Décimo primeiro andar

Décimo primeiro andar

Eu estava no shopping…não sei porquê. Não sentia como se eu quisesse comprar alguma coisa, muito menos à vontade de procurar por alguém…eu apenas caminhava pelo shopping.

Olho para o meu lado, aquele rapaz falando comigo…não lembrava de estar acompanhado, mas me parecia que aquela conversa já estava andando a um bom tempo e ser algo tão natural. Era um colega de trabalho, alguém meio distante, mas por algum motivo ele estava caminhando comigo no shopping.

Subimos algumas escadarias de mármore, lindas mesmo, até chegarmos a um local com vários elevadores. Embarcamos no primeiro que abriu.

O Elevador era bem espaçoso e iluminado, algo digno de um shopping de alta classe.

- Eu vou ficar no quarto andar, quando acabar me encontra lá – Falou o Rapaz que me acompanhava.

Acenei que sim com a cabeça e apertei o botão do décimo primeiro andar.

Quando as portas do quarto andar se abriram e ele saiu do elevador, uma sensação estranha tomou conta de mim, um medo súbito, aquele andar que se revelou como quarto não pertencia a este prédio… eu sabia que não, podia jurar por toda a minha lucidez que aquele quarto andar pertencia a um prédio onde minha mãe havia trabalhado anos antes.

Quando a porta se fecha outra preocupação toma conta de mim…esse prédio só tem quatro andares, eu sabia que só tinha quatro andares, o painel mostrava 18. Encarava aquele painel velho e coberto de poeira sem entender o que realmente estava acontecendo, eis que o chão range como se estivesse preste a desmoronar. Olho para baixo, o chão do elevador é uma madeira fina e envelhecida, coberta de poeira e já com um pequeno buraco no canto que dá pra olhar o fosso do elevador.

Agora o elevador estava estreito, havia uma pequena janela nele, na qual eu via basculantes passarem lentamente, parecendo que o elevador mal tinha forças para subir os andares, escorei meu pé mais para trás com medo do chão não aguentar meu peso, foi nesse momento que notei que havia um vaso sanitário ali. Por mais que não faça sentido, meu medo não era a mudança do ambiente, que se transformou numa espécie de pequeno banheiro velho de madeira que subia ainda como um elevador, e sim o medo do mesmo cair ou do chão desabar…eis que ele chega.

Pulo para fora rapidamente, eu estava totalmente trêmulo. Realmente eu havia saído de um pequeno banheiro, estava num apartamento velho, todo de madeira, com algumas tábuas faltando no assoalho, janelas com algumas madeiras pregadas, dando para ver a escuridão da rua. Não havia uma única cor presente no recinto…onde diabos eu estava? O que estava acontecendo???

- Bom ver você aqui – diz uma voz feminina

Me viro rapidamente avisto uma mulher trajando um vestido branco, ela caminha tão graciosamente que parece flutuar…ela é pálida como um fantasma…na verdade…parece muito um fantasma. Na mesma hora não me percorre a dúvida de quem seria ela, minha mente diz que eu a conheço e pronto, sem questionar de onde. Mesmo assim ainda toma conta de mim o pensamento que eu tinha que me livrar dela.

- Estranho ver você aqui – Falei

- Eu tava precisando de um pouco de companhia – disse ela sorrindo.

- Onde ficam as escadas – Perguntei dando mais uma olhada para os lados.

Ela se aproxima lentamente de mim, passa a mão em meus cabelos e me diz que não há escadas.

Queria rir dela, mas realmente era essa a verdade…não havia portas…não havia outros cômodos… não havia nenhuma escada.

- Você vai ficar por aqui um pouco? – pergunta ela meio esperançosa.

Eu precisava de uma desculpa, algo gritava dentro de minha mente que não seria legal eu ficar e que queria evitá-la.

- Não vou ficar, preciso descer- respondi.

Ela me olha com surpresa, mas antes mesmo de que ela me diga que não é possível descer, já me vejo golpeando o chão podre no canto que não tem assoalho. Golpeio forte o chão com o pé umas três vezes, até que o mesmo cede e me vejo caindo. Caio de costas para um próximo andar que parece mais distante do que deveria, consigo ver o rosto da mulher do andar de cima ficar preocupada e triste… mas fico aliviado ao ver que consegui me livrar dela.

