(inacabados) o corte amigo
Entrou no banheiro, pegou a gilete, olhou-se profundamente no espelho e suavemente seu tal lamina cortando sua pele, a dor era superficial perto da profunda tristeza que sentia.
Enxugou as lágrimas, limpou o sangue, saiu do banheiro e seguiu a vida. Comeu, falou, dormiu, dançou, correu, estudou.
E lá foi, mais uma vez, cortar-se dessa vez noutro lugar, um pouco mais superficial. Sentia prazer naquilo, vontade absurda de sentir descarregado, aquilo aliviava a alma e acalantava o coração.
As estações passavam, o tempo mudava e seus cortes se aprofundavam. Tal dia fora encontrado desmaiado no quarto, injetou-se além do que podia, mais um jovem destruído, mas um pra ir pras macabras listas de “loucos, insanos e lunáticos”.
Acordou numa cama qualquer, num canto escuro. Havia uma goteira bem na sua testa, uma ou duas pessoas o encaravam. Decidiu sair e ver se reconhecia tal lugar. Logo um cara todo de branco, falando calmante o seguro dizendo leva-lo para a cama novamente, ele recusou. Queria saber onde estava, onde estavam seus discos de Lennon e Presley, seus quadrinhos, seus amigos, sua família. Pouco importou tudo isso pro tal “cara”, o levou e ainda quis dar “remedinhos”, ah, ele se zangou, e como se zangou.
Gritou. Gritou alto e pra valer. Um médico veio e acalmando-o lhe explicou tudo que aconteceu.
“Você estava fraco e um pouco fora dos padrões, foi necessário que internassem você aqui para que pudéssemos lhe avaliar e lhe tratar de maneira que tudo que vem se passando pela sua mente, acabe e se estabilize finalmente.”
Mas.. Quanto tempo ficarei? Não preciso disso, vivia bem lá fora, o que ocorreu foi um grande e desastroso engano, meu senhor.
Meu rapaz olhe pro seu corpo. Isso é viver bem? Responda-me.
Obviamente que não, já vi muitos casos parecidos com o seu e quando saem, antes do tempo necessário, nunca dá boa coisa, acredite.
Não existe tempo necessário e nem cura pro que realmente acontece, meu senhor. Tudo que preciso é a calmaria de um peito, onde possa repousar todo um sentimento, que hoje se encontra adormecido ou quem sabe morto. Não se tem amor próprio, perde-se tudo, até mesmo a dignidade. O que você, meu senhor vê em meu corpo, pode lhe parecer um absurdo, mas me foi o único jeito que vi para poder explorar meus sentimentos e expor o que sinto. O que a sociedade de merda em que vivemos avalia e analisa, como loucura, eu vejo como forma de expressão, triste, mas puramente limpa.
Meu rapaz, tenho mais pacientes a minha espera, espero que você se sinta melhor. Irei chamar um enfermeiro para lhe mostrar os arredores e o lado interno da clinica, tenho certeza de que você encontra um novo meio de expor tais sentimentos.
Foram então conhecer tal lugar, aulas de desenho, dança, fotografia, salinha de fofoca, salinha de dementes na ultima (nomeava dessa forma mesmo) e a salinha da tv, onde aos domingos tinha futebol, com amendoim e suco de abacaxi.
Algo lhe chamou atenção numa das salas.
Uma das mais escondidas havia um piano. Algo que lhe chamará muita atenção, tentou convencer o enfermeiro de leva-lo até lá, mas o mesmo negou.
Queria ir, precisava ir!
Aquilo iria virar para ele um desejo, além disso uma aventura que estava disposto a correr ..