Dança do trigo
Senti aqueles cabelos banhados de prata das estrelas e vi os tempos passados. Lembrei-me de quando os fios eram tão presentes, cotidianos; da inocência. Agarrei-os com fervor e uma brisa espalhou cheiros pela planície abarrotada de trigo selvagem. Ficamos ali, entregues à lembrança.
A dança fluiu qual a valsa eterna celeste. Ordenada em seu caos, grandiosa em seus confins. Mãos no trigo e na cintura, cabelos enroscados no mato, a brisa noturna, os pulmões descompassados. A fúnebre marcha à orla até que a grande esfera de fogo incendiasse os prados e pântanos envoltos na bruma pesada. Houve sinos, voos imensuráveis e as árvores cresciam. O muro de insegurança desabara e o mar violento inundava a terra na dança.
Vazei sob as pernas dela e seus dedos agarraram meu coração; do solo brotava sangue e a seiva banhava nossos corpos nus. Meti-lhe a língua na pele, alimentei-me do látex e do açúcar que os peitos derramavam. Arranquei tufos dos cabelos e esfreguei-os no rosto. Arrancou-me os dedos a dentadas e gritei de prazer. Cortei-lhe o braço esquerdo e sorvi do mel que era o sangue. Caímos no trigo e morremos para renascer no âmago do ventre terrestre.