A SOLIDÃO DA PORTA-ESTANDARTE NA AVENIDA

O CARNAVAL EM DESTERRO, ILHA DE SANTA CATARINA,
É UM MOMENTO DE RARA BELEZA E ENCANTAMENTO.
TALVEZ, PELA ILHA TER SIDO CARINHOSA E JUSTAMENTE
APELIDADA DE “ ILHA DA MAGIA “, AQUI O CARNAVAL TOMA DIMENSÕES SOBRENATURAIS.
NÃO SEI PRECISAR O ANO, MAS, PELA REPERCUSSÃO
DO QUE ACONTECEU SOB O REINADO DE MOMO,
EU PODERIA DIZER QUE FOI ONTEM...
A MADRUGADA QUENTE DA PARADISÍACA DESTERRO,
EM SANTA CATARINA, RESERVAVA MUITO MAIS QUE UM SIMPLES DESFILE DE CARNAVAL PARA PATY, A BELA PORTA- ESTANDARTE.
ERA QUASE MEIA NOITE, QUANDO PATY AUXILIADA PELA SUA MÃE, DEU OS ÚLTIMOS RETOQUES NA SUA MAQUIAGEM E NA VISTOSA FANTASIA.
AO TERMINAR O COSTUMEIRO RITUAL,
RECOLHEU-SE AO SEU QUARTO PARA RELAXAR
E REFLETIR ENQUANTO AGUARDAVA O TÁXI, PREVIAMENTE ACORDADO.
DE PÉ, RECOSTADA NA PORTA DO GUARDA-ROUPA,
SUAVEMENTE CERROU OS OLHOS E RECORDANDO TODOS OS ENSAIOS, MEMORIZAVA A COREOGRAFIA... CADA PASSO...
GESTO... MOVIMENTOS DO PERFEITO BAILADO.
O SOM DE MOTOR E UMA ESTRIDENTE BUZINA
INDICAVAM QUE O TÁXI ACABARA DE CHEGAR.
RAPIDAMENTE PEGOU O SEU “ROSÁRINHO”,
BEIJOU OS PAIS E SAIU.
O IMPACIENTE MOTORISTA ENSEJOU UMA BRONCA,
PORÉM, DIANTE DE TÃO BELA SAMBISTA,
EMBEVECIDO E SILENTE, RUMOU PARA A PASSARELA DO SAMBA,
A MÁGICA E ENCANTADORA “ NÊGO QUERIDO “
NO ATERRO DA BAÍA SUL.
CHEGANDO AO LOCAL DO DESFILE,
PATY DIRIGIU-SE RAPIDAMENTE PARA O ESPAÇO
DESTINADO À CONCENTRAÇÃO DA SUA ESCOLA DE SAMBA.
ENQUANTO CAMINHAVA, RECORDOU-SE DOS ANOS ANTERIORES. SEMPRE QUE ALI CHEGAVA, HAVIA UMA MULTIDÃO
DE IRREQUIETOS COMPONENTES AGUARDANDO À HORA
DO DESFILE... INVARIAVELMENTE, TODO OLHAR VOLTAVA-SE
PARA ELA, PARA A SUA FANTASIA.
DE REPENTE, O ASSOMBRO DETEU OS SEUS PASSOS,
E, PATY OLHANDO A SUA VOLTA, NOTOU QUE ESTAVA SÓ...
NÃO HAVIA UMA SÓ PESSOA NA CONCENTRAÇÃO...
A FELICIDADE QUE ESTAMPAVA A SUA FISIONOMIA
ESVANECEU-SE, E, A CRUEL DÚVIDA PAIROU SOBRE ELA.
TENTANDO COMPREENDER O QUE REALMENTE ESTAVA
ACONTECENDO, PATY SENTIU A MENTE GIRAR ASSIM COMO
ELA FAZIA NA PASSARELA. MAS, NÃO ERA AQUELE GIRO COORDENADO E GRACIOSO QUE ARRANCAVA APLAUSOS DAS ARQUIBANCADAS, NÃO, AQUELE GIRO ERA DOENTIO,
POVOAVA-LHE A MENTE COM INQUIETANTES PENSAMENTOS...
ONDE ESTARIA A SUA ESCOLA DE SAMBA... O MESTRE-SALA...
