A Cura
- Venham todos. Aproximem-se! Aproximem-se!
O mascate, no centro da praça popular, naquela velha e colorida carroça que poderia ter vindo de um passado remoto, circense, onde somente se fazia valer a magistral arte dos mambembes, tinha um sorriso brilhante e uma voz cristalina.
Aos poucos nossa pequena comunidade se aglomerara. Homens e mulheres acostumados à rudeza do campo queriam saber, ver e ouvir as novidades que nos trazia o vendedor.
- Venham todos que eu tenho aqui a Cura para todos os seus males!
- Mentira! – Gritou um dos homens, um tipo corpulento, de quase dois metros de altura conhecido por Igor.
- Ninguém tem a Cura para nossos males.
O mascate, então, para delírio de todos, retirou a máscara de pano que todos devíamos usar para esconder o que éramos segundo o Código de Leis. Uma grande admiração surgiu por parte da comunidade. Demos todos, sem querer, dois passos para trás em um misto de susto e admiração.
- Vejam meu rosto! Vejam a minha pele! Eu estou Curado!
- Isso não é possível. É bruxaria. Você tem pacto com o demônio.
Sentindo que a situação não lhe era favorável, e que a população, munida de seus instrumentos rurais de trabalho, poderia tornar-se violentamente incontrolável, o mascate, do alto da sua carroça, estendia os braços pedindo calma:
- Paciência, amigos. Isso não é magia. É a mais pura Ciência.
A população ficou ainda mais indignada:
- A Ciência é proibida. O que você quer? Deseja que todos sejamos condenados ao inferno?
Tendo apenas 16 anos e sendo um órfão, que vivia sozinho na casa deixada por meus pais, não pude deixar de me encantar com aquele mistério. O homem, que aparentemente desejava nos ajudar, acabou sendo expulso da comunidade sob uma chuva de legumes podres e pedras sendo que, por pouco, não perderia a sua vida.
Durante a noite, assim que as coisas acalmaram, fui em seu encalço e o encontrei no meio de uma floresta próxima, enquanto fazia um cozido perto de uma fogueira. Aproximei-me lentamente, pé-ante-pé. Um graveto traiu-me. Levantou-se exasperado sacando de uma pistola ao que ordenava:
- Seja lá quem for. Saia das sombras ou atiro.
Quando me viu, com o rosto coberto, perguntou-me o nome. Ao ouvir a voz de um jovem, ficou mais calmo. Convidou-me para comer e não fez perguntas. Ao final, quando estávamos saciados, falou:
- Você quer a Cura?
- A Cura não é um mito? Essa marca que trazemos não é o certo?
- O certo é que todos adoecemos e morremos e nossos líderes não fazem nada cultivando leis e mitos falsos.
- O que você faz para nos curar?
- Não há segredo. Tire seu pano do rosto.
Ao ver-me, assustou-se ferrenhamente. Você está acabado rapaz. No entanto, deixe tudo comigo. Calmamente, começou a lavar meu rosto, a tratar-me com uma substância espumosa, que chamou de sabão, tratou também das minhas feridas com algo que chamava álcool. Deu-me certa ordens: tomar banho todos os dias, lavar as mãos antes e após as refeições e escovar os dentes utilizando de um dispositivo curioso chamado escova de dentes após o uso de um fio para remover a sujeira entre os mesmos.
Devo confessar que me senti leve e bem. Não pude deixar de perguntar-lhe:
- Qual o nome dessa Ciência?
- Por enquanto chamo-a de Higiene Pessoal... Algo ainda muito longe da compreensão dos nossos líderes e da nossa cultura atrasada!
(Certas mazelas, do corpo da mente e da alma somente poder ser curadas em um Mundo Paralelo...)