O mensageiro que veio do mar

Era uma noite clara. A brancura da areia assemelhava-se à superfície do satélite que a iluminava. Em meio ao barulho das ondas e da brisa, podiam-se ouvir vozes de crianças. Três meninos e uma menina conversavam sentados na praia, olhando para o oceano. Conheceram-se durante o dia, estavam passando as férias naquele lugar paradisíaco. Divertiam-se. Como haviam combinado antes, estavam lá, na praia e à noite. A seus pais, disseram ter ido passear no centro do vilarejo. Encontraram-se, comeram alguma coisa e seguiram para a praia.

Thiago, Júlio, Lucas e Priscila conversavam sobre várias coisas, coisas de crianças de 10, 11 anos. Estavam excitadíssimos. Estar ali, naquele momento, era emocionante. A brisa, a maresia e a maciez da areia eram muito melhor que as mesinhas da lanchonete. Júlio acendeu uma fogueira com uns gravetos que recolhera no caminho, não porque necessitavam de luz, mas para mostrar que era escoteiro. Thiago falava de sua infância no interior, do sítio do avô, onde aprendera a dirigir e tudo mais, quando foi interrompido por um barulho. Todos voltaram-se para trás e viram saindo de dentro de um latão de lixo, um cachorro vira-latas, muito esquisito.

Ele os encarou desafiadoramente e latiu de um modo caninamente estranho.

_Credo o cachorro falou! - disse Lucas apavorado.

Realmente, não fora um latido convencional, mas estava longe de se parecer com a voz humana. Continuaram olhando para o cachorro, na expectativa de que latisse de novo. Mas ele saiu correndo com algo que não puderam identificar entre os dentes.

Ainda riam de Lucas, quando voltaram os olhos para o mar e viram algo muito mais assustador que o cachorro falante. Um homem acabava de sair das águas. A brancura da espuma das ondas e do reflexo da luz lunar, contrastava com sua pele negra. O homem se aproximava deles. Seus olhos eram esbugalhados e vermelhos. Havia muitas conchas pelo corpo forte e definido, como que grudadas e o cheiro era de peixe fresco. Estava cada vez mais perto. Os dedos dos pés e das mão eram como que ligados por uma espécie de membrana. O nariz achatado e aberto. Apavoradas, as crianças entreolharam-se paralisadas. Queriam correr, mas algo as prendia ao chão. O homem disse:

_Acalmem-se! Não vim para fazer-lhes mal! Fui enviado para adverti-las!

_Mas...quem é...o que é você? - quis saber Júlio, já demonstrando liderança.

_Isso pouco importa! O que vale é o que eu vim fazer aqui! - respondeu a misteriosa criatura. _Tentei fazer contato na forma daquele bicho peludo que vocês tanto apreciam, mas logo percebi que seria muito difícil pra vocês! - agora estava explicado, não fora ilusão do Lucas. De seus olhos, saía uma espécie de chama, semelhante a de um isqueiro. Continuou:

_Vocês não se conheceram à toa! O destino de vocês se encontrará no futuro! Estou aqui para tentar impedir isso! Prestem muita atenção no que vou dizer: a cada 860 anos, abre-se um portal entre nossas dimensões e podemos estabelecer contato, desde que seja para evitar um grande mal entre vocês.

_Mas...que tipo de mal irá nos acontecer? - falou Lucas, nesta altura já sem cor.

_Você será um grande empresário, muito rico. A menina será juíza de Direito. Este aqui - disse a Júlio - será um famoso delegado e o outro - Thiago - um excelente médico.

_Fumaça! O homem tá pegando fogo! - bradou Lucas, ao ver que, do corpo do homem, saía uma espécie de fumaça. Ele se voltou para o mar, dizendo:

_Meu tempo acabou! O portal está se fechando! Lembrem-se: Afastem-se uns dos outros! Ou desistam das profissões de que lhes falei! Se seguirem nelas e o destino de vocês se cruzar, o mal será inevitável! Um de vocês será sacrificado! Lembrem-se disso! - e, já quase se desintegrando, pulou na água e, nadando, desapareceu no horizonte.

_Me belisca... - finalmente a voz de Priscila conseguiu sair.

_Que loucura foi essa? - disse Thiago, olhando para todos os lados, atestando-se de que não havia mais nada de estranho por ali.

Depois ficaram por lá até mais tarde, conversando sobre o que acontecera. Foram pra casa. Ninguém dormiu. Nas outras noites que restavam de férias, estavam sempre lá. Mas a criatura nunca mais apareceu. As férias acabaram e nunca mais se viram. O tempo passou. Tornaram-se adultos e aquela lembrança da infância afastava-se cada vez mais da realidade deles.

_Seria um sonho? - pensou certa vez, Lucas.

Tinham vontade de se encontrar novamente para confirmarem se realmente tinham passado por aquilo ou se era fruto da imaginação de cada um. Mas nunca mais tiveram notícias uns dos outros.

Trinta anos depois daquele fato tenebroso na praia, era possível se ler a manchete em qualquer banca de jornal da capital:

"A MORTE DO EMPRESÁRIO LUCAS FERREIRA PASSOS AINDA É UM MISTÉRIO. NOVOS INDÍCIOS SURGIRAM APÓS EXUMAÇÃO DO CORPO PELO RENOMADO MÉDICO-LEGISTA DR. THIAGO ANDREOLI PACHECO. A JUÍZA DRA. PRISCILA AMARANTE NEGOU MAIS UMA VEZ O PEDIDO DE HABEAS CORPUS À ÚNICA SUSPEITA DO CRIME ATÉ AGORA. EM ENTREVISTA EXCLUSIVA O DELEGADO RESPONSÁVEL PELO CASO DR. JÚLIO BASTOS AFIRMA QUE O CRIME ESTÁ PRATICAMENTE RESOLVIDO."

Jack Cannon
Enviado por Jack Cannon em 08/06/2012
Reeditado em 09/06/2021
Código do texto: T3713130
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