A BATERIA... OS CARROS ALEGÓRICOS... QUE FALTA DO DOCE BULÍCIO DA CONCENTRAÇÃO, DOS EFUSIVOS VOTOS DE BOM DESFILE...
QUANTO MAIS PATY PENSAVA, MAIS DÚVIDAS LHE ASSOMBRAVAM.
TALVEZ, O DESFILE DAS ESCOLAS DE SAMBA TENHA SIDO TRANSFERIDO... MAS, AS ARQUIBANCADAS ESTÃO LOTADAS...
ACHANDO QUE ESTAVA SONHANDO, RESOLVEU BELISCAR-SE
PARA ACORDAR E TERMINAR COM AQUELE PESADELO...
AQUELE SOFRIMENTO.
NÃO TEVE TEMPO PARA BELISCAR-SE. O VENTO COM LÚDICA E
MORNA LUFADA, FEZ COM QUE A PONTA DA SUA BANDEIRA,
TOCASSE-LHE SUAVEMENTE A FACE JÁ ÚMIDECIDA PELO PRANTO
QUE ELA REPRIMIA A TODO CUSTO.
O SUAVE TOQUE DA SUA BANDEIRA, ACARICIANDO-A,
MOSTROU-LHE QUE ESTAVA ACORDADA, MAS, QUE ESTAVA
VIVENDO UM PESADELO... O PESADELO DA SOLIDÃO.
EXTENUADA, PATY RESOLVEU VOLTAR PARA CASA.
NÃO QUERIA FICAR NEM MAIS UM SEGUNDO NAQUELE LUGAR.
ENTORPECIDA PELA SOLIDÃO, TENTOU APRESSAR OS PASSOS, PROCURANDO UM TÁXI.
CADA PASSO ERA ACOMPANHADO DE UM ATENTO OLHAR
PARA O ASFALTO. O MESMO ASFALTO QUE EM ANOS
ANTERIORES, ESTENDEU-SE CARINHOSAMENTE PARA ACOLHER
OS SEUS PASSOS, AGORA, CAUSAVA-LHE MEDO. PATY TEMIA
SER ARREBATADA DALI, E, SER LEVADA PARA UM MUNDO MAIS SOLITÁRIO DO QUE AQUELE QUE ELA ESTAVA.
UM PASSO EM FALSO QUASE A LEVA AO CHÃO.
A IRRITAÇÃO CAUSADA PELA QUASE QUEDA,
TRANSFORMA-SE EM ANGÚSTIA QUE IMEDIATAMENTE,
TRASPASSA-LHE O PEITO E CALA QUALQUER GEMIDO.
NUM AFÃ DE PIEDADE, PATY OLHA PARA O ASFALTO, E TENTA ENTENDER POR QUE AQUELE AMBIENTE AMIGO DE TANTOS E MEMORÁVEIS CARNAVAIS, VOLTOU-SE CONTRA ELA,
APRESENTANDO-SE COMO VIL E FRIO ALGOZ.
PROFUNDAMENTE TRISTE E EXTENUADA, PATY,
NÃO SE DÁ CONTA QUE ALGUÉM LHE CHAMA INSISTENTEMENTE.
AO TENTAR DAR MAIS UM PASSO, É SEGURA PELO OMBRO,
E, APESAR DE ESTÁTICA, DESPERTA DO SEU TRANSE MOMENTÂNEO. DUVIDANDO QUE PUDESSE HAVER VIVA ALMA POR ALI, PATY,
ESBOÇA UM SORRISO AO VER UM ROSTO AMIGO.
O JOVEM, UM MEMBRO DA LIGA DAS ESCOLAS DE SAMBA, PROFUNDAMENTE ABALADO COM O SEMBLANTE ENTRISTECÍDO
DA PORTA-ESTANDARTE, TENTOU COMPREENDER O QUE HAVIA
SE PASSADO COM ELA. PERGUNTOU O QUE LHE HAVIA
ACONTECIDO E ONDE ESTAVA A SUA ESCOLA DE SAMBA.
NUM MISTO DE SURPRESA, INDIGNAÇÃO E DOR, PATY,
DESABOU EM PRANTO CONVULSIVO E DESOLADOR.
PASSADO ALGUNS INSTANTES, PATY REFEZ-SE, E, OMITINDO DETALHES PESSOAIS, CONTOU O QUE LHE OCORREU,
DESDE O MOMENTO DA SUA CHEGADA AO ATERRO DA BAÍA SUL.
