JAMBOLÃO... NUNCA MAIS...
Corre, lá pelas bandas do litoral sul de São Paulo, uma história de origem indígena sobre uma árvore abundante na mata Atlântica que, segundo a crença dos antigos Tupiniquins que habitavam a região, era tiro e queda no tratamento de inúmeras doenças. Numa versão mais moderna dada pelos caiçaras de Peruíbe, os frutos e, a efusão das folhas dessa árvore controla de maneira significativa os sintomas da ‘diabetes’.
Não sei até onde vai o mito ou a realidade.
A verdade é que em Barra do Una, reserva ecológica da Juréia, existe uma enormidade dessas árvores. Pés de jambolão frutificam em todos os quintais e pelas encostas do Maciço de Itatins. Pensou então o Zico, dono do boteco – “Um punhado desse troço na cachaça deve de dá bom resultado”. E pinchou jambolão na “marvada”. O resto foi só conseqüência. O que ocorreu é conforme segue:
Reserva ecológica da Juréia, litoral de São Paulo. O cenário da grande batalha se descortinava esplêndido para quem galgando a serra do Guaraú, mirasse a grande planície formada pelo rio Una do Prelado. O sinuoso rio deslizava macio e sonolento em meio à imensa mata dos manguezais que formava. Ao final desembocava no imponente e azul Atlântico enriquecendo suas águas de vida e esperanças.
Era tarde da noite e, diga-se de passagem, uma noite especialmente negra. Própria para uma batalha entre aquelas criaturas que habitam os recantos mais sombrios dos mangues e da mente humana. De um dos lados, com o olhar em chamas e cuspindo labaredas, Boitatá urrava proclamando sua majestade sobre as negras e profundas sendas da floresta que formavam seu reino, desde o sopé da serra até a boca do oceano que engolia as águas turvas do rio.
Seu oponente, Curupira, não menos irado, bramia enfurecido aos quatro ventos que zuniam ensurdecedores em silvos lamuriantes, erguendo quase ao firmamento ondas que estalavam de encontro aos rochedos em chicotadas alucinantes, reclamando sua parte desse reinado.
Na extremidade oposta da praia, sobre o costão de pedras que se debruçava sobre o mar, espreitava o Cão do Demo, aquele que guarda as portas do inferno. Ali postado com os olhos flamejantes e a baba escorrendo entre os caninos arreganhados, aguardava o desfecho da batalha para arrastar até as profundezas os despojos do derrotado e, lá, ter o seu banquete funesto.
Decididamente aquela não era uma noite comum.
Seu Vitôr abriu os olhos vagarosamente receando pelo que iria ver. O pescador dormia anestesiado pela cachaça no fundo do pequeno barco que boiava em meio ao rio preso à margem por uma velha corda que retesada pela correnteza, estava a ponto de se partir.
O velho caboclo tiritando de frio e pavor iniciou uma reza que aprendera com antigos pajés dos Tupiniquins que habitavam as margens do Prelado em tempos passados. A embarcação rodopiava qual folha seca ao vento sendo, ora arremessada para as margens, ora girando feito pião no centro da correnteza.
Vitôr não atinava mais se aquilo era vento, maré subindo e descendo, zonzeira de fome, bruxaria ou bebedeira das bravas. O certo é que o velho pescador estirado no fundo da embarcação rezava, xingava, enjoava, pedia perdão, gritava por socorro, fazia promessa...
O vento em rajadas enfurecidas retorcia árvores, arrancava galhos, formava rodamoinhos de areia e encrespava as negras águas do manguezal. Relâmpagos e trovões despejavam raios gigantescos que rasgavam a escuridão num estrondoso espetáculo de fúria e pavor.
Boitatá serpenteando entre labaredas e urros ensurdecedores, se atracava ferozmente com Curupira que, pelas imensas ventas, lançava medonhas baforadas de vento flamejante e putrefato, impregnando as mais profundas gretas da floresta.
