A Garota
A gota de água descendo devagar pelo tronco da árvore, deixou um rastro quase imperceptível. Chegou ao chão e seguiu seu caminho, reunida às suas irmãs e formando poças de água no meio do campo. A árvore se curvava à violência do vento, que silvava entre suas folhas e ramos, fazendo parecer que o mundo estava desabando. Entre os ramos, um pássaro, pequeno e indefeso, se escondendo numa pequena greta do tronco. Era muito novo, na sua curta existência não tinham acontecido tantas chuvas, nunca tão fortes quanto aquela.
No chão molhado as folhas caídas formam um tapete que se remexe com o sopro do ar, enquanto uma menina dorme profundamente ao pé da árvore, que a protege um pouco da água inclemente. Seus cabelos pretos, estendidos ao seu redor, se misturam com as folhas, com a água, com a erva, e voam com cada rajada de vento, como se o ar os pegasse com mãos invisíveis e os puxasse suavemente. Seu rosto está parcialmente oculto pelo seu braço, apoiado sobre seus olhos. Seu sono era tão profundo e tranquilo que nem a tormenta conseguia interrompê-lo. As coisas do mundo não a afetavam, nem o grito do vento, nem a árvore curvada, a água gelada ensopando suas pernas, a erva açoitando seu corpo. Mas então, o passarinho piou, um pequeno lamento tímido, que passaria despercebido para qualquer um. Mas a menina ouviu, e acordou, abriu os olhos ao mundo e deu uma espiada ao seu redor. Tinha dormido tanto! Quando deitara o sol ainda brilhava no céu. Agora estava molhada, mas quase não se importou, simplesmente procurou com o olhar, e achou o passarinho. Ela olhou para ele, que a encarou como se entendesse que ela tinha atendido ao seu chamado. Por um momento, foi como se ela tivesse voltado a sonhar: a chuva não molhou mais, o vento silenciou-se, tudo ficou em paz, só estavam no mundo o passarinho de olhos tristes e a menina de vestido roxo.
De repente, o passarinho saiu do seu cantinho, pousou delicadamente no ombro da garota, bicou com suavidade o lóbulo da sua orelha. E ela soube que alguma coisa tinha acontecido, que nunca mais seria a mesma, que o passarinho lhe trouxera o que ela sempre procurara. E ao olhar para ele, percebeu que tinha ido embora, e ela estava voando, com pequenas asas roxas, no meio de um céu de tormenta. Procurou abrigo, esperou o sol mostrar as faces de novo. Ao findar a chuva, ela saiu para o mundo, livre pela primeira vez na vida. Seu sonho tinha virado realidade, ela agora podia voar!