O JOVEM DIRIGENTE MOSTROU-SE AINDA MAIS ABALADO
E COMOVIDO DIANTE DE TÃO TRISTE RELATO, PORÉM,
FOI ENFÁTICO, SE EM CINCO MINUTOS A ESCOLA DELA
NÃO ESTIVESSE NA PASSARELA, SERIA DESCLASSIFICADA
E REBAIXADA.
QUASE DESFALECENDO, PATY, INDIGNOU-SE PERANTE O ULTIMATO. NÃO PODERIA SUPORTAR NENHUMA OUTRA DECEPÇÃO OU QUALQUER COISA NEGATIVA, NÃO NAQUELA NOITE.
JUNTANDO O POUCO DE FORÇAS QUE LHE RESTAVA,
ELA QUASE GRITOU PARA QUE ELE E A LIGA DAS ESCOLAS PROCURASSEM A DIRETORIA DA SUA ESCOLA, E, FIZESSEM
CUMPRIR O REGULAMENTO.
TERMINOU A FRASE, VIROU-SE BRUSCAMENTE, E, RETOMOU
A SUA CAMINHADA EM DIREÇÃO AO PONTO DE TÁXI.
DEU DOIS PASSOS, E, DETEVE-SE AO OUVIR O SEU NOME
CITADO PELO LOCUTOR OFICIAL DO DESFILE.
TEMENDO TER QUE ENFRENTAR UMA NOVA RODADA DE DECEPÇÕES, PATY RESOLVEU VOLTAR, SABER DO QUE SE TRATAVA, E,
FINALMENTE PODER RETORNAR PARA A SEGURANÇA
E A TRANQUILIDADE DO SEU LAR.
MESMO TEMENDO UMA NOVA PROVAÇÃO, PATY VOLTOU AO LUGAR ONDE DEIXARA O DIRIGENTE DA LIGA. CABISBAIXA, MENTALMENTE ELA ENSAIAVA UM PEDIDO DE DESCULPAS PORQUE NÃO ADMITIA
SER RÍSPIDA COM NINGÉM, MESMO DIANTE DE TAMANHA ADVERSIDADE.
APROXIMOU-SE DO JOVEM QUE SORRINDO, ABRIU OS BRAÇOS OFERECENDO-LHE CONFORTO E AUXÍLIO.
ELA NÃO VACILOU DIANTE DE TÃO GENTIL OFERTA,
ABRAÇOU-O, E, DEIXOU-SE ABRAÇAR.
O CÁLIDO ABRAÇO DUROU POUCOS SEGUNDOS. MAS, PARA PATY, AQUELE BREVE ESPAÇO DE TEMPO, PARECEU-LHE UMA ETERNIDADE.
COM UM SUSPIRO DE ALÍVIO, ELA AFASTOU-SE, E, FITANDO AQUELE OLHAR AQUIETANTE, DESCULPOU-SE PELA INVOLUNTÁRIA RISPIDEZ, E, CONFESSOU ESTAR PROFUNDAMENTE ENVERGONHADA, POIS,
NÃO CONSEGUIA RECORDAR-SE DO NOME DELE.
O JOVEM SORRIU AMÁVELMENTE, DIZENDO QUE NÃO HAVIA NECESSIDADE PARA ELA DESCULPAR-SE, POIS, APÓS INTERMINÁVEIS HORAS DE DURO ESTRESSE, ERA COMPREENSÍVEL AQUELE DESABAFO. AINDA SORRINDO, ELE SEGREDOU QUE SERIA IMPOSSÍVEL ELA SABER O SEU NOME, POIS, DESDE A INFÂNCIA, ELA E UMA AMIGA APELIDANDO-NO DE FEIO, ASSIM SEMPRE O TRATARAM.
BOQUIABERTA, PATY, NÃO SABIA SE SORRIA OU SE CHORAVA.
JAMAIS IMAGINARA SER CAPAZ DE TAMANHA CRUELDADE.
RESOLUTA, ELA FALOU PARA O JOVEM QUE TAL CRUELDADE TERMINARIA ALI, NÃO PODERIA HAVER UM AMANHÃ PARA A ESTUPIDEZ QUE DURARA DESDE AS SUAS INFÂNCIAS.
