A mortalha das sombras
As ondas batiam iam e vinham sem
parar. As lembranças iam e vinham sem parar,
também, naquele dia em que a encontrei pela
primeira vez.
Da mesma forma, recordações me
assaltavam naquele momento. O mar quebrantava,
me lembrando Jacó e suas duas irmãs caçulas
gêmeas. Nada daquilo era real ou nada daquilo
parecia real para mim naquele momento na praia.
A vida dá voltas é um lugar comum, dos
mais batidos, inclusive; no entanto, não consigo
arrumar melhores palavras para descrever o que
ocorreu comigo nos últimos 5 anos. Quando tinha
por volta dos 20 anos de idade, meu pai me chamou
num canto e disse:
-- Rapaz, está na hora de dar um rumo na
sua vida. Case com Cátia e me dê um neto, uma
neta. Não fica me olhando assim. A vida é
assim. Não complique!
-- Não tenho dinheiro, não tenho renda.
-- E daí? Eu também não tinha quando
conheci sua mãe. Arrume um emprego, eu te ajudo.
Não tinha, é verdade, dinheiro, nem
emprego, não tinha, é verdade, expectativa de
conseguir nada naquela situação. Dinheiro chama
dinheiro, eu repetia prá mim mesmo, dinheiro traz
dinheiro dizia minha “consciência” e não me
deixava raciocinar direito, pois eu sabia que não
tinha nenhum tostão prá trazer outro tostão, quanto
mais o montante que necessitava para casar com a
irmã gêmea de Elizabeth: Cátia.
O que eu tinha sim, eram pretensões de
escritor, de roteirista de fim de semana e... tinha um
roteiro acabado, escrito, pronto, completo.
É! Sim! O antigo roteiro para peça de teatro do
colégio que acabou sendo encenado diversas vezes
no colégio, sabe-se lá como, sabe-se lá porquê. E
tinha aquela ideia, factível, pois eu conhecia as
pessoas certas nos lugares certos naquele ano, de
transformar, adaptar a peça para história em
quadrinhos. Minhas anotações, --- o texto em si --
nesse sentido, eram todas niilistas de uma linha
mística e, espalhadas por tudo quanto é canto na
papelada de sempre, tinham certo sentido. Tinha
todas aquelas questões a partir da presença do
Elefante, do Lobo e da Coruja e todo aquele
linguajar rebuscado, um verdadeiro Cult. Eh eh eh.
A história começava assim:
É noite na casa da avó de Luciano. É uma
casa de subúrbio no município de São Gonçalo. Os
pais de Luciano saíram e os dois jogam xadrez
numa mesinha especialmente preparada para o
jogo. O Elefante, o Lobo e a Coruja acompanham a
partida junto com o menino.
Luciano move o peão numa perspectiva
lateral e tenta com isso encurralar o Rei
adversário. O Elefante acompanha sorrindo.
A avó de Luciano move a dama numa
perspectiva frontal tentando intimidar o ataque do
menino. O Lobo acompanha sem nenhuma
expressão na mandíbula de Lobo.
Close em Luciano. Expressão angustiada. A
Coruja ao lado.
Close no rosto da avó de
Luciano. Expressão contente.
----- Xeque mate.
Luciano move o peão e o cavalo de modo a
encurralar o Rei adversário na própria casa. É o
fim.
Às 18:30 do dia 27 de setembro de 1995,
dirigimo-nos, eu e Cátia; ao cartório e lá
casamos. Unimo-nos como marido e esposa para
dividir alegrias e tristezas, temores e ódios, anseios
e desesperanças. Todas essas coisas, narro, não
porque elas tenham um lugar pré-determinado na
minha mente e eu possa as acessar quando bem
entendo, não. Elas vem e vão, como as ondas; a
bem da verdade, estive mesmo a ponto de
enlouque-cer, senão por causa dessas lembranças,
por causa das conseqüências do que ocorreu naquele
período que agora me recordo.
-- Mais uma vez você venceu, Luciano. Não
é porque sou sua avó não, mas desse jeito, não
demora muito e teremos um campeão de xadrez na
família. --- dizendo isso, Dona Eustáquia levantouse
da cadeira onde estava e afagou a cabeça do
menino, no que Luciano fez um desagravo com
uma careta.
-- Mas não faça essa cara, rapaz. Ânimo. Dê
um sorriso. O dia em que eu te ver sorrindo, trago
uma surpresa para ti. Não. Esse sorriso não
vale. Você está fingindo.
-- Quando aprender a sorrir, você verá como
a vida se torna mais bela. Agora recolha-se que é
hora de dormir.
