O Calabouço do Ser
Lá, no alto, existem belos cenários azuis. Dizem ser possível observar a beber água pura das fontes termais da esperança, os pequenos Gracejos da Mente. E é lá, no alto, acima de nossas cabeças, a trilha traçada pelo imaginário, o inexistente.
Aqui, porém, vivem, em estado de semi-vida e flagelos auto-infligidos, os imensos e indomáveis Lobos do Realismo Pessimista, esses que sublevaram os valores da sanidade, hoje tão imbecis para nós.
Conta-se, desde que a verdade que há em nós veio à tona através de trepanações realizadas pela verdadeira consciência do existir, que apenas esse mundo é real, e outro, aquele lá de cima, é fruto desesperado de relações amálgamas entre os pequenos Gracejos da Mente, que frutificam esperança em árvores de carne e sangue. Tudo muito artificial, ilusões da matéria. Tudo muito inferior para quem já ultrapassou os limiares do palpável, para considerar a existência única da Mente.
É um imenso e intransponível calabouço. Na realidade, tudo que não é o Calabouço não pode ser real. Aqui habitam monstros descontrolados, criaturas que sempre estão a te olhar da sua janela escura com um sorriso sarcástico, fantasmas que flutuam perenes e monumentais em corredores infinitos, corredores estes que são suas únicas saídas, saídas estas que não te levam a lugar algum.
Por que escolheriam os sábios viver nos domínios dos Lobos do Realismo Pessimista, quando existe, lá em cima, belos cenários azuis onde repousam e refrescam-se pequenos Gracejos da Mente? É nos dado o poder de escolha?