O Destino de Posêyá

Santa Luna era uma ilha muito bonita, repleta de altos montes, que se localizava no Oceano Pacífico. Foi submersa após um grande maremoto. Um pesquisador grego, que viveu no Século XIV, conta que a  sua população não passava de mil habitantes, e que  serviu de observatório durante a Idade Média. Dizem que lá vivia  um sacerdote, de nome  Valence. E, todos os dias, ao pôr do sol, fazia suas orações ajoelhado no Penhasco do Silêncio, parte mais elevada daquela ilha. Certo dia, a filha de um pescador, de origem incerta, resolveu seguir aquele velho padre, pois se preocupava ao vê-lo andar sozinho por caminhos tão íngremes e nebulosos
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Ao atravessar uma pequena correnteza, após andar descalça por dois quilômetros, foi surpreendida por uma voz que martelava os seus ouvidos: “Não vá...! Não vá...!” Ela pensou duas vezes e desistiu de tal aventura.  Por conta disso, naquela noite, dormira muito mal e teve um sonho que lhe pareceu o mais belo e o mais perturbador em  toda a sua vida.
 
No dia seguinte, não pôde conter em si tanto mistério, correu logo cedo para a capelinha, situada ao lado norte da ilha, à busca do velho sacerdote. Chegando lá, o abraçou, com ternura, e disse:
_ Padre, eu preciso lhe contar o que sonhei esta noite. É sobre esta ilha. – E começaram a travar um diálogo quase sem fim:
_ Filha, não se aflija. Este lugar é diferente de tudo que existe por aí.
_ Padre, eu já percebi. Acontece que o meu sonho foi muito real. Se o senhor puder me ouvir, eu vou lhe agradecer para sempre.
 
_ Pois não, meu anjo! Sente-se nesta cadeira, tome um pouco desta água e relaxe... Só assim  vai poder me contar tudo.
 
_ Padre, eu sonhei... _  Ela não conseguia conter as lágrimas. _   Eu sonhei, não. Eu vi! Eu vi, padre! Aqui nesta ilha, há milhões de anos, naufragou uma grande embarcação. E debaixo do seu casco existem uns seres diferentes. Eles não agem como nós. Não se vestem como nós.  Não falam como nós. É  um casal que faz lembrar um deus e uma deusa. Ambos são muito sábios e poderosos.  Ele é enigmático e tem uma força extrema, capaz de elevar o mar. Ela é dotada de mistério, é meiga,  serena, tem leveza e canta igualzinho o mar. E ambos se completam.  Eu os vi saindo de uma espécie de concha enorme.... e se direcionando para sua base, que fica nas profundezas destas águas. Eu posso até lhe mostrar o local, se o senhor quiser... Padre, eles se amam. Acredite! Eles são dois em um. Aonde um vai, o outro está. E eu tenho medo! Eu tenho medo porque eles prometerem tomar esta ilha de nós. Eles prometeram me tirar daqui.
 
_ Menina, minha menina, esses sonhos ou estas visões acontecem... Você precisa descansar um pouco, meu anjo.
_ Padre, não me diga que estou louca! Porque minha mãe e meu pai já me disseram isso, um tempo atrás. Eu só quero entender por que só eu vejo esse lugar. Padre, existe alguém aqui, além de mim, que conhece esse lugar?  _ Subitamente aquele padre cerrou os olhos, começou a inclinar-se  para a frente e tombou sobre os pés daquela jovenzinha confusa, tornando-a cúmplice do inimaginável.
 
 
Um ano se passou.  A menina Posêyá  completaria doze anos em plena estação da primavera.  Seus pais e os demais pescadores, daquele lugar, resolveram dar-lhe uma festa. Toda a comunidade se empenhou para enfeitar os barcos com flores e juntar pedras  para formar um círculo sobre a areia, onde a jovem Posêyá pudesse dançar, mostrar seus encantos e ser atraída pelo seu fiel pretendente. Naquele dia, ela dançaria por três vezes: a primeira, às seis da manhã – a dança das águas; a segunda, ao meio-dia – a dança do sol; a terceira, das três  da tarde até  o pôr do sol – a dança dos deuses.
 
Na hora marcada Posêyá apareceu rasgando as ondas. Ela  vestia  uma túnica branca e uma tiara, repleta de flores silvestres, presa aos seus negros cabelos. Seu olhar cintilava de um jeito incomum. O azul de seus olhos, contrastando com a sua pele negra, fazia lembrar uma noite estrelada. Aquelas pessoas se entreolharam e perceberam que havia algo diferente em Posêyá. Porque, apesar de ter saído de dentro d ´água, ela não estava molhada. A sua face tinha um brilho que só as estrelas possuíam. A sua túnica transparente, voava, levemente,  deixando o seu corpo livre.
 
