FAROL
- Pegue meu olho esquerdo de presente. Ah, e devolva a caixinha, por favor.
- Por que deveria pegá-lo?
- Há algo de indecente, senão pornográfico, por trás da membrana que recobre minha íris.
- Membrana certamente contaminada pelo tanto que acumulou de poeira e inutilidade ao longo do tempo, não?
- Talvez! Ou quem sabe, mais de perto, não haja, para ser visto, um instantâneo iridescente que desminta sua indagação. Essa perspectiva não te aguça a curiosidade?
- Pode ser que sim! Mas também posso atirá-lo num cesto de lixo e ignorar essa dúvida.
- Ou degustá-lo, mesmo que sem uma farra antropofágica.
- Também posso devolvê-lo à cavidade escura de onde foi tirado.
- Meu rosto não aceitaria mais a estética anterior. Já não há vida nessa cavidade.
- Preencha-a com barro.
- E transformá-la num Golem?
- Seu cinismo é risível. Encare mais como um enterro. Talvez lavando o rosto a água dê de beber aos nervos retorcidos.
- Escureci 50% de mim, talvez por nada?
- Talvez por isso... (e esmagou com o pé direito o olho inerte).