O Crítico
Não tinha amigos, não era querido, não era amado e não amava ninguém.
Cético e carrancudo, vivia triste pelo mundo desconfiando de todos e tudo.
Não media a língua, porém, não mentia.
Era imparcial em seus discursos.
Defendia com veemência o que acreditava ser o certo, e condenava o que julgava ser o incorreto.
Muitos o temiam.
Era um provocador de sentimentos diversos.
Uns o rejeitavam. Enquanto outros o odiavam.
E assim ele seguia sempre adiante em seu jugo, sem muitas expectativas quanto a vida, que por vezes tinha como uma maldição e não uma dádiva de quem a concebia.
Mas um dia, por ironia ou não do destino, encontrou-se com seu gêmeo de alma, que pasmem - logo o aborreceu.
Ainda assim, não se furtou em corresponder-lhe a palavra.
Estavam os dois críticos juntos a dialogar entre si, quando surgiu uma curiosa pergunta:
- Tu acreditas no poder do mal? - Indagou o primeiro.
- Sim. Ele é um Ser muito interessante, porém horrível! - Respondeu avidamente o gêmeo.
- Ora essa! Quem te disse tal asneira?
- O bem!
- Não sejas estúpido! Teu fanatismo te cega! [...] Pois saibas que do mal, a beleza e a inteligência são suas maiores virtudes.
- Sim, eu sei! Afinal, temos que considerar suas origens. Mas ao falar em sua feiura, não me refiro à parte estética. Pois sinceramente o mal para mim é um grande fracassado.
- Mas como assim? Explique-me melhor essa tua idéia...
- Pois vejas tu meu caro colega de censura, há quantos milênios o mal atroz tenta e nunca consegue derrotar o seu grande adversário bem com sucesso?
- De fato! Mas para esta discussão, eu tenho uma pronta quimera.
- E qual é?
- O bem e o mal são um só. Andam lado a lado, assim como nós andamos. [...] Ambos são tão divinos e tão terríveis, que por si só tornam-se os senhores do universo. E é por isso que eles se degladeiam num lendário combate entre si, que jamais chegará ao fim - unicamente para satisfazer a imaginação humana e o próprio ego.
- E enquanto isso, nós, como meros projetos mortais, temos um pretexto para continuar por aqui, neste mundo obscuro, numa interminável espera.
- Nada tão extraordinário assim, para quem não se desespera, prezado colega!
- Gostei dessa definição. Ela tem seu fundamento. Mas agora preciso ir. [...] Dizem que haverá uma reunião hoje na Corte Celestial para a eleição da nova diretoria, em que eu quero participar - Do lado contra, é claro!
- Que coincidência! O Gehinom também está em chamas com a nova assembléia marcada para esta tarde. [...] E como eu faço parte do conselho deliberativo, não posso deixar de marcar presença. Mesmo sabendo que toda essa baderna não vai dar em nada. Seja lá o que forem discutir ou reinvindicar!
- Então, até a vista caríssimo!
- E que seja muito em breve nobre colega!
... E lá se foi para o seu mundo de trevas dizendo a si mesmo em seu íntimo:
"Mas que idiota! É tão fácil de se manipular. [...] E ainda acha que descobriu a pólvora ou alguma fórmula mágica! [...] Esse aí, sem dúvida está no lugar errado!"
E o outro seguia seu caminho de luz, afirmando consigo:
"Imbecil! [...] Pensa que sabe tudo. Na verdade ele não sabe de nada!"