Caio de costas contra o chão… outro lugar velho assim como o de cima…

O prédio é todo velho, com assoalho de madeira empoeirado. Não quis ver o que havia no andar, só me preocupava em descer mais, senti ao cair que também faltava uma tábua do assoalho nesse andar, já me virei socando o piso para abrir passagem novamente… assim que começou a ceder vi que logo abaixo tinha um senhor de idade naquele piso conversando com seu filho, um rapaz de vinte e poucos anos, ambos olhavam alguma coisa em cima de uma mesa. Me inclinei para ver o que era, mas o piso cedeu, jogando meu corpo contra a mesa.

Levantei em um pulo, tanto o velho como o rapaz não se assustaram com a minha presença. O apartamento deles, apesar da sujeira e de também ser todo de madeira era um pouquinho mais conservado, havia vários sinais de reparos. Uma despensa com uma das portas semi abertas revelava poucas latas de mantimentos. Tirando a mesa, uma pia, e um armário grande de madeira só havia uma lareira com fogo baixo.

- Você está bem rapaz? – pergunta o velho.

- Sim – Respondi me levantando rápido – Preciso descer.

- Sim… Sim… acho que tenho algo para ajudar você – disse o velho.

Ele foi até o grande armário de madeira e começou a procurar algo entre as tralhas que lá haviam. O Rapaz só ficava me olhando um tanto sorridente. Nesse cômodo me sentia mais confortável, e algo naquele velho me prendia…senti uma grande semelhança com ele, como se tivéssemos algo em comum.

- Aqui está – Diz o velho retornando com uma ferramenta similar a um pé de cabra, preso em um pedaço de madeira pouco maior que o de um martelo. Ele larga nas minhas mãos com um sorriso no rosto. De repente ele encara o jovem e toma um tom de frio de deboche.

- Então garoto vamos voltar ao trabalho, temos que ampliar a estrutura - diz o velho chamando o rapaz para perto da mesa. Me virei e vi que em cima dela havia uma espécie de planta, provavelmente do prédio. Havia milhares de salas e incontáveis andares…. Aquilo era fisicamente impossível ao meu ver.

- Filho…não faça perguntas das quais não vai gostar de ouvir a resposta… apenas vá e deixe eu fazer meu trabalho ok? – disse o velho ao me ver analisando o mapa.

Sem pensar duas vezes, cravei a ferramenta no chão e comecei a forçar até arrancar as tábuas. Tanto o velho como o garoto não tiraram os olhos da planta. Assim que abri uma brecha me atirei, dando uma ultima olhada para o velho que virou para mim acenando em despedida.

Caio em um espécie de corredor mal iluminado. Um tapete velho e empoeirado cobre o assoalho. Existem algumas portas ainda no lugar e outras caídas, mas antes que pudesse pensar em quantos quartos haviam ali, avistei a entrada para um lance de escadas bem próximo de mim…agora eu poderia descer.

Desci os lances de escada correndo desesperadamente, eis que em uma das portas que dá para um andar, vejo um pano cor creme de seda que se arrasta das escadarias rumo a porta. Decidi ignorar e descer para o próximo lance…eis que as escadarias se acabam em uma parede…

Parei e dei um longo suspiro de desânimo. Voltei cabisbaixo e segui a porta atrás daquele tecido, cruzo a porta e já avisto o tecido no chão, ele se arrasta até uma mulher…faz parte do vestido dela…um vestido de seda cor creme, com poucos detalhes , que apesar de limpo e aparência de novo não tem a menor elegância.

Ela se aproxima de mim… também tem uma aparência fantasmagórica…cabelos loiros cacheados…ela sussurra em meu ouvido para não acender a luz. Nesse momento pude ver em minha mente que se acendesse a luz ela sairia correndo do mesmo jeito que o diabo corre da cruz. Eu aperto o interruptor e nada acontece … ela apenas sorri.

