Descobertas ao Crepúsculo
Eu observo atenciosamente o que meu olhar apalpa com tanta curiosidade: pedaços mutilados de uma infância-defunta que ainda sorri entre os dedos do meu olhar. A Noite, repentinamente, pula de cima do muro agnóstico e grita para as audições de meu olhar:
_ Oi. Aqui estou! Reconhece-me, ou vais fingir que não?
Escuto-a surdamente com todos os sons de meu corpo verbal ainda hibernando na crisálida de minha auto-transmutação. Não tens idéias de como é difícil e doloroso romper o casulo de si mesmo!
A Noite, ébria de virtudes viciantes e de guimbas de gritos na fronte, senta-se ao meu lado, e acaricia meus segredos desvelados nas jaulas de minha alma. Ninguém nunca vai me conhecer, e nem conhecê-los?! Minha alma, cuja sede jamais cessaria ainda que eu ingerisse o Tempo e o Universo inteiro para dentro de meu estômago, não consegue juntar os fragmentos dos fatos.
O muro, que meu olhar finge ver, eu sinto que esse muro me olha, e não só me olha. Na verdade ele vigia cada ideia que caminha nos dédalos plúmbeos de meu cérebro. A Noite zomba e ri de minhas suspeitas, mas ela não sabe que a Paranoia alimenta ainda mais minha Lucidez. Ouço de um lugar longínquo algo se quebrar no chão, e ao que indica, é algo vítreo. Olho para meus pés, e há sangue escorrendo de meus pés, e batizando essa calçada, que é minha única amiga, com uma religião que jamais será religiosa e nem conhecida e divulgada. Há pedaços de vidro de um espelho espatifado debaixo de meus pés, e ao redor de meu corpo.
A Noite me sussurra com um hálito anestesiante de tristezas reveladoras:
_ Reconhece-me ou não? O que eu Sou?
Então, o pranto de várias lágrimas, que choram dos cacos esquartejados do espelho, penetra em meu córtex cerebral, e algo em mim se forma, se move. Não pode ser... Não, não é...
Sinto os ruídos sufocantes de tudo o que o Tempo e o Universo devoraram e criaram ao longo de bilhões de anos, bem aqui, dentro do meu estômago. Meus pés se recusam a obedecer as volições escravizadas pela minha liberdade. O sangue na calçada e nos vidros refletem para meu olhar panorâmico uma névoa densa de palavras embaralhadas com lembranças as quais estavam afogadas nos penhascos oceânicos de meu inconsciente.
Sim. Agora entendo, ou melhor, eu acho que entendo, porém eu não queria entender tudo isso. Meu estômago se convulsiona como se fosse o útero de uma mulher grávida de algo inominável, de algo que jamais poderia nascer.
A Noite rindo e zombando ao meu lado; o sangue de meus pés na calçada e nos pedaços de vidros; o muro a me vigiar por dentro os crimes impunes cometidos por meu intimo contra mim; as lágrimas que gotejam dos olhos dos vidros de todos os espelhos quebrados; as guimbas ainda acesas de gritos; tudo e todos eles são os cadáveres de meu ser retalhados com o bisturi mutilado pela fé de meu niilismo.
Que dor excruciante no estômago de tudo ser e sentir é essa? Deus, meu Deus! Como suportar mais um dia essa dor informe e incognoscível que cresce em meu ventre?
Vomito-me pleno e inteiramente a mim próprio no hemisfério polar da minha calçada. Estarei morto agora? Não sei. Talvez eu jamais saberei o que eu deveria realmente saber.
Contudo os risos de algo inominável paridos de meu ventre ecoam por todas as ruas da cidade, e as árvores, atônitas, tremiam seus galhos e suas folhas por não conseguir entenderem a surdez, a cegueira, e a atrofia mental das pessoas, e de toda a cidade, as quais fingiam ser uma outra coisa a ter que encarar aquele riso sorumbático e maligno que ecoava no galope dos ritmos cardíacos.
E outros pés ignotos evitavam pisar na bílis que havia se tornado o Tempo e o Universo ao vomitar-me inteiramente no chão.