O Menino de Bornéu
Eram homens voadores aqueles nativos de Bornéu nos idos de 1771.
- Descem das árvores como se fossem pássaros. – Falavam todos e eu me encantava com aquelas fantásticas narrativas e tudo que queria era vê-los e compartilhar dos sues voos. Será que me ensinariam como fazê-lo? Creio que seria difícil certo que não éramos por eles bem-vindos. Como um dos filhos de ingleses da ilha, vivíamos isolados e protegidos por guardas, sem a menor chance de encontrar um daqueles fascinantes aborígenes que tanto pavor colocavam nas bocas das nossas mulheres e nos pesadelos dos nossos homens. Nossa fazenda, posso dizer assim, era um verdadeiro quartel e a Companhia Britânica das Ìndias Orientais guardava ali seus interesses.
Vivíamos com medo, pois os nativos não nos receberam bem. Isso parece óbvio, afinal, éramos os temidos invasores ingleses e, caso um grupo de nativos de Bornéu ocupasse uma parte da Inglaterra, não pensaríamos o mesmo?
Meu nome, naquela outra vida que também vivi, era James Theodore Wilson e contava com 12 anos de idade. Como se sabe, alguns desejos são atendidos e tive a oportunidade de ver um dos nativos praticando sua habilidade. Veio do alto, se esgueirando entre os bambus descendo dos céus, desse céu que nos dá o azul e o ar que respiramos e que tanto nos apraz os pulmões. Sua visão foi de tal modo fascinante, que parecia estar naquele momento dos sonhos em que os absurdos são pura realidade. Fiquei tão inebriado, e encantado pela sua facilidade em dominar aquele elemento que não lembrei de assustar-me, ou de desencadear o alarme. Não se teme um perigo quando nos desperta algo que vai além do medo e a admiração foi o algo que me tolheu a vontade de gritar. Ao invés, queria rir, queria perguntar-lhe o como daquela suprema habilidade e, apesar de toda a cultura e galhardia de nossa civilização, senti que nos faltava o domínio superior que aquele homem tão naturalmente exibia.
O homem, corpulento e ágil, não deu com a minha presença de imediato. Lia Shakeaspeare como lição de casa oculto pela sombra de alguns arbustos. Sem querer, era o invasor camuflado que surpreendeu o nativo. Ao tocar o solo sem fazer ruído como se fosse uma pluma de ébano, passou a esgueirar-se imitando o silêncio das serpentes, notou finalmente a minha presença. Instintivamente, apontou-me uma espécie de zarabatana e disparou um dardo venenoso que atingiu-me diretamente o pescoço. O veneno agiu rapidamente e, em pouco, não era mais habitante daquele pequeno corpo de carne e osso. Foi melhor assim. O nativo era apenas um de muitos outros que participaram daquele ataque. Foi o primeiro, de muitos outros, até dizimarem todos os ingleses da ilha nos anos seguintes.
Quando meu corpo caiu, vi-me de pé junto ao mesmo. Em um ato reflexo, minhas mãos ainda tremulavam e o livro caiu ao chão levantando poeira. A morte, ao contrário do que se pensa, não traz nenhum horror. Temos mais medo quando estamos vivos. Creio que a sua expectativa nos assombra mais do que o fato de nela estarmos. E não é assim com tudo o que se espera? Não é angústia dos noivos às vésperas do matrimônio mais aflitiva que o enlace propriamente dito? Não sofre por antecipação aquele que espera uma notícia na sala do médico? Então, são assim todas as ansiedades: corrosivas no antes e muito menos drásticas no correr do fato em si. O fato é que após a picada do dardo, senti-me leve, suspenso por fios que não via e percebi que ao simples movimento dos pés podia levitar e movimentar em pleno ar. O horror não é morrer, mas pensar no depois da morte. Naquele momento estava indiferente a tais questionamentos e sofreres. Tratei de interessar-me pelas potencialidades do meu novo estado. A água não reclama por evaporar, simplesmente muda e assim fiz aceitando minha alteração de modo natural, sem as rupturas que imaginamos que se dão.
Subi aos bambus e comecei a ver a fazenda do alto, enquanto os homens corriam apavorados tentando resistir à investida. Os nativos eram ágeis e a escuridão que avançava, somada à surpresa, eram suas aliadas. Pairei sobre o cume das plantas enquanto, ao longe, ouvia os gritos desesperados das pessoas. Não queria saber de nada. Aquela vida parecia não mais importar, pois, afinal eu planava sobre a cobertura verde do mundo voando muito mais e melhor que os nativos de Bornéu...
