Os Imitadores
Na casa em que me encontrava, notei as portas abertas à noite, sob uma fraca luz que não se sabe de onde vem. Olhei as paredes, as janelas, os quadros, os móveis. Tudo num aspecto azul-acinzentado. Era minha casa, mas eu não a reconhecia.
Minha mente, frenética, alternava pensamentos ora insanos, ora coerentes, enquanto eu atravessava ambientes pequenos. Havia mezaninos que se punham sobre abismos finitos, havia portas que não levavam a lugar algum, e lugares que não possuíam qualquer possibilidade de serem alcançados. Minha consciência, porém, insistia em clamar-me que aquela era minha casa, e, apesar de relutar, acabava por render-me às suas informações que invadiam minha consciência tal qual uma britadeira que invade um terreno plano.
Visões pálidas e sombrias de cenários de minha infância e juventude compunham o cenário, e vultos conhecidos, porém, provavelmente, não tão amigáveis passavam perto de mim. Olho para o corredor que dá para o quintal e sinto um medo gigantesco e irracional que congela-me desde a espinha, fazendo calafrios percorrerem, incólumes, o meu corpo rígido. Existem portas, janelas e passagens que não devem ser abertas, não devem ser olhadas nem sua existência deve ser questionada.
Na área externa, novamente olhando para os fundos da casa, tenho a impressão de ver rostos assustadores, grotescos e malignos a observarem-me por cima dos muros que dá para o terreno vazio que há por trás. Nada acontece, porém, o medo cresce de maneira incompreensível.
Novamente dentro de casa, noto que em muitas das divisórias de cômodos que lá existem há, no lugar de portas, cortinas de um azul desbotado e transparente, com feições fantasmagóricas. Vejo então, deitada no sofá, a figura de um ente querido. Eu ali, parado a olhar a figura, sinto uma sensação desconcertante de que não estou, de fato, a contemplar o ente em questão, porém algo irreal, sobre-humano... desumano. Sem ver, necessariamente, sinto a presença de outro ente noutro recinto da casa, recintos estes que já não conheço suas verdadeiras formas, mas em meu delírio onírico fazem parte da minha história de vida.
Não sei exatamente como descobri que tais seres com as formas de meus entes, apenas perpassa por minha mente a vaga lembrança de um outro alguém, familiar, que me avisara de algo, não sei como.
Informações são projetadas em mim como sombras holográficas distorcidas com forte interferência, sem uma seqüência nítida. Minha mente parece contorcer-se na dimensão de seus domínios. Sinto que algo aterrador toma conta de mim.
Sem ousar exprimir uma palavra sequer, a partir do momento que minha mente consegue adquirir total consciência sobre a verdadeira natureza anti-natural dos seres que me são estranhos, eles se voltam contra mim.
Meus sentidos lentamente parecem retornar, um de cada vez, até que, aos poucos, sinto que minha experiência nefasta no mundo onírico está em seus termos finais. Deixo, então, aquele ambiente para o cômodo escuro de meu quarto quente e abafado, após ter matado aquelas figuras familiares com meus próprios punhos.
Uma agonia nauseante invade-me e me aflige até a última vigília, quando os primeiros raios solares atravessam os vãos de minha janela...