O Cão do Demo uivava alucinado antevendo o farto banquete de destroços que o vencedor jogaria aos seus pés.
Os caiçaras da vila pareciam petrificados. Não atreviam sequer um olhar pela fresta da porta ou das janelas, tamanho o pavor que sentiam. Nem orações atreveram-se a começar. Tinham medo que o tinhoso ficasse ainda mais enfurecido.
Em meio à tormenta só restara seu Vitôr que a esta altura enroscado às redes de pesca jazia desacordado no fundo do barco que sabe lá Deus como, foi parar embaixo do imenso pé de jambolão na margem do rio, ao lado do portinho, onde se atracam as embarcações de pesca.
Tão rápido como tudo havia começado, acabou. A madrugada foi abruptamente interrompida pelo sol que raiando no horizonte estendia sua imensa cabeleira dourada sobre o oceano, expulsando com sua majestade as sombras da noite e seus funestos guerreiros. Boitatá esgueirou-se pela floresta e sumiu entre as rochas no pé da serra. Curupira afundou nas águas do Una e no lodaçal do mangue desapareceu. O Cão do Demo foi destroçado pelas ondas que arrebentando contra as cracas dos rochedos o reduziram a pedaços, arrastando seus despojos às profundezas do inferno.
Seu Vitôr a custo livrou-se das redes e do galho de jambolão onde acordara empoleirado e sem uma só palavra correu para o boteco do Zico.
- Bom dia, seu Vitôr. – Cumprimentou o Zico.
Vitôr nada respondeu. Invadiu o balcão pegou um garrafão de cachaça que Zico havia “batizado” com um punhado de frutos do jambolão e espatifou o vasilhame na calçada de pedras. Em seguida afastou-se da birosca deixando a todos boquiabertos. Pelo caminho entre sinais da cruz e tropeções o assustado sobrevivente resmungava:
- Onde se viu. Cachaça com jambolão? Nunca mais... Nunca mais...
Corre, lá pelas bandas do litoral sul de São Paulo, uma história de origem indígena sobre uma árvore abundante na mata Atlântica que, segundo a crença dos antigos Tupiniquins que habitavam a região, era tiro e queda no tratamento de inúmeras doenças. Numa versão mais moderna dada pelos caiçaras de Peruíbe, os frutos e, a efusão das folhas dessa árvore controla de maneira significativa os sintomas da ‘diabetes’.
Não sei até onde vai o mito ou a realidade.
A verdade é que em Barra do Una, reserva ecológica da Juréia, existe uma enormidade dessas árvores. Pés de jambolão frutificam em todos os quintais e pelas encostas do Maciço de Itatins. Pensou então o Zico, dono do boteco – “Um punhado desse troço na cachaça deve de dá bom resultado”. E pinchou jambolão na “marvada”. O resto foi só conseqüência. O que ocorreu é conforme segue:
Reserva ecológica da Juréia, litoral de São Paulo. O cenário da grande batalha se descortinava esplêndido para quem galgando a serra do Guaraú, mirasse a grande planície formada pelo rio Una do Prelado. O sinuoso rio deslizava macio e sonolento em meio à imensa mata dos manguezais que formava. Ao final desembocava no imponente e azul Atlântico enriquecendo suas águas de vida e esperanças.
Era tarde da noite e, diga-se de passagem, uma noite especialmente negra. Própria para uma batalha entre aquelas criaturas que habitam os recantos mais sombrios dos mangues e da mente humana. De um dos lados, com o olhar em chamas e cuspindo labaredas, Boitatá urrava proclamando sua majestade sobre as negras e profundas sendas da floresta que formavam seu reino, desde o sopé da serra até a boca do oceano que engolia as águas turvas do rio.
Seu oponente, Curupira, não menos irado, bramia enfurecido aos quatro ventos que zuniam ensurdecedores em silvos lamuriantes, erguendo quase ao firmamento ondas que estalavam de encontro aos rochedos em chicotadas alucinantes, reclamando sua parte desse reinado.