Luciano já na cama, conversa com o
Elefante, o Lobo e a Coruja.
--- A tristeza é a alegria
desmascarada. Quando deixamos de lado a máscara
do contentamento, descobrimos o rosto da
amargura e nele, tal qual num espelho, nos
reconhecemos como imagem e semelhança.
---- Sorria e o mundo sorrirá para você,
Luciano. Vamos brincar? -- diz o Elefante.
--- Não. A angústia e a alegria não são dois,
são um só. Sem a angústia, estaríamos fadados a
um fenesi de estúpida animação. Eu não rejeito a
tristeza, eu a abraço.
O "bode" daquele personagem quase que
me pegou de verdade quando comecei a me
aprofundar nos motivos pelos quais Luciano não
sorria. Tanto que até hoje quando já estou separado
da minha ex-esposa, vez por outra, me recordo de
quando escrevia essa narração.
--- Viaje pelas terras da alegria, Luciano. --
- dizia o Elefante.
--- Mesmo a mente extraordinária deve ser
transcendida. A mente da quietude e da indiferença
será minha mente. Só sorrirei no dia em que tiver
supraconsciência.
Enquanto conversavam, os três animais e
Luciano viajavam por uma espiral de estrelas.
--- Deixe o entusiasmo tomar conta de
você e venha brincar comigo.
--- Nada disso vai me fazer mudar de
ideia.
De repente, O Elefante, O Lobo, a Coruja
e Luciano são rechaçados por uma onda negra e
Luciano começa a jogar xadrez com uma
personagem muito estranha; a Mortalha das
Sombras.
O Elefante foi o primeiro a se dar conta:
--- Ah, não. Ela de novo.
--- Eu sabia. Eu sabia que ia voltar. – se
apressou Luciano em dizer.
---- Quando comparamos os deleites da
paixão e as vitórias da comiseração, ficamos com
as últimas porque é melhor ter uma atenção por
piedade do que nunca ter nenhuma. Seja obediente
e não ouça esse palhaço que se passa por Elefante!
Luciano imediatamente abaixou a cabeça e
afirmou:
----- Apesar das alegrias serem sempre
mais rápidas quando esperamos que elas passem, é
inevitável que esperemos. Afinal, esperar pela
passagem da alegria é ter de antemão a medida do
seu valor, ou seja, muito menor do que a
experiência do êxtase.
----- As alegrias valem por si mesmas,
Luciano. Mas o valor maior é o da racionalidade e
não o do êxtase. --- dissera a coruja que a essa
altura era quem jogava xadrez com o menino.
----- Tá bom. Mas esse tal valor diminui
a cada momento que passa, porque mais rápida do
que a passagem da alegria, é a passagem do
tempo. Xeque-mate.
--- UUUAhhhhh... Estou com
sono. Quero dormir. --- dissera Luciano após se
virar para o lado.
---- Durma, mas antes tome seu
remedinho. Vamos fazer uma viagem. – voou a
Coruja para perto de Ludovico e a realidade foi
desaparecendo, desaparecendo...
---- A única coisa que eu poderia fazer
agora, além de dormir, é jogar xadrez.
---- Iremos onde se pode evoluir
racionalmente.
----- Onde nós estamos?
----- Estamos na encruzilhada. Nesse
lugar temos nove planetas, com dois satélites cada
um.
----- Não quero conhecer nenhum planeta
e nenhum satélite!
---- Não seja bobo. Você precisa, você
precisa.
Luciano vê um grande descampado com
vários caminhos de estrada batida de terra, cada
qual indo numa direção diversa da do outro.
Mostrando uma espécie de grande estrela
formada por nove linhas, a Coruja voava por entre
círculos e semi-círculos de ondas de energia que
iam e vinham como num campo gravitacional em
expansão e contração. Círculos concêntricos
explodiam expandindo-se, enquanto ondas
aleatórias perfaziam sua trajetória ao longo do
grande espaço de matéria negra que passava à
frente da Coruja e de Luciano. Após o grande
turbilhão de luzes, os planetas começaram a surgir
um a um na frente dos dois como se estivessem lá
todo o tempo, encobertos apenas, pela poeira da
própria ilusão de cada um.
A partir desse momento, passei a
pensar seriamente que rumo tomar naquela história;
fosse qual fosse acabaria com uma... “liçãozinha de
moral”, pois os diálogos estavam rebuscados
demais, papo cabeça demais para o que eu queria,
que seja bem dito. É claro, na época, eu achava
que tinha tudo isso na cabeça. Vejam só:
--- Aqui temos o planeta chamado
Doação. Lá descobriremos que compreensão e
empatia são as matérias básicas das quais se faz a
verdadeira liberdade. --- dizia a Coruja.
