O REI DE ALHURES
1
Havia, certa vez, um rei, que vivia em um lugar muito afastado chamado Alhures.
Quando jovem herdara este reino, que fora, anteriormente, governado por seus pais. Era, na época, um país pobre, de poucos recursos.
Dedicara-se o rei, com afinco, ao crescimento de seu reino. Fizera contato com outros governantes, com os quais passara a trocar conhecimentos. Procurara técnicos em mineração, em importação, em exportação.
Tanto se empenhara em seus negócios que, dia após dia, foi enriquecendo.
Ora, este rei possuía muitos castelos e terras, muitos rebanhos e minas de pedras preciosas.
Além de ter aumentado sua fortuna pessoal, enriquecera também o país, melhorando significativamente a vida dos súditos.
Mas era triste.
2
Caminhava todos os dias por seus jardins. Sentava-se diante do lago, olhava as fontes, ouvia o canto dos pássaros, escondidos nas copas das árvores e entristecia.
Nunca soubera de alguém que guardasse tanta tristeza em seu coração.
Uma tarde, quando o sol se punha e o céu alaranjava no ocidente, o rei se sentou sobre um banco, junto aos arbustos de madressilvas.
Parecia que nunca estivera tão triste! Seus ombros pesavam e não tinha brilho o seu olhar.
Tocou as pequeninas flores e murmurou: “Se houvesse alguém que me pudesse ajudar...”.
Perdeu-se em seus pensamentos tristes, até que um farfalhar suave despertou-o.
Uma moça ruiva estava diante dos arbustos. Ele a olhou, espantado.
― Posso fazer-lhe companhia, meu senhor? Podemos conversar?
― Sim, certamente, sente-se aqui, a meu lado.
Ela caminhou em direção ao banco. O seu andar era lento; ela parecia flutuar no ar.
― Quem é você? Mora perto do palácio? Estou perguntando porque não me lembro de tê-la visto.
― Não, vivo longe daqui. Sou Policasta.
― Ah! ― o rei olhava a moça, cujos cabelos incendiavam, com os últimos raios do sol.
― Está triste!
― Como sabe que estou triste?
― Meu senhor, é tão evidente! Nada existe no mundo que possa ocultar a tristeza.
― Bem... ― ele hesitou por um momento― é verdade, estou mesmo muito triste.
― O que falta ao rei?
A moça era gentil, tinha um jeito bondoso, dava vontade de confidenciar.
― Não sei dizer. Tenho tudo aquilo de que alguém precisa para ser feliz. Consegui, com meu trabalho, aumentar enormemente o meu reino. Este era um país pobre. A população vivia em casas rústicas, sem conforto; as crianças não recebiam os cuidados necessários; as escolas eram em número insuficiente. Hoje somos um país próspero. Nossos vizinhos, em todas as fronteiras, respeitam-nos e procuram seguir nosso exemplo. Eu deveria estar contente, uma vez que vejo meu povo vivendo bem. Todos sabem o quanto me dedico a cada problema que possa atingir a comunidade. Sabem que me preocupo com eles e me têm afeição. Não é maravilhoso para um governante sentir que seu povo lhe quer bem?
O rei se calou. Ficou olhando para os cachos de flores.
― Talvez possa ajudá-lo.
― Ajudar-me? Como?
― Descobrindo o que o faz triste.
― Você seria capaz?
― Se o rei permitir, eu tentarei.
― Ele ficou analisando aquela moça séria. Tinha uma aparência tão confiável...
― Eu ficaria agradecido.
― Gostaria de poder estar, o máximo de tempo possível, a seu lado, a fim de informar-me sobre como é o seu dia, quais são seus problemas, o que o agrada e como lida com aqueles que vêm procurá-lo. Enfim, gostaria de saber o que falta ao rei para ser feliz. Espero, em alguns dias, ter uma resposta satisfatória.
― Está bem, vamos tentar. Por que você não fica hospedada em meu castelo?
― Eu aceito.
― Vou ordenar que lhe preparem um quarto.
O castelo tinha quarenta quartos, divididos em quatro alas. Policasta escolheu um que ficasse próximo ao quarto do rei; assim, quando ele se recolhesse, ela poderia segui-lo e evitar perder-se em tantos corredores.
O rei contou-lhe que ele mesmo, após tantos anos morando ali, ainda se atrapalhava ao procurar os próprios aposentos, enveredando, muitas vezes, por um corredor qualquer e saindo em uma outra ala do castelo.
