O FOSSO

Augusto convencera-se, desde muito cedo, que era melhor do que os outros. Os próprios pais mostravam tal verdade, tratando-o como um ídolo de ouro. Seus dotes eram mais nobres, as notas escolares, as maiores; tudo o que se referia a ele era mais valioso. E crescera desdenhando pessoas; sarcástico, arrogante, vaidoso.

Andava sempre só; o que não o incomodava de maneira alguma, sequer percebia, pois não olhava para o que havia ao seu redor. A postura altiva o fazia mirar unicamente o céu. Era como se os seres e as coisas existissem apenas para celebrar sua excelência. E pisava forte, com o peso absurdo de suas inteligência e beleza insuperáveis, sobre o que não lhe enaltecesse e, por leda ousadia, atravessasse o seu caminho. Habilidades, inspirações, virtudes, conceitos, vantagens e sentimentos alheios eram impassivelmente pisoteados. Nenhuma mulher estava à sua altura, ninguém merecia sua amizade ou simples consideração, de tão superior que se sentia. Apenas os carentes de autoestima podiam girar em torno dele, como piorras desnorteadas, ou mariposas ensandecidas. E cercava-se de bajuladores, de personalidades raquíticas, que só contribuíam para resplandecer a convicção de que era, sim, “quase” um deus. Para esses, sua presença era como tela de cinema exibindo um grande filme: cessando vozes e moldando emoções, prevalecia a capturar toda a atenção.

Eis a vida de Augusto: ofuscar os outros com seu brilho, silenciar com suas verdades impolutas, esmagar sob seus pés. Assim, o mundo em que vivia tornava-se mais e mais deserto. Com o passar do tempo, a vaidade canibal devorou até mesmo os bajuladores. E prosseguia em sua caminhada incessante, aos passos fortes e implacáveis, com os olhos fixos no firmamento, desejando ardentemente toda aquela imensidão, todo o domínio exercido pela maravilha celeste sobre o planeta, ao delimitar possibilidades nas alturas.

Mas... estranho! Quanto mais caminhava, mais distante o céu se tornava, enquanto o ar se rarefazia! É que não existindo seres e coisas para pisotear com seu peso de esplendor (já havia esmagado tudo), sem que percebesse, afundou a própria terra em que pisava. E com ela, afundou-se também. Surpreso e amedrontado, olhou para os lados, para frente, virou-se; e constatou que estava preso num enorme e profundo fosso! Desesperado, gritou, pediu socorro! Ninguém apareceu. E seus gritos restrugiram tão intensamente naquele buraco negro, que o fizeram ruir! Um torrão seco se espatifou sobre sua cabeça, depois outros atingiram seus ombros. E caíam pedaços de terra dura por todos os lados. Já não conseguia ver o alto, tudo era poeira acima de seu corpo! Em poucos segundos, não pôde mais se mexer. E tudo se fez treva. Augusto sucumbiu, soterrado na cova que cavara com seus passos pesados de soberba.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 20/09/2012
Código do texto: T3891295
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