a lunática bailaria, que iria para a lua
Ela tinha seu próprio habitar. Não precisava que lhe dissesse o que fazer, fazia sem saber. Era das que calçavam a sapatilha e flutuava pelos palcos, olha para cima, o contato com o pública deixava-a nervosa e tal nervosismo a remetia a dores que não gostava de sentir, além de que ao olha para cima, sentia-se cada vez mais perto do mundo que sonhará: o luar.
Tais foram as vezes em que se entorpecia de remédios, drogas, álcool e navegava pelos mares e esgotos que sempre a levavam pra lua. Dançava, rolava, ria, brincava, falava e chorava. Os efeitos intermináveis! Mas quando passavam, o triste desgosto e a loucura tomavam conta de sua mente. Quando voltava aos palcos, colocava seus suaves adereços e logo se ia dançar, notava-se a melancolia de seu olhar, era algo que encantava e entristecia quem visse, era alguém de beleza corriqueira e de solidão rara. Não possuía amigos, achava perda de tempo, não tinha tv, achava manipulação, tinha um velho toca discos e mil e um discos, que já conhecia tão bem quanto a si mesma.
Sonhava ela em subir aos palcos, ser uma grande bailarina, mas não fazia com que tal sonho se se realiza. Sai, bebia, fuma, cheirava, dormia na rua. Levava a vida de qualquer maneira, não se preocupava com absolutamente nada, tinha seu lugar na companhia e isso já lhe bastava.
Ao chegar na companhia onde dançava, foi logo se aproximar para ouvir o anuncio da diretora da companhia que dançará:
“VENHAM MENINAS, VENHAM! VAMOS ESCOLHER HOJE O CORPO DE BAILARINAS PARA A APRESENTAÇÃO – LUNÁTICO LUAR”.
Ao ir até a inscrição, deparou-se com um turbilhão de pensamentos loucos dizendo que não seria capaz, pensava se seria o álcool da ultima noite que havia deixado ela tonta e enjoada, não tinha certeza. Foi então planejar uma apresentação, estava incerta, incorreta, sentia-se mal, mas pior iria se sentir se não participar, o amor pela lua era maior que suas dores, queria ir pra lua, sonhava com sua morte e se via dançava no branco e pálido ambiente que a lua lhe seria.
Ao chamarem ela para sua apresentação, errou! Gritou, chorou, rio. Acabou sendo desclassificada, saiu sem rumo, sem olhar. A droga ainda na mente, mais uma foi, agora ao som de Johnny Cash, um de seus favoritos. Uma leve picada, um sorriso resplandecido de dor, viu-se rodeada de seres de outro mundo, ria ria ria, sem parar. Saiu a caminhar, com uma garrafa embaixo do braço e suas sapatilhas nas mãos, levou junto uns comprimidos para ajudar a dormir.
O caminho foi longo, tinha folego, vontade. Caminhou quilômetros, metia-se por entre os carros, dizendo querer ir pra lua. Via-se dançando, flutuando na mais louca atmosfera. Eram 22, 23 horas, sentou-se no parque e dava goles na bebida que ela havia levado consigo, perguntava o porquê de tantas loucuras que havia praticado ria lembrando-se de quando vivia no mundo habitual e normal, lembrava-se de sua família que não via a meses, lembrou de quando ganhou as primeiras sapatilhas e quando aprendeu seus primeiros passos, isso ela delirava ao lembrar, de tão mágico que tudo havia sido para ela. Não entendia o porquê que havia começado a beber, se “chapar” (como ela mesma nomeava o fato de se drogar) o abandono da família, suas desilusões amorosas ou simplesmente o fato de não se suportar e não conseguir aguentar viver num mundo onde o amor não é respeitado e pros que respeitam só restar a dor. Era solitária, fechada e risonha. Ah e ria, desespero, depressão, agonia, frustação, motivos para estar sempre mostrando seus lindos dentes brancos. Era uma completa lunática, endoidecida, que vivia para alcançar a lua e dançar seu ballet, junta a ela.
Lembrava de uma vez em que foi pega no terraço do condomínio que morava, com uma escada tentando subir até o céu e beijar a lua. Foi a primeira vez que a internaram. Ficava lembrando-se dos enfermeiros e dos calmantes que jogava fora, pensava se não era por isso que não estava tão na merda. Não tinha dinheiro, reputação, e um sonho de participar de uma apresentação tão mágica quanto aquela, havia se perdido. Não tinha mais o que fazer pela vida, começou a recorda-se de quando era criança. Não tinha brinquedos, apenas as velhas sapatilhas e um toca disco, que toca as mais solitárias e belas canções, levando-a a conhecer a solidão desde a infância, estava acostumada a ficar só, não por falta de pessoas (dizia sempre: até que sou interessante, só não gosto de companhias) não gostava de controle nenhum sobre ela e nem que lhe dissessem as coisas, gostava é de ficar sozinha na manhã de domingo, gostava de acordar no meio da noite e sentar-se na beira de sua cama e cortar-se, sentia prazer na dor que sentia, sorria e sorria bonito, mesmo tendo cortado se e virado noites em claro ensaiando mil e uma coreografias que jamais apresentaria. Sentia um medo danado da morte, mas nunca fez nada pra tarda-la, pelo contrário, começou a usar drogas e beber logo sua família abandona-la. Não tinham esperança nela, alias nem ela nela mesma, queria viver sem ninguém junto a ela e conseguiu. Estava só na multidão, só entre os pássaros, só abaixo das estrelas.
Sua loucura aumentou no hospital, ela tinha certeza. Virava noite sentada numa varanda observava, o tão só e linda que a lua era. Sentia-se assim. Pedia ela todas as noites que quando fosse levada para além da vida, fosse para junto a lua, para que fosse observada e que as pessoas tivessem prazer em ve-la sempre e não repulsa.
Foi tomando goles e goles da bebida que carregará, tomou junto alguns comprimidos para a insônia, que o médico do hospital psiquiátrico havia receitado.
Sem nem perceber ao certo, foi caindo do banco e adormecendo lentamente. Permanecia agarrada a suas sapatilhas e aquela garrafa de bebida barata, tomou mais alguns comprimidos, jogou o restante fora e começou lentamente cantando a primeira música que lembrará ter escutado com seu pai quando criança:
“Amigos presos
Amigos sumindo assim
Prá nunca mais
Tais recordações
Retratos do mal em si
Melhor é deixar prá trás...
Não, não chore mais
Não, não chore mais
Oh! Oh!” (Gilberto gil)
Terminando a canção, ela adormece para que finalmente possa subir e ficar junto a lua, vivendo de sua dança, amando sua loucura e enfim, só. Sem a tv que não gostava, nem as pessoas que tanto odiava, sem a família que lhe deixará, sem julgamentos, sem suas drogas, suas bebidas. Levou consigo a leveza da partida, suas sapatilhas, seu sorriso sempre indisposto, sua fiel solidão e sua vontade irremediável e interminável de flutuar por entre o imenso céu azul, e claro, tudo isso acompanhada pelas estrelas e iluminada pela tão sonhada e idealizada lua.