TERNAMENTE, PATY BEIJOU A FRONTE DO JOVEM, E,
OLHANDO-O DEMORADAMENTE NOS OLHOS, PEDIU PERDÃO,
QUASE IMPLORANDO QUE ELE REVELASSE O SEU NOME.
EMOCIONADO, O JOVEM, TENTANDO COPIAR O GESTUAL
DOS EXÍMIOS MESTRE-SALAS, INCLINOU-SE EM RESPEITOSA REVERÊNCIA ENQUANTO REVELAVA CHAMAR-SE GABRIEL.
A EMOÇÃO E A REVERÊNCIA DO JOVEM TOCARAM PATY PROFUNDAMENTE. UM FRÊMITO RENOVADOR IMPELIU-A,
E, RESIGNADA, ELA PEDIU AO AMIGO QUE SEGURASSE
A SUA BANDEIRA, TOMOU O ROSTO DELE EM SUAS MÃOS, PRONUNCIANDO DEMORADA E TERNAMENTE O NOME DELE, ACRESCENTANDO A PALAVRA LINDO.
INSTANTÂNEAMENTE, O ROSTO DE GABRIEL ILUMINOU-SE
E TRANSLUZIU.
ASSUSTADA, PATY SENTIU-SE INVADIDA PELA ENERGIA RADIANTE DAQUELE SER ANGELICAL.
SEM RELUTAR, ELA RENDEU-SE AO BALSÂMICO E RENOVADOR ALENTO, ADVINDO DAQUELE INEFÁVEL MOMENTO.
RETOMANDO A SUA BANDEIRA, PATY, RETRIBUIU A REVERÊNCIA,
E, REFEITA DE TODOS OS DISSABORES, ENCAMINHOU-SE PARA O PORTÃO DA PASSARELA DO SAMBA.
CHEGANDO AO PORTÃO, ELA INFORMOU AOS SEGURANÇAS
QUE O SEU NOME HAVIA SIDO CITADO PELO LOCUTOR,
E, DESEJAVA SABER POR QUE.
IMEDIATAMENTE, O COORDENADOR DOS SEGURANÇAS
ABRIU O PORTÃO, DIZENDO QUE A PASSARELA ERA TODA DELA.
ELA AGRADECEU, E ANTES DE ENTRAR, DESCULPOU-SE COM O COORDENADOR, ALEGANDO PRECISAR DE ALGUNS SEGUNDOS
PARA DIRIMIR UMA PEQUENA DÚVIDA.
VIRANDO-SE PARA A CONCENTRAÇÃO ELA AVISTOU GABRIEL.
CHAMOU O AMIGO E PERGUNTOU-LHE SE O SEU NOME FORA
DADO EM HOMENAGEM AO ANJO.
SORRINDO, ELE RESPONDEU QUE A SUA MÃE JAMAIS COMENTARA.
PATY RETRIBUIU O SORRISO, DIZENDO-LHE QUE COM CERTEZA,
FOI HOMENAGEM AO ANJO GABRIEL.
VOLTANDO-SE PARA A PASSARELA, PATY, TENTAVA
COMPREENDER O QUE ESTAVA ACONTECENDO.
ERA VISÍVEL A SUPER LOTAÇÃO DAS ARQUIBANCADAS,
CAMAROTES E DEMAIS DEPENDÊNCIAS DO SAMBÓDROMO.
O QUE PODERIA ESTAR ACONTECENDO DO LADO DE FORA...
QUAL O MOTIVO DO DESERTO E DO SILÊNCIO NA CONCENTRAÇÃO... SUSPIROU DEMORADAMENTE, E, CONCLUIU QUE CERTAMENTE
JAMAIS TERIA RESPOSTAS PARA TAIS DÚVIDAS.
O COORDENADOR DOS SEGURANÇAS INTERROMPEU-LHE O PENSAR, JUSTIFICANDO TER ORDENS PARA FECHAR O PORTÃO IMEDIATAMENTE.
PATY APERTOU O ROSÁRINHO BENZENDO-SE, OLHOU PARA A BANDEIRA, RESPIROU O REVIGORANTE AR QUE VINHA DA PASSARELA, FEZ UMA RESPEITOSA REVERÊNCIA AO MÁGICO AMBIENTE DO SAMBA, E, ENTROU COM POMPA E GRACIOSIDADE NO SEU REINO.