Na extremidade oposta da praia, sobre o costão de pedras que se debruçava sobre o mar, espreitava o Cão do Demo, aquele que guarda as portas do inferno. Ali postado com os olhos flamejantes e a baba escorrendo entre os caninos arreganhados, aguardava o desfecho da batalha para arrastar até as profundezas os despojos do derrotado e, lá, ter o seu banquete funesto.
Decididamente aquela não era uma noite comum.
Seu Vitôr abriu os olhos vagarosamente receando pelo que iria ver. O pescador dormia anestesiado pela cachaça no fundo do pequeno barco que boiava em meio ao rio preso à margem por uma velha corda que retesada pela correnteza, estava a ponto de se partir.
O velho caboclo tiritando de frio e pavor iniciou uma reza que aprendera com antigos pajés dos Tupiniquins que habitavam as margens do Prelado em tempos passados. A embarcação rodopiava qual folha seca ao vento sendo, ora arremessada para as margens, ora girando feito pião no centro da correnteza.
Vitôr não atinava mais se aquilo era vento, maré subindo e descendo, zonzeira de fome, bruxaria ou bebedeira das bravas. O certo é que o velho pescador estirado no fundo da embarcação rezava, xingava, enjoava, pedia perdão, gritava por socorro, fazia promessa...
O vento em rajadas enfurecidas retorcia árvores, arrancava galhos, formava rodamoinhos de areia e encrespava as negras águas do manguezal. Relâmpagos e trovões despejavam raios gigantescos que rasgavam a escuridão num estrondoso espetáculo de fúria e pavor.
Boitatá serpenteando entre labaredas e urros ensurdecedores, se atracava ferozmente com Curupira que, pelas imensas ventas, lançava medonhas baforadas de vento flamejante e putrefato, impregnando as mais profundas gretas da floresta.
O Cão do Demo uivava alucinado antevendo o farto banquete de destroços que o vencedor jogaria aos seus pés.
Os caiçaras da vila pareciam petrificados. Não atreviam sequer um olhar pela fresta da porta ou das janelas, tamanho o pavor que sentiam. Nem orações atreveram-se a começar. Tinham medo que o tinhoso ficasse ainda mais enfurecido.
Em meio à tormenta só restara seu Vitôr que a esta altura enroscado às redes de pesca jazia desacordado no fundo do barco que sabe lá Deus como, foi parar embaixo do imenso pé de jambolão na margem do rio, ao lado do portinho, onde se atracam as embarcações de pesca.
Tão rápido como tudo havia começado, acabou. A madrugada foi abruptamente interrompida pelo sol que raiando no horizonte estendia sua imensa cabeleira dourada sobre o oceano, expulsando com sua majestade as sombras da noite e seus funestos guerreiros. Boitatá esgueirou-se pela floresta e sumiu entre as rochas no pé da serra. Curupira afundou nas águas do Una e no lodaçal do mangue desapareceu. O Cão do Demo foi destroçado pelas ondas que arrebentando contra as cracas dos rochedos o reduziram a pedaços, arrastando seus despojos às profundezas do inferno.
Seu Vitôr a custo livrou-se das redes e do galho de jambolão onde acordara empoleirado e sem uma só palavra correu para o boteco do Zico.
- Bom dia, seu Vitôr. – Cumprimentou o Zico.
Vitôr nada respondeu. Invadiu o balcão pegou um garrafão de cachaça que Zico havia “batizado” com um punhado de frutos do jambolão e espatifou o vasilhame na calçada de pedras. Em seguida afastou-se da birosca deixando a todos boquiabertos. Pelo caminho entre sinais da cruz e tropeções o assustado sobrevivente resmungava:
- Onde se viu. Cachaça com jambolão? Nunca mais... Nunca mais...