Pessoas não voam, volitam!
Era uma noite como tantas outras, o céu estava limpo e estrelado, a brisa era muito agradável. Caminhar era algo muito relaxante para ela, psicologicamente falando, é claro. Sempre usava a expressão: "- quando caminho viajo pelo infinito, minha mente vai a mil”. E sempre que se exercitava dessa forma e naquele parque, relembrava um sonho que sempre tinha, onde voava sobre as árvores, sobre o mar, sentindo a brisa soprar forte em seus cabelos. E ao ter esses momentos de recordação, se corrigia dizendo:
- "êpa! Espera lá!, não é voando que sempre sonho, mas volitando, afinal, não sou avião, muito menos pássaro”.
E qual não foi sua surpresa quando nesse exato momento, sentiu seu pé tomar um impulso para o alto, e meio que acostumada com aquilo, viu-se a alguns centímetros do chão e imediatamente impulsionou todo o seu corpo para cima, sentindo-se cada vez mais leve, e ainda bem que os meus cabelos estão bem presos, pensou ela, pois a brisa não era forte, era fortíssima, e então uma alegria incontida toma conta do seu ser.
- Será possível?
- estou voando?
- Não, estou volitando, já li algo a respeito, as pessoas não voam, elas volitam!
- Onde foi mesmo que li isto? Acho que foi num dos meus livros espíritas.
- Então estarei eu desencarnando? Mas será assim, tão gostoso? Será essa sensação tão maravilhosa?
- teria eu esse merecimento?
Quantas indagações, e o que importava as respostas pra todas elas? O que realmente importava, é que ela estava a volitar, mergulhava no ar, voltava a subir, tudo dependia do tamanho das árvores, da altura dos prédios, dos fios dos postes de eletricidade, parecia até uma montanha russa, sendo muito mais emocionante é claro. Lá de cima viu o rio, seus pensamentos a levaram de imediato a volitar sobre ele, aí já desejou sobrevoar o mar, volitar sobre o rio seguindo seu curso, afinal todo ele corre para o mar. E só de pensar nisso, sentiu-se arrepiar e seguiu em frente, sua ânsia era grande, mas não era maior que o prazer que sentia ao volitar sobre aquelas águas, encontrando no olhar de algumas aves que encontrou pelo caminho, o estranhamento em vê-la assim, no mesmo nível delas. Ela era capaz de ler na expressão das aves o que elas indagavam naquele momento:
-“ O que ela está fazendo aqui, assim voando como nós?”
A esta indagação ela lhes respondia:
-“Perdoem-me irmãs voadoras, mas não sei como posso lhes responder, já que nem eu mesma, sei a resposta”.
Quando ela percebeu que podia acelerar, ousou e chegou a ultrapassar a ave mais rápida que encontrou pelo caminho. A essa altura, sorria e se divertia como uma criança, não pensava em nada, e em ninguém, queria apenas chegar ao mar, volitar sobre suas ondas, contemplar o continente de longe e sobre ele, quando pensava nisso deu de cara com a imagem da imensidão daquele mar escuro, misterioso e ao mesmo tempo, tão atraente, onde de claro, só via suas ondas quando quebravam na praia, em forma de espumas.
Que emoção, que excitação tomava conta dela, mais uma vez seu sonho veio em sua mente, então lembrou como era e fez exatamente a mesma coisa: continuou a volitar seguindo a linha do horizonte, passeando, ou melhor, sobrevoando toda a costa. Então pensou que do mesmo jeito que pôde acelerar, podia também voar mais alto, varar as nuvens, se aproximar da lua. O que a impediria? Deu início então ao que parecia a parte mais ousada de toda aquela viagem. Por que será que em momento algum, ela temeu? Titubiou diante dessa possibilidade? Foi quando pensou: “se volitar era o mais improvável, por que então subir, varar o céu, atravessar as nuvens, seria impossível?” então começou a subir, subir, subir... até que subitamente, sentiu uma dor muito forte em sua cabeça, piscou os olhos repetidas vezes, e ao abri-los completamente, tinha diante de si imagens fora de foco, muitos rostos passando e lhe observando, até que alguém toca em seu ombro, e percebendo que ela estava tonta e com os olhos embaçados, dirigiu-lhe a palavra e lhes perguntou:
-“Por que você não tira seu cochilo, embaixo de outra árvore, assim nenhuma manga cairá sobre sua cabeça novamente. Você está bem?”.