O povo se ajoelhou em reverência à Posêyá. Assim,  começou o ritual para celebrar a emancipação de menina à mulher. A primeira sessão de danças começou. Posêyá dançou lindamente para as águas. E assim prosseguia o ritual, conforme a programação.
 
 Já passava das cinco da tarde. O sol já queria se despedir e Posêyá dançava exaustivamente.  De repente, as nuvens começaram a ficar pesadas,  o vento soprou com tanta força que fez Posêyá rodopiar. Aí, ela foi subindo..., subindo..., até desaparecer entre as nuvens. Logo mais,  surgiu, sorridente,  sentada, de braços abertos, no Penhasco do Silêncio. A população, que já se encontrava de pé, naquela hora, se ajoelhou, novamente. Todos tremeram diante daquele fenômeno estarrecedor. Todos  pediram a Deus que protegesse Posêyá das pedras agudas e das garras da águias que viviam por ali.
 
Passaram-se alguns segundos  e, no mesmo penhasco, apareceu o padre Valence, que fazia suas preces. Ele olhou bem dentro dos olhos de Posêyá e disse:
 
_ Está na hora de você saber a verdade, menina.  Posêidon, no passado, teve que fazer uma difícil escolha. _  A partir daí, suas palavras soaram diferentes, que só Posêyá teve poder para entendê-lo. 
 
_ Você não é filha de quem você acha que é.  Você foi deixada no mar após um naufrágio quando era um bebê. Posêidon foi desafiado a mostrar que poderia afundar uma grande embarcação. Caso contrário, não seria ele o Senhor dos Mares. Ele usou todas as suas forças para isso. Ao final, ele soube que lá dentro se encontrava  Yemanjá, seu único e eterno amor, que estava grávida.
 
Ele, desesperadamente, correu para salvá-la. Sabia que a chance era pouca, pois só lhe restava o mínimo de força  em um dos pés, mas não sabia em qual deles. Então, numa manobra rápida, amarrou os cabelos da sua amada, Yemanjá, ao seu pé esquerdo.    E nadou milhas e milhas... Yemanjá estava ficando cada vez mais pesada. Ele tentou segurá-la nos braços, mas uma voz superior soou forte, alertando: “Se tentar novamente, morrerão os dois.” Ele, conhecedor dos mares,  implorou que uma baleia aparecesse por ali, para fazer o parto de Yemanjá. Assim, ela ficaria leve e seria facilmente salva. E apareceu uma baleia-jubarte que, ao abrir-lhe o ventre, sugou dali uma pequena vida, oferecendo-lhe, em seguida, leite em abundância. Depois,  passou a protegê-la das intempéries.
 
Posêidon e Yemanjá se distanciaram daquela dócil criatura. Eles choraram muito ao perdê-la de vista. Só lhes restava pedir aos animais marinhos que cuidassem bem dela. Então, pediram, também, a uma baleia-orca para não se alimentar mais dos golfinhos, pois estes deveriam brincar com a sua pequena sereia por toda a sua infância.  E assim foi feito.
 
Num determinado dia, aquela linda criatura foi encontrada por um pescador que, ao lhe capturar numa rede, lhe colocou sobre a areia.  Pelos seus traços, ele bradou: “Só pode ser filha de Yemanjá!” Chegou-se à conclusão que era a filha de Posêidon com Yemanjá.  E lhe foi dado o nome de Posêyá.  Estou falando de você, Posêyá. Esta é a sua história... Agora, lhe peço: desça daqui e mergulhe para encontrar a sua verdadeira família, que vive no mesmo lugar que você ver nos sonhos.

 
Naquele  lapso de tempo, trovões foram ouvidos e  relâmpagos clarearam toda a ilha. Posêyá já se encontrava entre as ondas. As pessoas, sem entender direito, mais uma vez, se entreolharam, atônitas, como se tivessem vivido um pesadelo e, ao verem Posêyá já distante, começaram a gritar:
 
_ Posêyá! Volte, Posêyá! Este padre é louco! Ele não diz coisa com coisa... Parece até que fala em outra língua. Posêiyá, você  está se afogando!  Padre,  a Posêiyá está se afogando...
 
Ele, distante de si, passou a mão sobre a batina e se retirou assoviando uma canção.

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Vídeo:
www.youtube.com/watch?v=hMN1LUNqf9o



Nota: texto modificado em 12/09/12.