QUAL RAINHA NA SALA DO TRONO, PATY, FLUTUOU PELA QUERIDA PISTA DA PASSARELA.
SENTINDO-SE SEGURA, ELA PENSAVA EM IR ATÉ O CAMAROTE DA
LIGA DAS ESCOLAS DE SAMBA, OU, LOCALIZAR O LOCUTOR ,
QUANDO ECOOU POR TODO O SAMBÓDROMO, A SIRENE QUE INDICAVA O ÍNICIO DE CADA DESFILE.
INCONTINENTI, O LOCUTOR ANUNCIOU QUE ESTAVA
NA PASSARELA, A REPRESENTANTE DA ESCOLA DE SAMBA
IMPÉRIO DO AMOR, QUE ELA PERCORRERIA TODA A EXTENSÃO
DA PASSARELA, EVITANDO QUE A SUA ESCOLA FOSSE DESCLASSIFICADA E REBAIXADA.
PATY, ESTREMECEU, TEVE A AMARGA SENSAÇÃO DE ABEIRAR-SE
DE UM ABISMO INCANDESCENTE, DONDE PERECERIA PELA QUEDA, OU, EXAURIDA PELA AVASSALADORA TEMPERATURA.
TEMENDO SER ENVOLTA PELO ASSOMBRO DOS SEUS PIORES PESADELOS, ELA MENEOU A CABEÇA COMO QUE
REFUGANDO QUALQUER PENSAMENTO DESANIMADOR,
MAS, HAVIA UM PENSAMENTO, O PIOR DE TODOS,
COM O QUAL ERA IMPOSSÍVEL RELUTAR...
ELA ERA APENAS A SEGUNDA PORTA-ESTANDARTE
DA ESCOLA... ATRAVESSAR A PASSARELA SEM O INEBRIANTE
SOM DA BATERIA PARECIA-LHE COMO TENTAR CRUZAR O DESERTO SEM ÁGUA... E UMA PORTA-ESTANDARTE JAMAIS ESTÁ SÓ,
ELA NECESSITA DO SEU COMPLEMENTO, O MESTRE-SALA.
UM SEM O OUTRO NÃO PODE EXECUTAR O PAS-DE-DEUX...
NÃO, NÃO HAVIA COMO PROSSEGUIR.
COM A ALMA EM FRANGALHOS, PATY, LUTAVA CONSIGO MESMA.
ELA SABIA QUE A SUA DESISTÊNCIA CAUSARIA SÉRIOS
EMBARAÇOS PARA A SUA ESCOLA.
ACHANDO QUE DEVERIA PESAR CRITERIOSAMENTE O QUE FAZER, RESOLVEU PENSAR MAIS UM POUCO, PORÉM, FOI INTERROMPIDA
POR UMA VOZ AGRADÁVEL E CONHECIDA.
OLHANDO PARA O PORTÃO DA PASSARELA, ELA VIU O AMIGO
GABRIEL ENTRE OS SEGURANÇAS. PENSOU EM PERGUNTAR O QUE
ELE DESEJAVA, E, ELE ANTECIPANDO-SE, APLAUDIU-A, RECOMENDANDO QUE ELA FOSSE PARA O MEIO DA PISTA,
EXIBISSE O SEU SORRISO, E, ENCANTASSE TODOS OS PRESENTES COM O SEU BRILHO.
AS PALAVRAS DE GABRIEL RESSOARAM NA MENTE E NO ESPÍRITO DELA, TRAZENDO-LHE CLARIVIDÊNCIA E ALENTADOR REFRIGÉRIO.
PATY SORRIU PARA O AMIGO ATIROU-LHE UM BEIJO,
E, COM PASSOS FIRMES, CAMINHOU PARA O MEIO DA PISTA.
ENQUANTO CAMINHAVA, LEMBROU-SE DAS PALAVRAS DA SUA MÃE, DIZENDO-LHE QUE UMA PORTA-ESTANDARTE JAMAIS ABANDONA
O SEU SORRISO, HAJA O QUE HOUVER.
LEMBROU TAMBÉM, DAS HISTÓRIAS DE TANTAS E CÉLEBRES
PORTA-ESTANDARTES. DO MODO ELEGANTE QUE CADA UMA,
AO SEU TEMPO, VENCEU OS DESAFIOS IMPOSTOS PELA PASSARELA.
