HISTÓRIA SEM CABEÇA
HISTÓRIA SEM CABEÇA
Rosaldo trancou a porteira, deu uma sacudida na corrente, para certificar-se de que o cadeado ficara bem preso. Apanhou o bornal que descansava sobre o mourão da cerca, aprumou o lenço em torno do pescoço encobrindo antiga cicatriz e assoviou para Jaleco um cão pastor alemão que sempre o acompanhava nos trabalhos da fazenda. Cachorro incansável no pastoreio, valente na defesa dos bezerros e excelente farejador dos desgarrados. Chegou, em certa feita, a matar uma jararaca e por outra pra correr, digo, rastejar para bem longe do curral e nunca mais aparecer por aquelas bandas. O cão era fiel e grande companheiro do peão.
A caminho de casa, Rosaldo fincava as esporas nas virilhas da égua Carmela. Estava com pressa, o sol começava a deitar-se por detrás da serra e ele não queria passar pelo Cruzeiro com a noite já estabelecida, principalmente em sendo Semana Santa.
Sem tino que possa explicar o porquê e desavisadamente um vento morno de chuva de verão soprou vigoroso, lançando para longe o chapéu do cavaleiro. Um arrepio desceu pela espinha de Rosaldo e se propagou pelas vértebras da égua que chegou a empinar o rabo de crina grossa e pesada. Jaleco uivou desconfiado e saiu em busca da cobertura de seu dono.
Foram poucos minutos para o cão retornar com o chapéu e devolve-lo a seu companheiro. O cão foi rápido, porém, a boca da noite aproveitando-se da distração de ambos acabara de engolir o dia. Pior. O Cruzeiro Das Almas estava logo adiante, poucos metros após a curva da estrada.
Quantas histórias corriam na redondeza sobre os motivos que levaram o Coronel Badaró, que acabara de enviuvar, a ter mandado erguer um Cruzeiro Das Almas, ali na curva da estrada que ligava a velha fazenda Boa Ventura ao vilarejo de Natividade da Serra.
Jagunços, numa tocaia, haviam decapitado o amante da esposa do coronel, diziam os mais velhos... Qual? Foi suicídio de um peão por amor à filha de Badaró, afirmavam as beatas da capela de Nossa Senhora da Natividade ao que Padre Gino ralhava severamente afirmando não gostar nenhum pouco desses mexericos, e que com os desígnios do Senhor não se deve brincar...
O certo é que Rosaldo titubeava entre seguir em frente ou atalhar pelo capoeirão da Onça nas cercanias do rio Paraibuna. Caso optasse pelo caminho do rio seria um estirão de mais de dez léguas o que atrasaria sua chegada em casa em mais de hora e meia. Foi pelo Cruzeiro... Afinal, Jaleco lhe fazia companhia, era bom farejador e qualquer coisa daria sinal...
A égua Carmela seguia sem muita firmeza. O escuro não lhe fazia bem, era muito velha e seus instintos não estavam mais tão aguçados. Jaleco, orelhas em pé, seguia firme, não desgrudava o olhar da estrada, por vezes parava a ouvir e só então olhava rápido para seu dono esperando a ordem de seguir.
Os três: cavaleiro, montaria e cão superaram a subida da serrinha e entraram na curva, lá estava o Cruzeiro Das Almas, rodeado de velas apagadas e guirlandas de flores de plástico enegrecidas pelo tempo. Os viajantes qual sombras esgueirando-se pelas fendas da noite num cortejo arrepiante estancaram diante da cruz, Rosaldo apeou da égua, se benzeu e aproximou-se dos restos de fotos pregadas no madeiro. Reconheceu Jaleco em uma delas, na outra teve a impressão de ser Carmela, só não atinava com o cavaleiro, a foto estava muito rasgada e faltava a cabeça. Novo arrepio desceu pelas vértebras do peão. Carmela resfolegou assustada, Jaleco rosnou erguendo as orelhas. O vento assoviou nervoso lançando longe uma das flores ensebadas. As velas foram ganhando chamas e ardiam ao pé do Cruzeiro, Rosaldo tornou a se benzer, montou ligeiro na égua e os três seguiram viajem. Mesmo antes de terminada a Ave Maria o lenço do pescoço encharcara-se de sangue...
Rosaldo trancou a porteira, deu uma sacudida na corrente, para certificar-se de que o cadeado ficara bem preso...
