Humano, Apesar De Tudo
Era tolo e imbecil. Sabia de suas (in)capacidades físicas e mentais, e ainda ria de si mesmo e de todas as bobagens que dizia para todas as moças da cidade, querendo ter apenas um momento de prazer.
Na verdade, todos pensavam assim. Se a Vida é feita de momentos, vamos viver por momentos. Não pensavam os jovens humanos que os momentos pudessem ser proporcionados por algo duradouro.
E se ele soubesse, se ele tivesse a mínima idéia disso antes de subir na moto... Mas não sabia. E subiu.
Uma das moças que galanteara, a mais bonita, resolveu subir na moto também. Iludida pelo neon azul claro dos pneus do maravilhoso automóvel e seu capacete que combinava com a jaqueta de couro.
Beberam muito, estavam embriagados e pouco ligavam para os faróis. A moto deixava um rastro azul com sua velocidade. Ele não sabia ao certo onde levá-la, mas queria levá-la. Não importa o lugar.
Ela teve uma idéia, com uma mão em seu braço e a outra passando por suas pernas, ela o induziu a irem a um parque.
O único parque, corrigindo. Não existiam mais parques. Estavam todos cegos com a tecnologia sustentável. Todos aqueles neons em volta fazia tudo parecer tão futurístico, tão ousado, tão pronto. A cidade inteira urgia nos sons das baladas eletrônicas mais tensas e intensas da história.
E querendo viver o momento e somente pensando nisso, ele parou a reluzente moto perto do lago, que também era o único em muitos quilômetros.
Ela o atirou à grama com ferocidade. Eles deitaram e se beijaram sem pensar. Um beijo no pescoço e ele teve um espasmo, chutando a moto para dentro do rio.
Havia acabado de perder o jeito mais fácil de conquistar mulheres, e então pulou do chão, derrubando a moça para o lado.
Aproximou-se. A falta de iluminação não contribuía nada para a visão. Onde estavam os neons? Onde estavam aqueles quatro mil cavalos em duas rodas? Seu passaporte para diversão agora estava... Brilhando?
Uma intensa luz começou a imergir do lago, a mesma luz de seus aclamados Neons.
A garota estava agora em pé, ao seu lado, admirando o show de luzes que agora brilhavam e se contorciam dentro do lago.
Ele pôs o pé na água e então houve a forte explosão.
Pela primeira vez em trinta anos, a cidade teve um apagão.
A explosão não fora daquela dos filmes antigos, sabe? Foi somente uma luz. Uma luz forte, branca, brilhante como aquela grande estrela no centro da Galáxia. Mas era de perto.
Primeiro a Luz foi apagando tudo o que havia em volta, jogando um impulso estranho, derrubando os dois de volta na grama.
O cinema fechou as portas, o shopping fechou as portas, as baladas fecharam até os olhos dos extasiados que achavam que tudo fazia parte da brincadeira. Tudo ali funcionava com esse sistema anti-furto, todas as portas fechavam na perca de luz.
E faltou luz.
Depois, o raio voltou.
Nesse mesmo círculo frenético, veio roubando e empurrando todas as ondas de som que ainda estavam no ar para dentro do lago. Como se todos houvessem ficado mudos, de repente.
O segundo impulso jogou o jovem e a moça de cara na margem do lago. O barulho havia cessado. Todos pensaram ter ficado surdos.
De repente o lago brilhou novamente. As luzes dançavam, piscavam, mudavam de cor, apesar de sempre serem neons, mexiam, voltavam aos lugares, trocavam de lugares, e ficavam cada vez mais próximas da superfície.
Então um barulho abafado começou a ser escutado. Como se também viesse de dentro do lago.
O barulho mudou de abafado para nítido. De nítido para alto demais. De alto demais para absurdamente alto. As luzes acompanhavam o ritmo, tanto nas batidas quando na sua ascensão.
Quando o ‘casal’ já tapava os ouvidos com as mãos, o lago em suma jogou toda sua água para cima.
Uma mesa de som se revelou então. O que tocava era uma música, como de uma balada eletrônica. Os niveladores do áudio eram feitos com várias réplicas da marcha da moto. Os amplificadores eram gigantes motores e escapamentos. As luzes todas saiam de uma grande esfera de neon toda revestida com mini-vidros, parte dos retrovisores. Os tocadores eram rodas e, por fim, o DJ era essa espécie de motoqueiro, usando o capacete preto com detalhes azuis do rapaz e uma roupa de vinil muito estranha e cheia de traçados também azuis.
O rapaz, desesperado, gritava: Quê droga é você?
O DJ continuou apertando botões e arrumando os niveladores. Apenas um simples gesto. Apontou para o próprio rapaz.
- Mas você não é humano! – Agora a moça.
A melodia de fundo mudara e se tornava mais interessante. O volante da moto subia de dentro da mesa de som, trazendo um microfone. A música era cada vez mais alta, melódica e incrivelmente encantadora.
- Ele pode ser tudo... – Dizia o DJ – Exceto Humano.
Confuso e quase surdo com o volume da música, o rapaz pegara o controle do alarme sensorial da moto e apertava com toda sua raiva.
As luzes dobraram de intensidade e o volume triplicara. De forma tão repentina e incrível que uma terceira explosão devastava toda a Vida humana de metade do mundo.
Os vidros todos quebraram, as pessoas se jogaram no chão, tentaram segurar-se em algo, não resistiram muito. Os líquidos brilhantes, os Neons, correram livres de suas cápsulas e tornaram ainda mais coloridas as cidades. Meio mundo se contorceu em dor, com o sangue dos ouvidos se misturando às cores.
A outra metade podia ouvir eternamente e bem baixinho:
"- Existe mais Humanidade naquilo que você julga Humano do que na sua própria Humanidade."