Eu a sigo até uma espécie de sacada eis que me vêm a ideia de tentar usar meu isqueiro, eu acendo…ela apenas olha pra chama com um pouco de fascínio…enfim…outro vulto que minha agora pouca sanidade diz que não preciso questionar por que eu o conheço.

- A chama dança calmamente…tão serena…mas ainda assim destrutiva - Fiquei encarando a chama do isqueiro…eis que me vem a ideia de acender um cigarro. Puxo um do bolso e o acendo. Ela encara o chão por uns instantes antes de me olhar novamente.

- Então você ainda fuma? – Ela pergunta

- Sim… - falei dando alguns passos em direção a janela

- Você sabe que eu não gosto que você fume…você sabe que perdi meu avô por causa do cigarro. – diz ela se aproximando e apoiando a cabeça em meu ombro.

- Eu preciso descer – Falei antes de dar mais uma tragada.

- Então vai…esse sempre foi você mesmo…uma hora tenho que fazer isso, outra hora tenho que fazer aquilo… enfim, não vou pedir que você fique – Falou ela se afastando uns dois passos e me dando as costas.

- Melhor assim – Falei sem saber a razão

- Mas se eu pedisse…você ficaria? – perguntou ela encarando o chão.

- Não – respondi…nessa hora me senti mal sem saber a razão.

- Então vai… - disse ela.

Joguei o cigarro no chão e pisei em cima dele para apagar. Tomei um fôlego e encarei o chão também…eu queria virar e olhar para ela novamente, mas não o fiz, apenas corri em direção a janela e me joguei.

Caio novamente, só vejo o céu escuro sem nenhuma lua ou estrela…onde eu estou?

Um barulho forte e meu corpo se choca contra o que parece ser uma sacada. Rolo por cima de uns vasos com plantas mortas, caindo de frente para uma porta. Porque diabos eu pensei que poderia pular de uma janela?

Enfim…eu não sentia dor, mas que foi estranho foi. Me levanto e adentro a porta… estou em uma sala com apenas um sofá velho… no chão existem algumas garrafas de bebidas jogadas e várias folhas escritas à mão. Me abaixo para apanhar uma delas…eis que uma voz me surpreende.

- Pra que pegar? Você já sabe o que ta escrito nelas mesmo.

Me viro e vejo um rapaz loiro com cabelos compridos sentado no chão, bem no canto da sala.

- Parou para uma visita? Ainda vê culpa em mim? Ou já ta pronto para me ver como um igual? – pergunta o rapaz se levantando.

Não sei o porquê e nem do que ele falava…mas aquela conversa não me agradava…não tive certeza nenhuma, apenas corri. Tomei o rumo do que parecia ser o corredor, avistei uma placa indicando elevadores, o que me levou a correr ainda mais rápido, eis que paro bruscamente…quase caio no fosso vazio…não existe elevador lá, apenas um buraco escuro…

Nada faz sentido…as informações se chocando, locais alterados…era um sonho e eu precisava acordar. Pulo de costas no fosso do elevador e deixo meu corpo cair…estava na hora de acordar. Eis que me vem que eu já havia sofrido algumas quedas e nenhuma delas mudou minha situação.

Fico com medo…tento me virar…e consigo…bem a tempo de ver o teto do elevador…eu me choco contra ele, o teto não aguenta e caio dentro do elevador…o mesmo que usara para subir, ainda era bonito apesar dos danos que a queda do meu corpo causou.

A porta do elevador se abre e lá está meu colega de trabalho me encarando.

- E então? Terminou? – pergunta ele

- Sim – respondi

-Que estranho, pra mim parece que você desabou meu amigo – disse ele me ajudando a levantar.

- É … eu sei. – falei cabisbaixo

- Você viu a sujeira e a velharia lá em cima? Por quanto tempo você ainda vai querer manter tudo isso de pé?

Não respondi, apenas fiquei pensando…ali que deveria estar o sentido disso tudo.

Abro os olhos…estou na minha cama…Hora de levantar e encarar mais uma rotina de trabalho.

Jonas Tiago Silveira
Enviado por Jonas Tiago Silveira em 01/01/2012
Reeditado em 05/05/2021
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