A Cortesã Real
O pequeno Citröen C3, desgovernado naquela estrada sinuosa e úmida, entre altos pinheiros da região montanhosa e lúgubre, naquela noite sombria, dançou sobre o asfalto e chocou-se contra uma árvore após ter sua velocidade reduzida ao bater em uma cerca atropelando dezenas de pequenos arbustos.
Não fosse por isso, a condutora, uma jovem e promissora publicitária, Arlete Sales, teria tido sua vida ceifada ali mesmo. O Air Bag contribuiu para salvar-lhe a vida. O impacto, no entanto, foi o suficiente para deixá-la desacordada por horas a fio. Seja por que fosse tarde, ou porque após a colisão ninguém que passara pela estrada tenha percebido o acidente, somente despertou pela manhã, quando a chuva terminara e os rouxinóis davam com seu alarido um ar de graça ao ambiente.
Ainda tonta, procurou verificar se tinha algum ferimento grave. Levou vários minutos nisso. Em seguida, já um tanto mais lúcida, tratou de pegar o celular em busca de sinal. Nada.
Irritada, bateu o aparelho contra o volante. Tentou ligar o rádio para saber alguma coisa. Somente uma estática em todas as estações:
- E essa agora? – Disse em voz alta. Resolveu descer do veículo e cambaleou sobre os altos saltos. O jeans apertado e a blusa colorida, larga e solta, dava-lhe uma aura de anos 70. Caminhou poucos passos em direção à estrada. Nisso, ouviu um trotar ligeiro de cavalos. Andou mais alguns metros, ao divisar emergindo das sombras o vulto do cavaleiro. Quase quedou de susto quando uma extensa lança medieval pairou no ar a poucos centímetros do seu peito seguida de uma voz gutural:
- Quem sois? De Onde vens? – Ficou boquiaberta diante daquele enorme vulto vestindo uma armadura argêntea sobre um ornamentado cavalo negro.
- Eu estou louca? – Perguntou em voz alta enquanto o cavaleiro se esforçava para manter firmes o cavalo e a lança:
- Então, és louca? – O homem impunha-lhe grande temor.
- Não. Não sou. É um modo de dizer.
- Falas de modo inusitado, Estranha. Quem sois? De onde vens?
- Escute. Não sei de que circo você saiu, mas eu preciso de ajuda aqui. Olhe o estado do meu carro. – Virou-se apontando para o veículo e ficou pasma ao ver que o mesmo havia sumido.
- De fato, disse o homem, és louca.
- Pare com isso que já está me irritando com esse palavreado: tu és! Quem sois? E o meu carro? Deus! Para onde foi o meu carro? – Dizia inconformada dando as costas ao homem que, em um movimento abrupto, suspendeu-a do chão. Diante da surpresa, e temendo ser derrubada, achou melhor não debater-se muito implorando ao homem que a soltasse. Em um movimento ágil, lançou-a na parte detrás da sela e partiu em rápido galope.
Arlete Sales, estupefata, fechou em determinado momento enquanto repetia a si mesma enquanto fechava os olhos com força:
- Estou sonhando... Estou sonhando e vou acordar agora. – Abriu os olhos na ilusão de acordar e vira que fora inútil. Cavalgava com aquele estranho por um descampado onde deveria estar a rodovia. Em um momento, estava no seu mundo e agora, de modo inexplicável, despertara neste outro estando a ponto de perder o juízo por completo.
Em pouco tempo encontravam-se diante de uma magistral muralha, tendo nas extremidades altas torres guarnecidas por arqueiros. O homem que a conduzia devia ser importante, pois à sua passagem as pessoas se curvavam. Por um momento, esquecendo-se da sua situação, ela sorriu achando tudo engraçado.
Atravessaram uma ponte levadiça sobre um fosso e adentraram aquele estranho e novo mundo que só vira em gravuras de livros e filmes:
- Meu Deus! Disse deslumbrada: estou completamente perdida!
- Disso já sabia! – Disse o cavaleiro, parando o animal e rapidamente descendo-a ao chão como se fosse um brinquedo.
- Ei! Cuidado que não sou de pano!
- Claro que não és! – Repetiu o homem levantando o elmo que cobria o seu rosto. Arlete não pode esconder o espanto. Um belíssimo jovem de penetrantes olhos azuis e barba loira encontrava-se diante de si. Logo se aproximou uma senhora, fazendo mesuras estranhas para o jovem que determinou-lhe:
- Cuide dessa donzela! Dê-lhe banho e roupas descentes. Creio que será útil como cortesã da corte.
Apavorada, antes que lançasse sua indignação, a velha despediu-se do rapaz que saiu a galope:
- Sim, Alteza!
- Alteza? Ele é um príncipe!
- Claro, querida. É o primogênito do rei. Príncipe Felipe. – Disse a senhora puxando-a pelo braço em direção a uma porta lateral no castelo. Deram-lhe banho, roupas novas e perfumadas para que ficasse parecendo uma Lady. Indignada, dizia que não era e nem seria uma Cortesã.
- Que isso, minha filha! É uma honra poder servir ao Rei e aos nobres do palácio.
- Honra? Nesse mundo louco eu virei uma cortesã? – Confusa, começou a andar pelo cômodo, de costas, tirando dos braços e cabelos os enfeites não percebendo que estava próxima a uma janela com parapeito muito baixo. Terminou desequilibrando-se e caindo de costas.
Quando acordou, estava deitada em uma maca, sendo conduzida para dentro de uma ambulância. Ficou aliviada ao ver que havia voltado ao seu mundo. Nisso, viu um dos paramédicos, cuja figura parecia-lhe sombreada e embaçada, ir definindo o rosto aos poucos. Teve grande susto ao perceber o mesmo rosto do Príncipe Felipe.
- Príncipe! – Disse sorrindo.
O rapaz retribuiu-lhe o sorriso e conduziu-a para dentro da ambulância comentando com um colega:
- A pobrezinha bateu muito forte a cabeça!
- De fato, disse o outro, para te chamar de príncipe não deve estar bem. – Riram muito conduzindo-a para o hospital. Quando saíram, sob as marcas que o pneu do veículo rodou sobre a lama, fez surgir um antigo artefato: um diadema de brilhantes pertencente, talvez, a uma cortesã real de um outro tempo já esquecido...
(Nota do Autor: Alguns encontros somente podem ocorrer em um Mundo Paralelo...)