A Verborragia da Finalidade


Ao fundo brotam das bocas abertas das chaminés aquelas nuvens densas de fumaça colorindo de cinza o azul do céu e de negro o mundo todo. Não há mais reflexos nos espelhos e nem nas águas, pois nada de límpido se encontra por cá.
 
Fico extasiado e boquiaberto diante das ruínas que lembram, de longe, as feições de uma mulher e que bela seria ela se tivesse, em algum tempo em momento sido real. E nos teríamos apaixonado, eu por ela e ela, talvez, por alguém e quem sabe esse felizardo fosse eu?
 
Seus olhos eram janelas que, do ângulo em que as via semi-abertas pareciam olhos a piscar para mim insinuando-se de tão bela.
 
E o nariz perfeito e os lábios carnudos e a água que não é límpida contorna a gigantesca estrutura feminina.
 
Busco outra vida que tenha alma, mas somente temos máquinas a trabalhar naquele automatismo pós-homem que é o único a restar.
 
Fico então pensando no que sou e percebo, ao ver um reflexo diante de um espelho que se salvou, embora quebrado, e fico sabendo que não tenho pés, nem braços, nem rosto e nem mãos. Sou apenas uma forma esférica que rola sobre si mesma e não posso compreender como me apaixonei pela mulher e me sinto homem não sendo nada além de máquina.
 
Procuro respostas e não as encontro e vejo que a estrutura da mulher é uma antiga biblioteca e nela leio livros de poemas do tempo dos homens.

Naquela forma que sei que sou e que devo ter acabado de nascer, ou de me perceber, dentro de um mistério que não sei de onde veio, percebo que entre tantos dons tenho até o de sonhar.
 
E naquele sonho acordado, queria ser como os homens e ter as suas vidas ali obtendo algum sentido, mas descubro que sentido não há, e nunca houve nem haverá.
 
Vejo, mesmo tendo ainda pouco tempo de nascido, então, a verdade essencial que escapou: não é a vida um propósito, nem tem um fim, a vida é apenas um meio utilizado pelo tempo para passar...