UMA HISTÓRIA EM PARTICULAR, MARCOU PATY PARA SEMPRE.
UMA SENHORA DA VELHA GUARDA, CONTOU-LHE QUE HÁ MUITOS ANOS ATRÁS, DURANTE A CONCENTRAÇÃO DA ESCOLA,
UMA PORTA-ESTANDARTE SENTIU-SE MAL. IMEDIATAMENTE,
FOI ATENDIDA PELO MÉDICO E ACONSELHADA PARA ABANDONAR
O DESFILE, E, QUE DEVERIA IR URGENTEMENTE PARA O HOSPITAL. MESMO VISÍVELMENTE DEBILITADA, NEGANDO-SE EM ATENDER
A RECOMENDAÇÃO DO MÉDICO, ELA DESFRALDOU A SUA BANDEIRA, ESTENDEU A MÃO PARA O MESTRE-SALA E SEGUIU EM FRENTE.
AO FINAL DO DESFILE, MAL ELA CRUZOU A LINHA DE DISPERSÃO,
SENTIU VIOLENTA PONTADA NO PEITO. OLHOU PARA O CÉU,
LANÇOU UM ESTRIDENTE E LAMENTOSO BRADO, ABRAÇOU-SE
COM A BANDEIRA E SUCUMBIU.
EM POUCOS SEGUNDOS O MÉDICO CHEGOU, EXAMINOU-A,
E, LAMENTOU NADA MAIS PODER FAZER.
NO DIA SEGUINTE, TODA A COMUNIDADE DO SAMBA, REUNIU-SE PARA HOMENAGEAR A PORTA-ESTANDARTE QUE POR AMOR À SUA ESCOLA, IMOLOU-SE NA AVENIDA.
DURANTE O VELÓRIO, O PRESIDENTE DA ESCOLA, ACOMPANHADO PELA SUA DIRETORIA, ENTROU NO NECROTÉRIO, TRAZENDO
A BANDEIRA DA ESCOLA. APROXIMOU-SE DA URNA,
E, ENTOANDO O HINO DA ESCOLA, CARINHOSA E SUAVEMENTE, COLOCOU A BANDEIRA SOBRE O CORPO DA PORTA-ESTANDARTE.
NO MESMO INSTANTE HOUVE UMA COMOÇÃO GERAL.
TODOS QUE LÁ ESTAVAM, JURAM QUE ASSIM QUE A BANDEIRA
TOCOU O CORPO DA PORTA-ESTANDARTE, ELA SORRIU.
E TODOS AFIRMAM QUE NÃO ERA UMA MANIFESTAÇÃO
INVOLUNTÁRIA DO CADÁVER. AQUELE SORRISO ERA O MESMO
QUE A ELEGANTE PORTA-ESTANDARTE OSTENTAVA NA AVENIDA.
EM SINAL DE RESPEITO, PATY, RECOLHEU-SE POR UM MINUTO
DE SILÊNCIO. CERROU OS OLHOS, ACALMOU O PENSAR,
DIMINUIU A RESPIRAÇÃO, E, OFERECEU AQUELE DESFILE
PARA A SAUDOSA DAMA DA PASSARELA.
O PÚBLICO, PARECENDO SABER O QUE SE PASSAVA, IMITOU-A.
TERMINANDO MAIS AQUELE GESTUAL, PATY, DIVISOU TODA
A PASSARELA. CONCENTROU-SE NA LINHA DE DISPERSÃO,
ENVIANDO PARA LÁ A SUA RAZÃO, OS SEUS SONHOS.
DESPEDINDO-SE DE SI, DESFRALDOU A SUA BANDEIRA,
ENTREABRIU OS LÁBIOS, ESCULPINDO NELES O SORRISO
PRÓPRIO DAS PORTA-ESTANDARTES DE ESTIRPE,
ENLEVOU-SE COM O MAGNETISMO DO SAMBÓDROMO,
E, CONTEMPLANDO A IMENSIDÃO DO CÉU, GARIMPOU PARA SI
O OLHAR CINTILANTE DE ESTRELAS, ALINHANDO-O AO INFINITO
DA PASSARELA.
APRECIANDO CADA DETALHE, O PÚBLICO DELIROU ENTRE APLAUSOS
E LÁGRIMAS QUANDO PATY AVANÇOU COM BAILADO NUMCA VISTO.