HISTÓRIA SEM CABEÇA
Rosaldo trancou a porteira, deu uma sacudida na corrente, para certificar-se de que o cadeado ficara bem preso. Apanhou o bornal que descansava sobre o mourão da cerca, aprumou o lenço em torno do pescoço encobrindo antiga cicatriz e assoviou para Jaleco um cão pastor alemão que sempre o acompanhava nos trabalhos da fazenda. Cachorro incansável no pastoreio, valente na defesa dos bezerros e excelente farejador dos desgarrados. Chegou, em certa feita, a matar uma jararaca e por outra pra correr, digo, rastejar para bem longe do curral e nunca mais aparecer por aquelas bandas. O cão era fiel e grande companheiro do peão.
A caminho de casa, Rosaldo fincava as esporas nas virilhas da égua Carmela. Estava com pressa, o sol começava a deitar-se por detrás da serra e ele não queria passar pelo Cruzeiro com a noite já estabelecida, principalmente em sendo Semana Santa.
Sem tino que possa explicar o porquê e desavisadamente um vento morno de chuva de verão soprou vigoroso, lançando para longe o chapéu do cavaleiro. Um arrepio desceu pela espinha de Rosaldo e se propagou pelas vértebras da égua que chegou a empinar o rabo de crina grossa e pesada. Jaleco uivou desconfiado e saiu em busca da cobertura de seu dono.
Foram poucos minutos para o cão retornar com o chapéu e devolve-lo a seu companheiro. O cão foi rápido, porém, a boca da noite aproveitando-se da distração de ambos acabara de engolir o dia. Pior. O Cruzeiro Das Almas estava logo adiante, poucos metros após a curva da estrada.
Quantas histórias corriam na redondeza sobre os motivos que levaram o Coronel Badaró, que acabara de enviuvar, a ter mandado erguer um Cruzeiro Das Almas, ali na curva da estrada que ligava a velha fazenda Boa Ventura ao vilarejo de Natividade da Serra.
Jagunços, numa tocaia, haviam decapitado o amante da esposa do coronel, diziam os mais velhos... Qual? Foi suicídio de um peão por amor à filha de Badaró, afirmavam as beatas da capela de Nossa Senhora da Natividade ao que Padre Gino ralhava severamente afirmando não gostar nenhum pouco desses mexericos, e que com os desígnios do Senhor não se deve brincar...
O certo é que Rosaldo titubeava entre seguir em frente ou atalhar pelo capoeirão da Onça nas cercanias do rio Paraibuna. Caso optasse pelo caminho do rio seria um estirão de mais de dez léguas o que atrasaria sua chegada em casa em mais de hora e meia. Foi pelo Cruzeiro... Afinal, Jaleco lhe fazia companhia, era bom farejador e qualquer coisa daria sinal...
A égua Carmela seguia sem muita firmeza. O escuro não lhe fazia bem, era muito velha e seus instintos não estavam mais tão aguçados. Jaleco, orelhas em pé, seguia firme, não desgrudava o olhar da estrada, por vezes parava a ouvir e só então olhava rápido para seu dono esperando a ordem de seguir.
Os três: cavaleiro, montaria e cão superaram a subida da serrinha e entraram na curva, lá estava o Cruzeiro Das Almas, rodeado de velas apagadas e guirlandas de flores de plástico enegrecidas pelo tempo. Os viajantes qual sombras esgueirando-se pelas fendas da noite num cortejo arrepiante estancaram diante da cruz, Rosaldo apeou da égua, se benzeu e aproximou-se dos restos de fotos pregadas no madeiro. Reconheceu Jaleco em uma delas, na outra teve a impressão de ser Carmela, só não atinava com o cavaleiro, a foto estava muito rasgada e faltava a cabeça. Novo arrepio desceu pelas vértebras do peão. Carmela resfolegou assustada, Jaleco rosnou erguendo as orelhas. O vento assoviou nervoso lançando longe uma das flores ensebadas. As velas foram ganhando chamas e ardiam ao pé do Cruzeiro, Rosaldo tornou a se benzer, montou ligeiro na égua e os três seguiram viajem. Mesmo antes de terminada a Ave Maria o lenço do pescoço encharcara-se de sangue...
Rosaldo trancou a porteira, deu uma sacudida na corrente, para certificar-se de que o cadeado ficara bem preso...