Uma Odisséia no tempo
Estavam todos na varanda do sobrado praiano de tio Eduardo. Mais especificamente no "recanto do guerreiro", onde degustavam um delicioso churrasquinho regado à cerva. O dia tinha sido extenuante. Acordaram bem cedinho, para pescar e mergulhar nas "Ilhas", depois foram saltar de parapente e, no fim da tarde, ainda jogaram um futebolzinho na praia. Estavam exaustos.
Júnior pilotava a churrasqueira, enquanto Chiquinho e Renato fatiavam a carne e serviam a bebida. Somente tio Eduardo podia preocupar-se apenas com as piadas e os causos que entretinham a moçada.
_Que dia, hein tio? Foi muito divertido. O que temos para amanhã?
_Sei lá, Chiquinho! Não gosto muito de planejar, não. Vamos acordar cedo, ir até a marina e sair de lancha. Depois a gente resolve.
_É isso aí, tio! Esquentar pra quê? - disse Júnior, batucando um samba no balcão. E completou, cantando:
_Deixa a vida me levar...
_Vida leva eu! - continuaram todos, em coro.
De repente, um estrondo muito forte, seguido de uma espécie de relâmpago, só que bem mais brilhante, encobriu todo o local com uma névoa.
_Mas que diabos foi isso? Está todo mundo bem? - quis saber tio Eduardo, apreensivo.
_Acho que sim, tio! Será que caiu um raio no quintal? - respondeu Chiquinho, já emendando outra pergunta.
_Claro que não, Chico! Não pode ser raio! Não tem nenhuma nuvem no cé...Meus Deus! - Júnior não acreditou no que viu no jardim.
_Olhem aquilo! Perto da piscina!
Todos correram pra lá e ficaram extasiados. Dois homens, vestidos com uma espécie de lycra prateada, saíam do que parecia ser uma cápsula preta enorme. Havia ainda muita fumaça e pequenas labaredas tostavam a grama em volta da máquina. Um deles falou, com um sotaque cheio de "erres":
_Bom dia! Espero que não tenham se assusta...
_Que bom dia, Frode! Não está vendo que aqui está noite? - corrigiu o outro, com o mesmo sotaque.
_É verdade...É que quando saímos de lá era dia...Ah, tudo isso me deixa muito confuso!
_Mas quem são vocês? - indagou Chiquinho.
_Somos seus descendentes! Mais especificamente seus tataranetos: Frode e Asmund.
Chiquinho riu, balançando a cabeça. Disse que não tinha nem filhos, quanto mais tataranetos, que essa história era absurda. Eles pediram licença e começaram a explicar.
Disseram que viviam em 2155 e que participaram de uma promoção para ganhar uma viagem no tempo. Segundo eles, a cápsula em que eles viajaram tinha sido inventada há cinco anos antes, ou seja, daqui a 140 anos, em 2150! Que loucura! A promoção foi da empresa norueguesa que inventara a máquina, com a finalidade de popularizar a invenção pois, até então, só a mais abastada elite era quem usufruía dela. Eles foram sorteados e escolheram conhecer seu patriarca maior, aquele que dera origem a toda a família, o brasileiro Francisco Frezzato Neto, vulgo Chiquinho. E começaram a abraçá-lo e beijá-lo, fotografá-lo, sob o riso e o espanto de tio Eduardo, Júnior e Renato, que se entreolhavam sem entender bulhufas.
-Espera aí! Pó pará! Deixem-me ver se entendi! - bradou Chiquinho, acabando com a festa. _Quer dizer que eu sou tataravô de vocês? Dois irmãos quarentões noruegueses, que vivem em 2155 e que vieram me conhecer numa cápsula do tempo? É isso?
_Exatamente! - responderam os dois viajantes do futuro, sincronicamente.
_Tio, há quanto tempo aquela cerva tava na geladeira? Júnior, você acendeu a churrasqueira com carvão ou com a "venenosa"?
O riso que se seguiu apesar de conter um misto de assombro e admiração trouxe consigo um pouco de tranquilidade ao ambiente. Em seguida tio Eduardo quis saber mais detalhes sobre a tal "máquina do tempo" e ouviu muito sobre Einstein, velocidade da luz e "buracos de minhoca".
_Na verdade, essa invenção é de Albert! O pessoal do meu tempo só tornou possível o que ele já tinha descoberto, há séculos! Inclusive, a primeira viagem da cápsula teve como destino a Berlim do início do século vinte, com o objetivo de conhecê-lo. Ele adorou, deu autógrafos e tudo mais. - contou Asmund
_Isso não pode ser verdade! - protestou Renato._Se fosse, teríamos notícias desse fato! Nada foi divulgado!
_Calma aí, ancestral! A cada visita da máquina, quem entra em contato com seus tripulantes são contaminados com um vírus, que causa uma pequeno dano no cérebro da vítima, apagando a sua memória mais recente. Um Alzheimer momentâneo. Depois, o vírus morre, não deixando mais nenhuma sequela. Assim, nem Einstein, nem ninguém, poderia ter revelado a visita. Se não, haveria uma interferência na história, o que poderia ser fatal para a equilíbrio universal. Inclusive vocês já devem estar com o NMM-34 incubado.(*)
_Meu Deus! Que loucura é essa? - Chiquinho não acreditava no que ouvia.
_Mas e essa história de Noruega? Quer dizer que eu vou viver lá? Mas eu nem sei onde fica isso?
_Calma, vovô! Posso te chamar assim? - perguntou Frode num sorriso irônico._Você vai se formar, terá uma profissão e ela te levará a nossa "hjemland praktfulle"!(**) - o orgulho dos dois noruegueses exalava das palavras de um e feição do outro.
Nesse momento, tio Eduardo teve uma ideia esplêndida. Chamou Chiquinho e ciciou em seu ouvido. Imediatamente, ele convocou os dois tripulantes e disse-lhes algo.
_Mas...nós não podemos...E se algo...
_Isto não é um pedido...É uma ordem daquele que os originou!
Calábria, meados de 1850:
_Má que barulho foi esse, Don? O senhor está bem? Parece que houve uma explosão atrás da casa! Vou até lá verificar! - disse o capo fiel da recém fundada N’Drangheta a seu chefe.(***)
Em alguns instantes, ele volta trazendo Chiquinho e tio Eduardo, vestidos numa prata fumegante.
_Não sei como esses malucos entraram aqui, Don Frezzato! Os encontramos no meio da fumaça! Querem falar com o senhor!
_Dio mio! Má quem são vocês?
_Somos seu descendentes...
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(*): NMM-34 - "no moment memory"- vírus que apaga a memória recente.
(**): hjemland praktfulle - expressão norueguesa que significa: "pátria magnífica", "casa deslumbrante".
(***): N’Drangheta - associação mafiosa que se formou na região da Calábria, na Itália.
PS- Inspirado na "teoria" de meu cunhado Semy Alves Rodrigues:
"O passado ainda não acabou e o futuro já existe."