3
Logo pela manhã, quando o rei sentava-se para fazer o desjejum, ela o acompanhava. Falavam sobre coisas e coisas. Começaram a apreciar a companhia um do outro.
Após a refeição, iam para o salão de audiências, onde ele ouvia os súditos, resolvia, quando possível, seus problemas, recebia agradecimentos, dava conselhos, desfazia mal-entendidos. Todos o apreciavam, acreditavam nele, tinham-lhe estima.
Almoçavam, descansavam um pouco e passavam para a sala onde se encontrava a mesa de trabalho do rei. Ali ele escrevia cartas, assinava contratos, estudava decretos, revia antigas leis que haviam caducado.
Quando se aproximava o fim do dia, iam para o jardim.
Eram quatro diferentes jardins, um contornando o castelo, cada um com suas plantas e ornamentos especiais.
Caminhavam longo tempo. Depois sentavam-se, e o rei entristecia.
Policasta analisava-o. Conjecturava.
― E então, Policasta, chegou a alguma conclusão?
― Ainda não, meu senhor.
Falavam de outras coisas. A moça indagava sobre sua vida, seu passado, seus projetos para o futuro. Estava sempre interessada em tudo o que se referisse ao rei.
A rotina era, às vezes, quebrada por visitantes, aos quais o rei recebia com gentileza e que traziam notícias de outros reinos.
Os dias passavam.
― E então, Policasta?
― Senhor, eu tenho algumas pequenas ideias. Peço um pouco mais de tempo.
O rei se conformava, cuidava de seus negócios, entristecia.
4
Um dia, quando estavam os dois no salão de audiências, chegou um camponês, bem moreno; as mãos calosas confirmavam que trabalhava com a terra.
― Bom dia, Majestade.
― Ah, é você? Bom dia, Antônio.
Antônio cumprimentou a moça, que organizava um dos arquivos.
― Estou aqui, senhor, para consultá-lo a respeito de um projeto. Como o senhor sabe, eu possuo um bom pedaço de terra ao lado do córrego, atrás de minha casa. Nunca soube o que deveria plantar. Agora, resolvi dedicar-me a ele. Pensando no assunto, achei uma boa ideia fazer ali alguns belos canteiros de glicínias. O que o senhor pensa disso?
― Glicínias? ― o rei tinha um toque de reprovação na voz.
― Sim, Majestade, pensei que seria realmente lindo quando florescessem.
― Têm um bom preço as glicínias, no mercado da cidade?
― Oh, não! O senhor não entendeu. Não são para vender. São só para enfeitar minha vida, para alegrar meu coração.
― Ora, meu amigo, seria aconselhável perder-se um bom pedaço de terra plantando flores, quando se poderia ganhar bastante plantando trigo ou laranjas?
― Bem... ― o camponês tentava argumentar ― eu pensei... as glicínias são tão bonitas!
― Não, não, caro Antônio, desista dessa ideia tola. É preciso sermos práticos, para podermos garantir o futuro.
― Eu pensei que, quando envelhecesse ― Antônio parecia querer desculpar-se ― poderia passear entre as flores com meus netos e...
― É melhor que você tenha um bom pecúlio, para o caso de uma doença, ou outra adversidade qualquer.
― Acho que o senhor tem razão. ― O homem estava em dúvida. ― Eu agradeço.
― Pense bem a respeito de tudo o que conversamos. Desejo-lhe um bom dia, Antônio.
― Desejo o mesmo para Vossa Majestade.
Inclinou-se diante do rei, cumprimentou a moça, que o olhava com simpatia, e se foi.
Policasta ficou pensando sobre essa conversa. O povo confiava na praticidade do rei, costumava seguir seus conselhos.
5
Quando, alguns dias depois, sentaram-se outra vez junto aos arbustos de madressilvas, Policasta falou:
― Meu senhor, eu já tenho a sua resposta.
O rei olhou-a com surpresa.
― Tem?
― Vou dizer-lhe a que conclusão cheguei.
― Fale, minha boa amiga, preciso de sua ajuda.
― Estou, há dez dias, vivendo no castelo. Tenho estado sempre junto de Vossa Majestade. Vi-o exercer seu cargo com dignidade. Percebi como se interessa por seus súditos e procura ser justo em todos os momentos, como é gentil no trato com todos. Para mim, tornava-se cada vez mais difícil entender o porquê de sua tristeza. Penso que não deveriam jamais conhecer a tristeza aqueles que são íntegros e generosos, que se preocupam com o próximo, que aprenderam a partilhar. Tudo isso vi em meu rei: lisura, imparcialidade e muita, muita dedicação a seu reino e a seu povo. Eu estava realmente intrigada com a situação. Mas então descobri o motivo de sua tristeza.