---- Em Veracidade, criatividade e
desenvoltura nos mostram o significado da
motivação.
---- Aqui temos Equinamidade,
lugar onde o belo e o transcendente nos mostram
todo o sentido da originalidade.
---- Em Despreendimento vemos
que curiosidade e inventividade podem trazer
clareza de visão à nossa vida.
---- Lá em Confiança observamos
que a dedicação e a coragem são qualidades
intrínsecas da cooperação com o todo.
---- Em Riqueza experienciamos
um contentamento e, ao mesmo tempo, uma
sobriedade que nos levam à abertura para o novo.
---- Serenidade nos traz a
perfeição e a sabedoria próprias da paciência.
---- Em Inocência veremos a força
e a magnanimidade de um espírito guerreiro.
---- Finalmente em União, estamos
com o amor e com a aceitação que são
imprescindíveis à imparcialidade.
---- Esses planetas não me
impressionam!!! Qualquer lugar é bom quando não
se tem aonde ir. Eu renuncio à vida. – praguejara
Luciano.
---- Renunciar não é o
caminho. Renunciar só leva a um esvaziamento da
mente sem nenhuma qualidade criativa. –
respondeu a Coruja no mesmo instante.
--- Quem disse que eu tenho
medo do vazio? O vazio nada mais é do que um
aspecto diferente da realidade maior. Não se pode
conhecer a luz sem conhecer a escuridão e viceversa.
--- rebateu Luciano instantaneamente.
--- Não torne a sua mente
estagnada, Luciano. – pediu, por fim, a Coruja,
tentando uma reconciliação.
--- Podemos jogar xadrez
agora? --- perguntou Luciano a avó.
--- Esta partida você não poderá
ganhar, querido neto.
Luciano e sua avó jogam xadrez
num pequeno tabuleiro.
---- Eu perdi!!!!!!!!! Eu
perdi!!!!!!!!!! Ah!!!!! Ah!!! Aah!!!!!!!!!!! Eu
perdi!!!!!!!!! --- Luciano acorda de um
sonho/pesadelo em sua cama, totalmente nervoso.
A mãe de Luciano abre a porta
do quarto e o vê totalmente fora de si, gritando.
--- O que você perdeu, meu
filho? Teve mais um pesadelo de novo?
Luciano retoma o controle de si
mesmo repentinamente.
--- É. Mais um pesadelo. Dessa
vez foi um pouco diferente.
--- Diferente como? Você quer
contar?
--- Não.
--- Venha tomar café, Luciano.
Hoje nós vamos ao Jardim Botânico. Você vai
conhecer toda aquela beleza, vai ser ma-ra-vi-lhoso!!!!!
Você vai adorar!!!
--- Jardim Botânico é um saco!
Não quero ir não.
--- Como você pode dizer que é
um saco? A gente nunca foi.
--- É um saco assim mesmo!!!!
A mãe se afasta prá preparar o
café.
--- É precioso o período em que
passamos em disciplina porque é ele que nos dá a
certeza de que o tempo como pressuposto do
contentamento e da ação não é senão uma sutil
violência. Viver é não ter esperança.
--- Esse pensamento deletério não
condiz com você, menino. --- entrou o Elefante,
tentando dialogar com o niilista mírim.
---- Prá que ser alegre e estar com
os outros se o que mais quero fazer no momento é
ser taciturno e estar comigo mesmo. Meu eu é
muito mais interessante.
---- Nenhum eu e todos os eus:
esse é o caosmos. Preste atenção nas escrituras ---
voltou à carga a Mortalha das Sombras.
---- Preciso de paz e quietude.
---- A paz e a quietude só são
alcançadas gradualmente, passo a passo. - a Coruja
afirmou categoricamente enquanto voava em torno
do menino.
A Mortalha das Sombras,
infinita, desapareceu como se nunca estivesse
estado lá. Luciano foi deixado só pela Coruja, pelo
Elefante e pelo Lobo.
Por aí ‘deu prá perceber’ que
o Luciano em questão é uma projeção da minha
própria infância no personagem. Até por ter ele o
mesmo nome que eu. Digo isso, pois estou
realmente de saco cheio dessa lenga lenga onírica
ou de sonho lúcido ou seja lá o que for, que pouco
me importa mesmo e acho, não, tenho certeza que
está na hora de iniciar a 2a. parte:
____________________
--- O que? Me deixaram
sozinho? Pois bem; vim só ao mundo, só irei
embora desse mundo. --- gritou Luciano.
