SUPER HOMEM
Os bombeiros tentavam, sem sucesso até o momento, controlar o incêndio que devastava o prédio que se acreditava abandonado. O velho edifício caindo aos pedaços no centro da cidade fora condenado pela defesa civil há tempos; entretanto, como em qualquer lugar do Brasil, mendigos e viciados haviam se instalado da espelunca.
Uma pequena multidão acompanhava com interesse o trabalho incansável dos bombeiros; equipes de tevê transmitiam ao vivo o desastre, que congestionara ainda mais o já caótico trânsito da capital capixaba.
Subitamente, alguém exclama:
- Acho que ouvi um choro de criança!
Silêncio e expectativa. Outra voz confirma:
- Iá! Eu também ouvi! Acho que vem dali, ó! Do segundo andar!
O chefe da equipe de resgate aplica os bem-treinados ouvidos. Assim que ele também percebe o choro agudo e desesperado de uma criança, provavelmente de colo, dá a ordem aos seus comandados, que se preparam rapidamente para o resgate. Enquanto os homens estão colocando suas máscaras de oxigênio, um garotinho, vestindo uma fantasia barata de Super-Homem, que dançava folgada em seu corpo franzino de seis anos, atravessa o mar de pernas que estava à sua frente e declara, impávido:
- Não se pleocupem! O Supelomem vai salvar o bebê!
E, antes que alguém possa impedi-lo, o moleque sai correndo entre os repórteres, carros e bombeiros, e entra no prédio em chamas.
- Alguém segure esse garoto! Ele vai se matar!
Já era tarde. O guri havia desaparecido em meio às labaredas. Houve gritos de espanto e terror. Quando a equipe de resgate estava prestes a entrar, um pedaço do forro da portaria desabou, e foi preciso retirar os escombros que impediam a passagem. Os minutos iam passando lenta e angustiosamente. Não se ouvia mais o choro do bebê. A expectativa crescia, enquanto os bombeiros tentavam desesperadamente liberar a entrada para tentar o salvamento. Muitas pessoas choravam, pressentindo a tragédia que se anunciava. Ouviu-se uma forte explosão, e os bombeiros se afastaram momentaneamente, protegendo-se contra um eventual desabamento da estrutura. Destroços flamejantes choviam ao redor dos combatentes do fogo. A multidão recuou estarrecida. Assim que as redações informaram que um menininho havia entrado no edifício para salvar uma criança em perigo, a notícia interrompeu a programação de todas as emissoras, e o drama passou a ser transmitido para todo o país. Famílias inteiras reuniram-se diante das tevês (menos os filhos adolescentes, que acompanhavam a história pela Internet em seus quartos), antevendo o terrível desenlace.
Foi quando, de repente, o garotinho vestido de Super-Homem saltou de dentro das chamas e da fumaça, trazendo um pequeno embrulho em seus braços. A fantasia estava chamuscada, e a ponta da capa pegava fogo. Os bombeiros correram em sua direção, apagando logo o fogo antes que se alastrasse por toda a roupa do menino. Quando viram o que ele trazia nas mãos, os experimentados soldados ficaram maravilhados: o pacote era o bebê que estava preso no incêndio!
O herói-mirim foi cercado por uma multidão de policiais, curiosos, repórteres. Todos queriam ser os primeiros a entrevistar o corajoso menino. Um repórter de cotovelos mais fortes conseguiu impor-se sobre os outros, e começou a perguntar:
- Como é o seu nome? Surpreso diante de tantos microfones, o pequeno respondeu:
- Supelomem.
Risos de admiração e surpresa. O repórter continuou:
- Você não teve medo de entrar lá naquele incêndio para salvar o bebê?
- O Supelomem não tem medo. O Supelomem é indestitíblel.
- Indestitíblel?
- É.
O repórter pensou um pouco:
- Ah. Você quer dizer indestrutível.
- É. Indestitíblel.
Outro repórter, inconformado por não ter sido o primeiro a entrevistar o pequeno valente, tentou retomar a dianteira e voltou sua atenção para o chefe dos bombeiros, que observava a entrevista:
- O que o senhor achou da atitude desse garotinho?
- Olha, nós estamos muito felizes porque tudo acabou bem, e ninguém se feriu. Mas nós recomendamos que ninguém faça isso. Especialmente crianças. É muito perigoso, e só quem recebeu treinamento específico para resgate deve se arriscar assim. É muito perigoso.
- O menino poderia ter morrido?
- Certamente. Na verdade, ele tem sorte de estar vivo.
- Pode ser, mas se ele não tivesse entrado, o bebê é que não teria sobrevivido...
- Sim, mas...
- Porque os bombeiros demoraram tanto para entrar no prédio?
Com esta pergunta acusatória, o repórter provocou uma acalorada discussão com o chefe dos bombeiros. Nos dias seguintes, psicólogos dariam entrevistas nos maiores veículos de comunicação, alertando aos pais sobre o risco de não orientar corretamente as crianças sobre suas fantasias de super-heróis. Fotos de meninos sorridentes vestidos de Homem-Aranha, Batman e outros, ao lado de pais preocupados, estamparam as primeiras páginas dos jornais. O fantástico salvamento foi assunto principal nas rodas de boteco, padarias e repartições públicas durante muito tempo.
Voltando à cena do incêndio, o debate entre o repórter e o bombeiro esquentou, descambando para a luta livre. Imediatamente se formaram duas equipes, repórteres e cameramans de um lado e bombeiros de outro; microfones, capacetes e mangueiras voavam de lado a lado, e rapidamente o menino de roupa azul e capa vermelha foi esquecido. Afastando-se do tumulto, o garotinho caminhou lentamente até que ninguém mais estivesse olhando para ele.
Então, esticou os braços e gritou:
- Pala o alto e avante!
E saiu voando.