A MULHER QUE BORDAVA
Geralmente, Magda ficava sentada em um canto, bordando seus muitos paninhos. Passava horas entretida com suas linhas coloridas, confeccionando seus trabalhos, que presenteava aos amigos e conhecidos nas datas festivas. Tinha centenas deles: assim que ficava sabendo de um aniversário, casamento ou formatura, embrulhava um de seus lencinhos rendados e bordados em uma caixinha, e os presenteava às pessoas escolhidas.
Também gostava de rezar pelas pessoas; se soubesse que alguém encontrava-se enfermo, ou precisando passar em algum concurso, lá ia ela oferecer suas rezas: “Estarei rezando por você!” As pessoas agradeciam, comovidas.
Um amor de pessoa. Usava sempre um coque, os fios cuidadosamente presos na nuca. Ex-bailarina, ainda tinha o corpo esguio, mas tivera que abandonar a dança ainda cedo, aos trinta anos, devido a um acidente de carro que prejudicou-lhe os joelhos. Nunca mais pode dançar, o que deixou-a amarga e frustrada durante muitos anos. Tão amarga e frustrada, que nem sequer o casamento e o nascimento da filha puderam curá-la de seu desespero.
O marido se fora com outra, deixando-a ainda mais amarga. Devido a este afastamento, ela passou a depositar todas as suas esperanças na filha, que embora detestasse a dança, foi praticamente obrigada a estudar balé até os quinze anos de idade, quando finalmente, deu-lhe um ‘basta.’ Ameaçou fugir de casa e nunca mais voltar.
Magda tinha cinquenta e poucos anos de idade, e a única parente viva, era a filha já adulta, casada, que mudara-se para longe. Alguns vizinhos mais antigos diziam que as duas tinham tido um desentendimento, mas ninguém conseguia compreender como alguém poderia desentender-se com uma criatura tão doce e tão solícita! Fato, era que desde que a filha se casara – há cerca de dois anos – nunca mais dera notícias. Isto só contribuiu para deixá-la ainda mais amarga; mas quanto mais a vida pregava-lhe suas peças, mais ela tentava disfarçar sua amargura e frustração, trazendo no rosto sempre um sorriso, e confeccionando seus lencinhos e paninhos.
Mas enquanto ela o fazia, parecia que entrava em algum tipo de transe; as lembranças vinham. Lembrava-se de si mesma nos palcos, recebendo os aplausos e atenções. As flores, ao final dos espetáculos. Os olhares de inveja das outras bailarinas, pois nenhuma delas tinha o seu talento. Lembrava-se do acidente que tirara dela seu grande sonho.
Depois, lembrava-se do dia em que conhecera seu marido, seu querido Tércio. Nem mesmo ele foi capaz de tirá-la da depressão em que se encontrava, mas ela dissimulava muito bem seus sentimentos... até que um dia, não conseguiu mais fingir. Toda a sua amargura veio à tona, tornando a vida a dois um verdadeiro inferno. Passou a ser ciumenta e invejosa. Queria possuir tudo o que suas amigas – esposas dos amigos de Tércio – possuíam.
Barbara, a filha, era uma criança quieta e infeliz. Parecia ter medo da mãe. Desde muito pequena, era obrigada a ser perfeita, a realizar, sem questionamentos, tudo o que a mãe mandava.
Finalmente, um dia, Tércio saiu de casa e foi morar com sua secretária. Magda teve outra crise depressiva. Passou a ir quase todos os dias ao trabalho do ex-marido, implorar-lhe que a perdoasse e voltasse para ela. A situação estava se tornando insustentável. Ninguém mais aguentava seus escândalos. Foi então que, de repente, ela se acalmou.
Alguns meses depois, ela mandou de presente à sua rival uma caixa com um bilhete. Dizia sentir muito pelo que fizera, e que finalmente compreendera que a vida devia seguir sempre em frente, e que como prova de que desejava ao casal apenas tudo de melhor, tinha bordado ela mesma aquela linda toalha de mesa.
Todos louvaram sua atitude de nobreza e desprendimento, e ela, humildemente, agradeceu, com lágrimas nos olhos.
Logo depois, Tércio e sua nova esposa separaram-se. Nem perceberam que as intrigas e desentendimentos passaram a fazer parte de suas vidas depois da chegada da tal toalha.
Assim, ela passou a bordar e costurar compulsivamente. Colocava em seus presentes toda a energia maléfica que acumulara ao longo dos anos, despejando sua inveja e frustração em seus trabalhos manuais. Algumas pessoas mais frágeis, ao receber tais presentes, ficavam doentes, perdiam o emprego, separavam-se de seus maridos, enfim, as coisas começavam a dar errado em suas vidas de repente.
E era naqueles momentos – naqueles exatos momentos de fragilidade – que Magda dizia, sorrindo de compaixão:
-Vou rezar por você!