Luciano começa a caminhar,
caminha muito por entre paisagens desoladas,
ninguém, nenhuma viva alma aparece. Sem
esmorecer ele continua. Close no suor do rosto do
menino.
Até que vê novamente a Coruja,
o Elefante e o Lobo, este último destacado e
caminhando sob duas patas. A Coruja e o Elefante
carregam uma espada cada um.
De repente, Luciano e o Lobo
encontram-se frente a frente, com uma distância de
alguns metros. A Coruja entrega sua espada ao
Lobo; enquanto o Elefante entrega a sua a Luciano,
como numa antiga formalidade de duelo entre
cavalheiros.
Os dois lutam bravamente e
tanto o Lobo quanto Luciano lutam para vencer o
combate. Ao final, de longos 30 minutos, o Lobo
arrefece e recebe um golpe fatal. Caído ao chão e
ensaguentado, ele conclama Luciano à
‘maturidade’:
---- Finalmente. Agora,
cof,cof,cof... faça o mesmo com os outros. Mate
esse Elefante estúpido e essa Coruja
arrogante. Livre-se deles para sempre e viva sua
vida!!!
--- Acorde, Luciano. Vamos à
psicóloga hoje.
--- Eu não quero ir, mãe.
Luciano deitado na cama e sua
mãe atarefada como sempre.
--- Tá bom. Dessa vez você fica
em casa com sua avó e marco outro dia. Vê se não
apronta, hein? Lembre-se você só tem 11 anos de
idade e não 79 como sua avó.
--- Mas eu sempre ganho dela no
xadrez.
--- Isso não quer dizer nada. Você
não tem experiência suficiente prá decidir essas
coisas o tempo inteiro não.
--- Você tem de me deixar
ganhar pelo menos uma vez, campeão. Senão não
jogo mais com você. --- exigiu a avó, com voz de
autoridade.
--- Tá. Mas só uma vez.
Após alguns minutos, o rei de
Luciano se vê em xeque-mate, vítima de um ataque
maciço.
--- Até que enfim, eu venço o
grande Luciano. Maior enxadrista de São
Gonçalo!!! Eh, eh, eh. – diz a velha senhora
derrubando o rei com o bispo.
---- É. Mas eu deixei.
--- Tá ceeeerto!
Procurava, no tempo em que
escrevia esse trecho, algum limite (plot-point) onde
eu pudesse dar uma guinada na história.
A guinada, no entanto, ocorreu foi
na minha vida real, quando conheci o editor da
revista Fluxo dos Quadrados que, ao ler o roteiro da
HQ, fez pouco caso da história, disse que era muito
batida e que já tinha visto outras semelhantes, mas
que eu tinha futuro como roteirista e que se
quisesse, estaria contratado.
Não é preciso dizer que aceitei na
hora e o roteiro, bom, esse voltou para a gaveta e
retornou ao estado de trabalho de colégio bem
sucedido; nada mais.
O emprego permitiu que eu e
Cátia nos amássemos por um período maior. Fiquei
contente.
--- Sai de perto de mim! Vai
embora! -- grita Ludovico à Mortalha das Sombras
que se aproxima.
---- Lembra quando você cuspiu
no rosto do seu pai, Luciano? Lembra quando seu
pai morreu? Lembra quando ele disse que te amava
e você ficou quieto, sem dar uma palavra? E
quando ele te deu de presente aquele brinquedo, o
carrinho de pilha, e você jogou fora, você
lembra? Não, você não lembra. Tudo isso são
esquecimentos porque quem comete uma falha
esquece no momento seguinte e nunca presta
atenção nas falhas que vai cometendo aos poucos
ao longo da vida. --- questionadora, a Mortalha das
Sombras fica frente a frente com o menino.
---- A vida não tem sentido se
olharmos para as suas desilusões, mas tampouco
existe sentido nas esperanças e anseios pois eles
são como a cenoura amarrada a um bambu na
frente do burro pelo cavaleiro, não se realizam em
nenhum momento. --- Luciano encara a Mortalha.
--- Agora você murmura seu
veneno, mas não observou a regra de ouro. Deu as
costas ao verdadeiro caminho de forma tão
despudorada que nem ao menos lembra-se das
faltas cometidas. Ainda é tempo para o
arrependimento, Luciano.
