, provais do que és capaz!
- Já me dei o gosto de sangue, quando nas coxas de um anjo me abriguei.
- Eras tu, o vagal que me fodia a meretriz. - O bêbado enchia seu peito de ódio.
- Não! Mas eu estava lá.
- De que forma? Me encontro bêbado mais não de consciência ausente, não me lembro estripar um velho.
Regressão
O velho segurou o bêbado pela face fintando-o seriamente, nada podia fazer o bêbado que se sentia apático. As árvores ficaram desfocadas e o efeito do rompimento da velocidade da luz rompeu os olhos do bêbado.
A floresta se tornava o mercado da cidade, as pessoas transpassavam seu corpo e o diabo surge às costas do bêbado.
- O rapaz que vende cereais, reconhece? Indagou o Diabo.
- Jamais poderia esquecer os vidrais da face de quem me fodeu a meretriz!
Surge no cenário uma mulher branca, violão das cordas loiras e na face duas maças, aproxima-se do rapaz que em conversa lhe aluga. Logo as coisas turvas e novamente de volta aos pinhais, a moça despida em uma dança envolvia o rapaz, sobre os olhos do bêbado tudo virava aquarela, uma ultima pintura surge e ele se vê sobre a cama esfolado com a meretriz. O bêbado em aflição não compreendia a realidade que transpassava seus olhos e o diabo em gargalhada falava.
- Teus tormentos ainda estão por vir com Cérbero.
- Por que meu corpo esta estirado sobre este recinto? Dizes-me que sou o vagal?
- Vos digo que és! Roubaste a mulher de outro homem e possuíste o corpo me evocando em teus pecados capitais.
O rapaz olha-se no espelho da cabeceira que lá havia, em seus olhos lacrimejastes a agonia e o ódio de si mesmo o corroia.
- Já sentiste a dor do assassino que por tua cortesia me doou a alma, agora terei a tua em eterna agonia.
O diabo o toma pelo pescoço e o arrasta ao inferno.