― Sim? ― o rei estava ansioso.
― Sim. Descobri que o rei, de tanto lidar com negócios, de tanto preocupar-se com os problemas alheios, de tanto lutar para o engrandecimento de seu país, perdeu a capacidade de sonhar.
― Como?...
Ele a olhava. Havia indagação em seus olhos.
― O rei não sabe mais sonhar.
― Ah!... ― Ele estava confuso, não conseguia entender muito bem o que Policasta queria dizer.
― Vossa Majestade precisa reaprender a sonhar; fazer planos, perseguir anseios, fantasiar.
― É?...
― É sim, meu senhor. Nós devemos começar, imediatamente, uma ofensiva contra a tristeza.
― Bem... ― ele queria tanto livrar-se da tristeza! ― O que devo fazer?
― Antes de mais nada é preciso que eu lhe diga quem sou.
― Mas eu sei quem você é. É minha amiga Policasta, que vive longe daqui e veio passear nos arredores de minha cidade, provavelmente para passar suas férias.
― Não, meu senhor, não vim em férias, vim a seu pedido.
― A meu pedido?
― Sim. Não estava Vossa Majestade aqui, em um fim de tarde, quando desejou que houvesse alguém que o pudesse ajudar?
O rei pensou por um momento.
― É verdade.
Por isso vim, atendendo a seu chamado.
― E quem é você, Policasta?
― Sou uma sibila.
― Uma sibila? Você é uma profetiza, uma espécie de fada?
A moça sorriu.
― É o que sou. Eu estava passando, quando ouvi seu pedido de ajuda.
O rei, cético como era, estava sem saber o que pensar. Nunca acreditara em anjos, em duendes, em fadas. Agora, sua amiga Policasta dizia-lhe ser uma sibila.
― E de onde você veio?
― Vivo, como lhe contei, longe daqui. Eu vim de Ródon.
― Ródon?
O rei não conseguia acreditar naquela história. Gostava de Policasta, achava-a uma moça séria e generosa, mas isso tudo parecia-lhe fantástico demais.
― Vejo que meu senhor não acredita em mim ― e dizendo isso desapareceu.
O rei ficou atônito.
― Oh, céus! Policasta! ― Ele piscava, virava a cabeça, olhava para todos os lados, sacudia as mãos.
― Por favor, volte!
Ela ressurgiu envolta em bruma, como quando o dia está chegando e começa-se a ver o contorno das coisas.
― Oh, Policasta, perdoe-me por ter duvidado de você.
Ela sorria.
― Vamos começar, Majestade, nossa luta contra a tristeza?
― Sim, agora mesmo, se você quiser.
Ela aproximou-se dele.
― É preciso que o senhor mande chamar o camponês Antônio, é preciso que repense sobre o campo de glicínias.
― Como assim?
Policasta começou, então, a falar da importância que tinha, para Antônio, o campo de glicínias. Disse-lhe que eram coisas como esta que faziam as pessoas felizes: poderem criar campos de flores para ganharem alegria, em vez de ganharem dinheiro; poderem transformar em verdade aquilo que existia, ainda, somente na imaginação.
Disse-lhe também como era relevante, para todos, a opinião do rei, uma vez que o consideravam sábio e justo. Nunca questionavam por muito tempo seus conselhos e isso, afirmou ela, representava uma grande responsabilidade para ele.
― Mas, Policasta, é preciso pensar no futuro.
― O futuro será bonito, meu rei, se armazenarmos outras coisas, de que precisamos mais, como paz e harmonia em nossos corações. Se passarmos a vida armazenando bens para as dificuldades, elas certamente virão. Lembre-se das palavras do Mago Merlin: “Cuidado com o que você pensa, pois provavelmente tornar-se-á realidade”.
O rei ouvia, argumentava, meditava.
Naquela tarde não teve tempo para entristecer, tão ocupado estava com o campo de glicínias, com as razões que opunha às alegações da amiga, com as palavras de Merlin.
Mandou um recado para Antônio, pedindo que o viesse ver, sem falta, na manhã seguinte.
Até a hora de dormir, ficou a conversar com Policasta. O rei pediu-lhe que falasse mais a respeito de Ródon e das pessoas que lá viviam. Enquanto ela descrevia a montanha, no topo da qual encontrava-se Ródon, com o vale a seus pés, ele percebeu o amor que a amiga sentia por aquele lugar e aquelas pessoas.
Perderam a noção do tempo. Era já bem tarde quando foram se deitar.
