Esperando O Inesperado

ESPERANDO O INESPERADO

De Igor Wright

Acabo de acordar e me sinto mais forte hoje.

Talvez esteja maior ou até mais completo. Esse tempo aqui dentro foi repleto de mudanças. É como se eu me reinventasse todo dia e me surpreendesse com cada nova faceta da minha existência.

Não posso negar... preciso me libertar. Aqui há até um certo conforto, seja lá o que e onde for aqui. Mas não me lembro como cheguei nesse lugar. Não me lembro nem de como tudo era antes de estar aqui. Toda essa escuridão me envolve e às vezes tenho a sensação de estar flutuando. Outras vezes me sinto chacoalhado de uma canto pra outro, mas isso tem diminuído. Cada vez mais me sinto acostumado a esse lugar. Aqui não tenho noção de tempo, mas o espaço está diferente porque sei que cresci, amadureci, tomei nova forma. Preencho o vazio que me cerca e sinto cada vez mais que está próximo o dia da libertação.

Meus sentidos estão adormecidos, mas estão em funcionamento. Sinto minha pele, macia, aquecida e ao mesmo tempo úmida. Não enxergo muito mais que a palma da minha mão colada ao meu rosto. A escuridão acalma, porque eu não conheço o contrário dela, ou pelo menos já nem me lembro mais.

Minha boca emite sons, mas eles são engolfados, como se estivessem saindo dentro de bolhas de ar na água. Isso não faz a mínima diferença pra mim. Eu não saberia, o quê, como ou com quem falar. Com quem...talvez haja alguém. Mas eu nunca vi.

Ouço vozes e sons. Estão longe, mas muitos deles falam muito mais que aos meus ouvidos...eles conversam com meu coração. Ah... o coração...esse eu ouço o tempo todo! O som do meu é um galope ritmado e corrido, pulsando com o propósito de manter minha vida nesse lugar, custe o que custar.

Mas eu não ouço apenas o meu coração. Existe outro. Um que é lento na maior parte do tempo, mas é forte e decidido. Às vezes eu sinto que quase posso tocá-lo, ou que ele quer falar comigo. Sua mensagem é sincera e sinto isso nas mudanças de ritmo. Ele também parece ter o propósito de me manter aqui, mas parece me convocar pra fora desse lugar. Um chamado urgente, mas que me manda ser paciente até o momento exato e correto onde o quebra-cabeças vai se encaixar.

Há também as vozes, várias delas, mas nunca entendo o que querem me dizer. Entre elas, existem duas que me chamam a atenção pois falam com o meu coração. Eu não as entendo, apenas sinto e confio na onda de sentimentos que me passam.

Uma das vozes me diverte. Não sei se ela fala sempre comigo, mas o tom me diverte. São tons graves que vibram através do lugar onde estou. Parece estar sempre dizendo algo engraçado com a intenção de demonstrar estar no comando. Eu só posso sorrir. Não sei que tipo de autoridade ele quer passar, mas eu o respeito, na verdade, é pela sinceridade que percebo no modo como fala. Às vezes ele muda o tom e suaviza a fala e sinto em sua voz que há apoio e carinho, mas principalmente uma certa urgência e muita ansiedade. Essa pessoa deve ser muito legal, mas vai levar um tempo até nos entendermos por completo. Talvez mais do que eu possa imaginar. De qualquer forma...eu gosto dessa voz.

A outra voz é bem diferente. Ela parece falar dentro de mim. Dentro da minha cabeça. Interrompe meus pensamentos e me deixa de prontidão a cada som emitido. A sensação é de fazer parte de mim e de que eu pertenço a ela.

Nem a escuridão e a falta de compreensão me fazem estranhar essa segunda voz. Ela é meu guia. Doce, aveludada e repleta de sentimentos. Às vezes, sinto nela meus próprios sentimentos - se eu soubesse falar essa língua, ou lembrasse pelo menos a minha - sendo expostos de forma intensa e clara.

Essa voz me acalma. Nela está o amor. Amor??? Sim! Amor. Ela sempre fala isso pra mim. Essa palavra eu entendo, não porque ela fala o tempo todo - sim, ela fala! - mas porque eu o sinto. Esse tal de amor me envolve e me dá paz. Nele sinto toda a segurança do mundo. Não importa, como ou onde é esse lugar. nem se vou sair daqui. Eu ficaria com essa voz e seu amor até o fim da minha vida e onde ela estivesse. Cada som que ela emite me deixa alerta e focado. É como se ela me chamasse o tempo todo. Eu quero ir, mas não sei como ou se é a hora certa. No meu íntimo sinto que está quase na hora, mas não sei o caminho. A única coisa que sei é que essa voz me protege e vai me mostrar o caminho. E quando eu chegar lá, ela vai me mostrar tudo que não conheço e vai cantar essas canções que me fazem ter sono e descansar. Espere...o que é isso!!!

Tudo está tremendo. Com um solavanco sinto o calor ao meu redor se dissipar. Não está frio, mas está bem menos confortável. Minha pele escorrega. É uma sensação...molhada. E o lugar mudou também. Está cada vez menor e respirar se tornou algo difícil.

Agora percebo vozes ao meu redor. Várias delas. Uma agitação. Mas a segunda voz continua calma, apesar de sentí-la cada vez mais excitada. Definitivamente ela está me chamando dessa vez.

Pela primeira vez noto que a escuridão se foi. Há uma claridade nesse lugar, mas não consigo enxergar com clareza. Tudo é um borrão. Mas a luz me dá uma certeza, preciso sair daqui. As vozes me chamam. Eu me estico, faço força nas paredes que se espremem contra mim e de repente tudo é um clarão.

Sinto frio. Alguém me toca e fala algo. Não sei se é comigo. Estão me envolvendo em algo macio, seco e confortável. Eu ouço a primeira voz. Ela é ainda mais divertida de perto. Eu adoro o som dela. Ouço algo saindo de mim mesmo. Sons estranhos. É a minha própria voz em forma de choro. Não sinto dor e nem incômodo algum, é simplesmente uma necessidade. Eu preciso da segunda voz. Me sinto carregado até repousar em braços macios e afáveis. Então a ouço e meu mundo passa a fazer todo sentido. Naquele instante parece que cumpri o propósito de toda aquela escuridão. A espera do inesperado acabou. E o inesperado agora é conhecido. Era esse o meu destino. Ela me afaga e acaricia e diz bem baixinho em minha cabeça:

- Olá meu filho. Seja bem-vindo, meu amor!!!

Igor Wright
Enviado por Igor Wright em 13/09/2012
Código do texto: T3879889
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