--- O caminho do nada é o
verdadeiro caminho. Na verdade, crer ou descrer
são faces da mesma moeda pois o oposto nunca é
realmente diferente do original, é apenas o mesmo,
invertido. --- diz Luciano categoricamente.
Close no rosto aflito do menino
e na fronte da Mortalha das Sombras, acusadora.
---- Ousa invocar as palavras
do mestre? Quem é você? Apenas um
crimonoso. Coloque-se no seu lugar e arrependase.
Arrependa-se de todos os seus crimes. Os do
passado, os do presente e os do futuro. Basta
querer com todas as forças. --- A Mortalha aponta
o dedo a Luciano e o encosta na parede.
---- Cale-se!
---- Irei embora. Quando quiser
voltar para o caminho, é só dialogar com o mestre.
A Mortalha das Sombras
desaparece nas próprias sombras do recinto, como
se por elas tivesse sido criada.
Luciano sente-se subitamente
bem com o desaparecimento da criatura sombria e
ao mesmo tempo, experimenta uma vontade
enorme de encontrar-se com o mestre espiritual por
ela mencionado.
--- Quanto tempo não encontro
o mestre? Dois anos? Três? Não sei. Onde ele se
encontra agora? Também não sei. Mesmo assim,
tenho de achá-lo.
--- Viajar no tempo-espaço é
tarefa árdua, menino. Tome seu remedinho. --- diz
o Elefante aparecendo junto com os outros.
---- Tá bem. Obrigado.
Depois de alguns minutos:
---- Uaaaaaaaaaaah!!! Estou
com sono! Vou dormir!
---- Boa noite, Luciano. – diz a
Coruja.
Uma imensa floresta
tropical. Luciano sobrevoa a mata fechada numa
muiraquitã gigante, um tembetá adornado com
penas de várias espécies de pássaro.
De repente encontra-se numa
picada no meio da mata. Luciano aproxima-se e
vê um duplo seu, alguém totalmente igual a si
próprio bem na sua frente. Close no rosto aturdido
de Luciano.
--- Quem é você?
--- Seu mestre.
--- Agora que achei você me
diga como posso voltar para o caminho?
--- Não procure e você o
encontrará. Na verdade não foi você quem me
achou. Fui eu quem fui buscar você. E não pense
que poderá sair do caminho depois que entrar.
--- Mas eu entrei uma vez e
sai depois.
--- Você achou que tinha
entrado. Eis tudo.
--- A mortalha das sombras...
--- Ela é necessária neste
plano de existência.
O Mestre se abaixa e pega
uma vareta de madeira. Luciano observa curioso. O
Mestre desenha no chão, com a vareta, um círculo
com um ponto no centro.
--- Veja. Esse é você no
centro. E essa, circundando, é a existência. Não
tente sobrepujá-la. Não conseguiria de forma
alguma.
--- No tempo certo você
estará em contato com outras pessoas. Pessoas
diversas dessas que você encontra todo dia, mas
elas não pareceram como pessoas para você.
--- Serão sombras como a
mortalha?
--- Não. Serão um Elefante,
um Lobo e uma Coruja.
--- Eu já os conheço. Em
que eles são diferentes?
--- Não. Você acha que
conhece.
--- Morte e vida estão
entrelaçados no vazio. O vazio que rege nossas
vidas. – dispara Luciano.
--- Quando todos os outros
forem embora e só restar você; então esse será o
caminho.
---- Pense, Mestre, numa
reunião de pessoas onde você se colocou à parte
por livre e espontânea vontade. A reunião continua
sem você / mim, mas eu / você não me machuco
por isso. Apenas observo e tudo ocorre como se
eu / você não existisse.
---- ...
---- O que foi? Mestre?
---- Você está pronto. Não
sei a razão pela qual não percebi anteriormente...
---- Como?
--- É chegada a hora.
_______________________
E assim termina a aventura de
Luciano. O menino iria, eu disse iria, crescer,
desenvolver o intelecto, casar, ter filhos e mostrarse
como qualquer um no final das contas.
Ficou uma bela história no final, um
tanto quanto piegas e pedante, é verdade... Quem
saberia... Também, não penso mais nisso não.
Bem, esqueci de dizer, da conversa
que Luciano teve com o Elefante, o Lobo e a
Coruja. Não foi uma conversa muito bonita, por
isso não a transcrevo aqui. Luciano tomou seu
remedinho pela última vez. Esvaziou o frasco.
Separei-me de Cátia no mesmo dia
em que consegui publicar essa história em
quadrinhos, desenhada pelo Jacó. No mesmo dia perdi
o emprego, também.