O ÚLTIMO DIA
Totonho acordou ainda de madrugada como fazia todo santo dia, mas naquela manhã alguma coisa estava errada, só não atinava o quê. Após espreguiçar e bocejar um par de vezes, calçou as botinas embarreadas que também pareciam bocejar com suas bocarras escancaradas e imensas línguas dependuradas, ambas descansavam junto ao tronco de imbuia ensebado que sustentava uma das pontas da rede onde Totonho dormira, a outra ponta prendia-se a um gancho de metal enferrujado pregado ao batente da porta de taboas que dava para o terreiro no fundo do rancho.
Junto ao fogão de lenha, assoprou com força o borralho, levantando uma nuvem de cinzas e avermelhando algumas brasas que restavam de véspera. Depois de ajeitar novos gravetos e novo assopro o fogo começou a crepitar clareando o aposento como se o sol da manhã raiasse. Lá fora persistia a noite.
O matuto espiou pela fresta da porta e nada, o escuro dominava. Não raiava a aurora. Nosso cismado personagem se acocorou ao pé do fogão e pacenciosamente pôs-se a enrolar um desajeitado cigarro de palha que mecanicamente passava pela língua para lhe dar forma. Cigarro aceso com tição retirado do braseiro desprendeu generoso rolo de fumaça e o cheiro picante adocicado do fumo em corda encheu o ar zonzeando o dono de tão profundo trago. Já se passara mais de hora e meia e continuava o escuro da madrugada. Nada de clarear... O que estava acontecendo? A angustia e a cisma de nosso pobre homem parecia não ter fim. Não via a hora de ir ao terreiro dar milho às galinhas, apanhar algum ovo botado durante a noite, levar a lavagem ao chiqueiro, soltar a velha vaca mocha no pasto, enfim, começar a lida do dia. Mas qual, não clareava. Coisa estranha!
Na caneca feita de lata de óleo, colocou um punhado de farinha de milho e por cima deitou boa quantidade de café comprido, adoçado com rapadura e tirado do bule que dormia desde o dia anterior sobre a chapa de ferro fundido do fogareiro. Engoliu a mistura tão apreciada que nesse dia parecia não ter gosto algum. A aflição era maior, nada de clarear.
Deitou-se novamente na rede. Não se conformava, cadê o dia? Quase adormeceu nesse pensar, sentiu que flutuava, parecia voar como o gavião que tantas vezes vira passar por sobre os arvoredos na beira do riacho ou por cima do paiol de milho. Nesse torpor abriu os olhos lentamente e percebeu que deslizava pela rua. Mais estranho ainda, estava de terno e ajeitado dentro da rede que era sustentada por um varão apoiado ao ombro do compadre Ezequiel que seguia a sua frente, na outra ponta do varão seu fiel companheiro de inúmeras caçadas e pescarias. A mulher seguia ao lado, toda de preto arrastando pelas mãos os filhos pequenos. Um bando de gente entoando ladainhas seguia o cortejo, até o velho sabujo seguia adiante. No fim da rua o cemitério, na cabeça de Totonho um só pensamento. Arre! Por que não começa esse dia?
Totonho acordou ainda de madrugada como fazia todo santo dia, mas naquela manhã alguma coisa estava errada, só não atinava o quê. Após espreguiçar e bocejar um par de vezes, calçou as botinas embarreadas que também pareciam bocejar com suas bocarras escancaradas e imensas línguas dependuradas, ambas descansavam junto ao tronco de imbuia ensebado que sustentava uma das pontas da rede onde Totonho dormira, a outra ponta prendia-se a um gancho de metal enferrujado pregado ao batente da porta de taboas que dava para o terreiro no fundo do rancho.
Junto ao fogão de lenha, assoprou com força o borralho, levantando uma nuvem de cinzas e avermelhando algumas brasas que restavam de véspera. Depois de ajeitar novos gravetos e novo assopro o fogo começou a crepitar clareando o aposento como se o sol da manhã raiasse. Lá fora persistia a noite.
O matuto espiou pela fresta da porta e nada, o escuro dominava. Não raiava a aurora. Nosso cismado personagem se acocorou ao pé do fogão e pacenciosamente pôs-se a enrolar um desajeitado cigarro de palha que mecanicamente passava pela língua para lhe dar forma. Cigarro aceso com tição retirado do braseiro desprendeu generoso rolo de fumaça e o cheiro picante adocicado do fumo em corda encheu o ar zonzeando o dono de tão profundo trago. Já se passara mais de hora e meia e continuava o escuro da madrugada. Nada de clarear... O que estava acontecendo? A angustia e a cisma de nosso pobre homem parecia não ter fim. Não via a hora de ir ao terreiro dar milho às galinhas, apanhar algum ovo botado durante a noite, levar a lavagem ao chiqueiro, soltar a velha vaca mocha no pasto, enfim, começar a lida do dia. Mas qual, não clareava. Coisa estranha!
Na caneca feita de lata de óleo, colocou um punhado de farinha de milho e por cima deitou boa quantidade de café comprido, adoçado com rapadura e tirado do bule que dormia desde o dia anterior sobre a chapa de ferro fundido do fogareiro. Engoliu a mistura tão apreciada que nesse dia parecia não ter gosto algum. A aflição era maior, nada de clarear.
Deitou-se novamente na rede. Não se conformava, cadê o dia? Quase adormeceu nesse pensar, sentiu que flutuava, parecia voar como o gavião que tantas vezes vira passar por sobre os arvoredos na beira do riacho ou por cima do paiol de milho. Nesse torpor abriu os olhos lentamente e percebeu que deslizava pela rua. Mais estranho ainda, estava de terno e ajeitado dentro da rede que era sustentada por um varão apoiado ao ombro do compadre Ezequiel que seguia a sua frente, na outra ponta do varão seu fiel companheiro de inúmeras caçadas e pescarias. A mulher seguia ao lado, toda de preto arrastando pelas mãos os filhos pequenos. Um bando de gente entoando ladainhas seguia o cortejo, até o velho sabujo seguia adiante. No fim da rua o cemitério, na cabeça de Totonho um só pensamento. Arre! Por que não começa esse dia?