6
O rei despertou cedo, foi para a sala de refeições esperar por Policasta. Ela chegou em seguida, Comeram e dirigiram-se, como faziam todos os dias, ao salão de audiências. Antônio já aguardava, sentado em um sofá, o chapéu nas mãos.
― Bom dia, Antônio.
― Bom dia, Majestade ― o camponês cumprimentou também, com um gesto de cabeça, a moça ruiva ― o senhor mandou me chamar.
― Sim, amigo, preciso lhe falar. Há alguns dias atrás, você me procurou, desejava consultar-me sobre a possibilidade de plantar flores junto à sua casa.
Antônio ouvia atentamente. O rei continuou:
― Eu pensei muito e concluí que talvez você tenha razão. Poderíamos conversar a respeito do assunto?
Os olhos de Antônio cintilaram.
― Sim, senhor, certamente.
Discutiram, por meia hora, o tamanho do terreno em questão, a época adequada para o plantio de glicínias e várias outras coisas. Por fim, o rei resolveu ir, pessoalmente, inspecionar o tal pedaço de terra.
Suspendeu o trabalho da manhã e convidou Policasta para ir com eles à casa de Antônio. Assim, montaram os três a cavalo e lá se foram, cavalgando pela estrada.
Foi uma manhã inesquecível para o rei. Como ele ficava o dia todo no castelo, trabalhando, e só saía ao entardecer, para caminhar em seus jardins, havia esquecido o quanto era bonito o sol sobre os campos, o ruído das águas do rio, as nuvens perseguindo-se na vastidão do céu.
Ao chegarem à casa do camponês, foram recebidos por sua família: uma mulher risonha ― chamada Eva ― e duas crianças, que corriam pelo pátio.
Entraram para beber água. O rei sentiu o cheiro de cozinha onde são feitos bolos e broas, onde se faz o pão: cheiro de mangerona, de sálvia, de tomilho, de alecrim.
Antônio levou-os, então, para os fundos da casa. Entre ela e o regato, mais abaixo, havia um terreno vazio, apenas com um poço.
― É aqui, Majestade ― Antônio estava eufórico. ― É aqui que sonho plantar minhas glicínias. Fecho os olhos, assim, e até posso ver como, daqui a algum tempo, as flores terão brotado... Posso quase sentir seu perfume.
O rei fechou os olhos e, também ele, percebeu a beleza que se escondia naquela possibilidade.
― Você tem razão, meu amigo, já não tenho dúvidas. Quero ajudá-lo a plantar suas flores.
― O senhor, Majestade?
― Sim, Antônio. Será muito importante para mim. Preciso tocar o chão, sentir a energia que brota das entranhas da terra. Podemos começar amanhã?
― Sim, é claro. Vou, hoje mesmo, providenciar as sementes.
As crianças foram tomar banho no regato. O rei pensou em como isso devia ser delicioso.
Voltando ao castelo, ele vinha animado, discutindo com Policasta a melhor localização para os canteiros.
Passou a tarde em sua mesa de trabalho. Respondeu a muitas cartas, contratos e solicitações, mas seu pensamento estava no regato.
Policasta lia um livro, sentada a seu lado. Vez por outra olhava-o e sorria.
7
No dia seguinte, bem cedo, rumaram para a casa de Antônio, pois só haveria audiências à tarde.
O rei tinha pressa em começar a trabalhar na terra. Assim que chegaram, colocou uma roupa bem confortável, que trouxera para esse fim. Todos, com exceção de Eva, puseram mãos à obra: o rei, o camponês, seus filhos e Policasta.
― Você também, Policasta, quer nos ajudar?
― Quero estar a seu lado, Majestade. Eva preparava, em sua cozinha cheirosa, um suculento almoço para o grupo.
Durante toda a manhã mexeram na terra. Uma terra escura, úmida, perfumada.
Ao meio-dia pararam e o rei pôde realizar o desejo que acalentava desde o dia anterior: entrou no regato.
Sentiu a sensação boa provocada pela água fresca. Nadou, brincou com as crianças, ficou boiando...
Trocou as roupas molhadas e sentou-se com os outros ao redor da mesa, para almoçar.
Tinha certeza de jamais ter tido tanto apetite. Que refeição deliciosa!
Ficaram um pouco no jardim, conversando, descansando. Finalmente despediram-se.
― Voltaremos amanhã. Vamos, Policasta?
Quando regressavam, ela notou que ele já não era o mesmo. O rosto estava corado, a voz estava alegre.
Saíram a passear, no final do dia. Falaram sobre glicínias e falaram sobre Ródon.