ENTOANDO O HINO DA ESCOLA, ELA FOI BAILANDO E ENCANTANDO CADA UM DOS PRESENTES.
O PERFEITO BAILADO, ENTREMEADO POR ROTAÇÕES ARRANCAVA SUSPIROS DE TOTAL EMBEVECIMENTO.
APROXIMANDO-SE DA LINHA DE DISPERSÃO, PATY, VIROU-SE
PARA REVERENTE, AGRADECER AO PÚBLICO, E, DESPEDIR-SE.
HOUVE UM BREVE SILÊNCIO, TEMPO SUFICIENTE PARA A DESPEDIDA DE PATY E O PÚBLICO.
ELA OLHOU CADA ROSTO, CADA OLHAR, E, EM CADA UM DELES ACOLHEU UM TELEPÁTICO... ATÉ O ANO QUE VEM.
O LOCUTOR QUEBROU O SILÊNCIO, ANUNCIANDO QUE CHEGARA
AO FIM, O MARCANTE E INUSITADO DESFILE QUE PODERIA VIRAR ENRÊDO DE ESCOLA DE SAMBA, MUITO EM BREVE.
ENCERRANDO A SUA FALA, O LOCUTOR SOLICITOU AO PÚBLICO
QUE APLAUDISSE A SOLIDÃO DE UMA PORTA-ESTANDARTE NA AVENIDA.
ENTÃO, O SAMBÓDROMO EXPLODIU EM ESPETÁCULO DE LUZES, BRADOS E APLAUSOS.
LENTAMENTE, E, CAMINHANDO DE COSTAS, PATY,
FOI RETIRANDO-SE ATÉ DESAPARECER EM TÊNUE NUVEM
COM AS CORES DA SUA ESCOLA DE SAMBA.
NA MANHÃ SEGUINTE, PATY, FOI AO SAMBÓDROMO
TENTAR ENCONTRAR O ROSÁRINHO QUE HAVIA PERDIDO.
AO OLHAR PARA O PORTÃO DA PASSARELA, PERCEBEU UM BRILHO FAMILIAR. APROXIMOU-SE CONSTATANDO QUE ERA
O SEU ROSÁRINHO, E, HAVIA TAMBÉM UM PEQUENO BILHETE.
PATY COLOCOU O ROSÁRINHO NO PULSO, DEPOIS,
ABRINDO O BILHETE, EMOCIONOU-SE RELEMBRANDO A FELICIDADE QUE VIVERA NA NOITE ANTERIOR.
O BILHETE ESCRITO NO VERSO DE UMA PROPAGANDA DE LÂMPADA RECOMENDAVA QUE ELA CONSERVASSE O OLHAR CINTILANTE
DE ESTRELAS. NÃO HAVIA ASSINATURA, NEM PRECISARIA HAVER, PENSOU ELA.
ABAIXOU-SE LENTAMENTE, BEIJOU O AMADO ASFALTO,
SUSSURRANDO O NOME DO AMIGO GABRIEL.
VIROU-SE PARA IR EMBORA,
E, OUVIU UMA ESTRONDOSA SALVA DE PALMAS.


* * * * * * * * * * * * * *


PARA OS MEUS FILHOS EDUARDO FELIPE GOMES
E PATRÍCIA KELLY GOMES
QUE COM BELEZA, GRAÇA E SINGULAR MESTRIA,
OSTENTARAM A BANDEIRA DA ESCOLA DE SAMBA
“ OS PROTEGIDOS DA PRINCESA “
COMO SEGUNDO CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA.
COM OS OLHOS CINTILANTES DE ESTRELAS,
PATRÍCIA AINDA É A SEGUNDA PORTA-ESTANDARTE DA ESCOLA.

NA FOTO MINHA FILHA PATRÍCIA KELLY GOMES
NA NOITE QUE FOI APRESENTADA OFICIALMENTE
COMO A PRIMEIRA PORTA ESTANDARTE DA ESCOLA DE SAMBA
"OS PROTEGIDOS DA PRINCESA".

DESTERRO, 18 DE AGOSTO DE 2012
MORACY GOMES FILHO
Enviado por MORACY GOMES FILHO em 17/02/2012
Reeditado em 19/08/2012
Código do texto: T3504817
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