Eram homens voadores aqueles nativos de Bornéu nos idos de 1771.
- Descem das árvores como se fossem pássaros. – Falavam todos e eu me encantava com aquelas fantásticas narrativas e tudo que queria era vê-los e compartilhar dos sues voos. Será que me ensinariam como fazê-lo? Creio que seria difícil certo que não éramos por eles bem-vindos. Como um dos filhos de ingleses da ilha, vivíamos isolados e protegidos por guardas, sem a menor chance de encontrar um daqueles fascinantes aborígenes que tanto pavor colocavam nas bocas das nossas mulheres e nos pesadelos dos nossos homens. Nossa fazenda, posso dizer assim, era um verdadeiro quartel e a Companhia Britânica das Ìndias Orientais guardava ali seus interesses.
Vivíamos com medo, pois os nativos não nos receberam bem. Isso parece óbvio, afinal, éramos os temidos invasores ingleses e, caso um grupo de nativos de Bornéu ocupasse uma parte da Inglaterra, não pensaríamos o mesmo?
Meu nome, naquela outra vida que também vivi, era James Theodore Wilson e contava com 12 anos de idade. Como se sabe, alguns desejos são atendidos e tive a oportunidade de ver um dos nativos praticando sua habilidade. Veio do alto, se esgueirando entre os bambus descendo dos céus, desse céu que nos dá o azul e o ar que respiramos e que tanto nos apraz os pulmões. Sua visão foi de tal modo fascinante, que parecia estar naquele momento dos sonhos em que os absurdos são pura realidade. Fiquei tão inebriado, e encantado pela sua facilidade em dominar aquele elemento que não lembrei de assustar-me, ou de desencadear o alarme. Não se teme um perigo quando nos desperta algo que vai além do medo e a admiração foi o algo que me tolheu a vontade de gritar. Ao invés, queria rir, queria perguntar-lhe o como daquela suprema habilidade e, apesar de toda a cultura e galhardia de nossa civilização, senti que nos faltava o domínio superior que aquele homem tão naturalmente exibia.
O homem, corpulento e ágil, não deu com a minha presença de imediato. Lia Shakeaspeare como lição de casa oculto pela sombra de alguns arbustos. Sem querer, era o invasor camuflado que surpreendeu o nativo. Ao tocar o solo sem fazer ruído como se fosse uma pluma de ébano, passou a esgueirar-se imitando o silêncio das serpentes, notou finalmente a minha presença. Instintivamente, apontou-me uma espécie de zarabatana e disparou um dardo venenoso que atingiu-me diretamente o pescoço. O veneno agiu rapidamente e, em pouco, não era mais habitante daquele pequeno corpo de carne e osso. Foi melhor assim. O nativo era apenas um de muitos outros que participaram daquele ataque. Foi o primeiro, de muitos outros, até dizimarem todos os ingleses da ilha nos anos seguintes.
Quando meu corpo caiu, vi-me de pé junto ao mesmo. Em um ato reflexo, minhas mãos ainda tremulavam e o livro caiu ao chão levantando poeira. A morte, ao contrário do que se pensa, não traz nenhum horror. Temos mais medo quando estamos vivos. Creio que a sua expectativa nos assombra mais do que o fato de nela estarmos. E não é assim com tudo o que se espera? Não é angústia dos noivos às vésperas do matrimônio mais aflitiva que o enlace propriamente dito? Não sofre por antecipação aquele que espera uma notícia na sala do médico? Então, são assim todas as ansiedades: corrosivas no antes e muito menos drásticas no correr do fato em si. O fato é que após a picada do dardo, senti-me leve, suspenso por fios que não via e percebi que ao simples movimento dos pés podia levitar e movimentar em pleno ar. O horror não é morrer, mas pensar no depois da morte. Naquele momento estava indiferente a tais questionamentos e sofreres. Tratei de interessar-me pelas potencialidades do meu novo estado. A água não reclama por evaporar, simplesmente muda e assim fiz aceitando minha alteração de modo natural, sem as rupturas que imaginamos que se dão.
Subi aos bambus e comecei a ver a fazenda do alto, enquanto os homens corriam apavorados tentando resistir à investida. Os nativos eram ágeis e a escuridão que avançava, somada à surpresa, eram suas aliadas. Pairei sobre o cume das plantas enquanto, ao longe, ouvia os gritos desesperados das pessoas. Não queria saber de nada. Aquela vida parecia não mais importar, pois, afinal eu planava sobre a cobertura verde do mundo voando muito mais e melhor que os nativos de Bornéu...