8
Durante as duas semanas que se seguiram, trabalharam com a família de Antônio, a fim de realizar seu sonho. Agora os compromissos do rei eram todos colocados à tarde.
Ele chegava sempre bem disposto, após o trabalho na terra. Ia sorridente para sua sala e Policasta estava, invariavelmente, a seu lado.
Ao entardecer, faziam um lanche e saíam a passear pelos campos. Ele não queria mais ficar confinado nos jardins do castelo. Queria encontrar pessoas pelos caminhos e com elas conversar.
Ao deitar-se, o rei adormecia imediatamente. Sonhava com o regato.
9
Quando terminaram o plantio, dava gosto ver os canteiros demarcados, a terra revolvida, bem adubada, molhada.
O camponês agradeceu, do fundo de seu coração, a ajuda dos dois.
O rei estava pensando, como confidenciou a Antônio, em formar grupos de voluntários, para que todos se ajudassem mutuamente.
Retornaram.
Mal o sol começou a declinar, os amigos deixaram o castelo. A noite prometia ser agradável, uma brisa suave bulia com seus cabelos.
― Sabe, minha amiga, tive uma ideia e desejo discuti-la com você ― havia tranquilidade na voz do rei.
― Estou querendo transformar a castelo em uma grande escola. Não me agrada que uma construção tão bonita como esta, de tais proporções, permaneça inútil. Poderíamos ter aqui muitos cursos: de idiomas, de pintura, de escultura, de dança, de mecânica. Você não acha que é uma boa ideia?
― Oh, Sim! É uma ideia maravilhosa!
― Pois é, estou pensando em convocar técnicos e começar imediatamente os preparativos. Não são necessárias muitas modificações. Dentro em breve já poderei procurar professores. ― Ele parou de caminhar, tocou o braço da amiga. ― Também andei pensando nos jardins do castelo. Gostaria que todos pudessem usufruir deles. Quero que passeiem por lá, ao entardecer.
Ela olhou-o e, então, viu o brilho em seu olhar.
― Que bom, meu rei já não é triste!
― Triste? Não, não sou mais triste. Nunca mais, Policasta, houve tristeza em meu coração. É a você que devo isso, minha querida amiga. Tenho andado tão ocupado que até esqueci a tristeza.
― Não me deve nada, meu senhor. Eu apenas lhe falei no sonho, mas foi meu rei quem o buscou, quem o encontrou.
A lua caminhava serena pelo céu quando voltaram ao castelo.
10
Não amanhecera ainda e o rei já havia saído a cavalo.
Foi banhar-se, como se habituara a fazer, em um local não muito distante, onde o rio fazia uma curva e descia por entre as pedras, formando, logo adiante, uma pequena cachoeira.
Falava com todos aqueles que encontrava, acenava, oferecia uma flor, recebia um sorriso.
Enchia os pulmões com o ar puro da manhã.
Voltando ao castelo, procurou Policasta, para fazerem juntos a primeira refeição do dia. Disseram-lhe que ela estava no jardim do leste.
Encontrou-a junto aos arbustos de madressilvas.
― Bom dia, Policasta.
― Bom dia, senhor.
Ela olhou á sua volta, pensativa.
― Foi aqui que nos conhecemos, lembra-se?
― Como poderia esquecer?
― Eu o esperava, para despedir-me.
― Despedir-se?
― Sim. Hoje vou-me embora.
― Vai embora... Como assim? Já?
Ele olhou-a intensamente, como se desejasse guardar na memória cada detalhe de sua amiga querida:
― Mas voltará.
― Quando for preciso.
― Vou sentir sua falta, Policasta.
― Também eu vou sentir sua falta.
Ele olhou para os arbustos.
― Vai entrar aí? É este o caminho?
― Sim.
― Poderia entrar também e visitá-la em Ródon.
― Quando quiser, meu amigo. Quando o povo de Alhures não estiver precisando tanto de seu rei, vá conhecer meu povo. Basta entrar em contato comigo, através do pensamento e eu virei buscá-lo exatamente aqui.
― É necessário que seja neste ponto?
― Sim. Esta é uma de tantas entradas, que existem espalhadas pela Terra, pela qual se pode passar de um a outro plano astral.
― Um dia, então...
― Um dia.
Fitaram-se com ternura. Ela tocou-lhe a fronte, ele beijou-lhe as mãos.
Policasta então embrenhou-se nos arbustos.
O rei ficou olhando, com muita atenção. Precisava saber o lugar exato onde deveria entrar para ir a Ródon.