OConselho da Morte
Ontem pensei em suicídio. Experimentar o silêncio de uma transição insólita, vagar por mundos que conhecemos nos melhores sonhos, ou nas tormentas dos maiores pesadelos. Fiquei olhando as pessoas andarem sem preocupações aparentes enquanto meu cérebro tentava decodificar pensamentos. Algumas pessoas faziam gestos com as mãos outras com a cabeça, que falta fazemos aqui neste plano? Todas com suas tarefas normais, suas idas quase sempre tão próximas, porém muito longe da realidade da minha cabeça que queria entender o que não devia ser entendido. Imaginei o féretro coberto com flores, minha cara sem expressão e um cheiro insuportável de velas impregnando o ar. As flores muito coloridas fediam a morte que já era meu estado. Tive o prazer masoquista de observar o rosto de cada pessoa olhando minha face paralítica e fazendo os comentários que eu sempre fiz, choros, e risos vindo do lado externo. Chamou-me atenção aquela algazarra mas alguma coisa não me deixava sair dali, um apego mórbido, uma sensação de insegurança como se eu naquele estado invisível e meu corpo estático no centro daquela sala, fossemos parceiros e estivéssemos um a proteger o outro. Quando a tarde foi se esgotando me veio a frase de Godofredo Guedes que vira em alguma praça que não recordei onde, “quando a tarde vai morrendo me dá vontade de chorar”. Não chorei, senti que alguma coisa dura ocupava meu interior como se fosse uma contenção involuntária da minha sensibilidade, que sempre pulsou a flor da pele. A noite um grupo de pessoas com que traziam o cheiro de “flor-de-boa-noite” chegaram cantando algumas canções que sempre apreciei, dentre elas o sonho de Icaro e Rosas de Hiroshima. Curioso que enquanto os lamentos aumentavam em volta do meu cadáver, aquele grupo aumentava o coro das vozes, justamente nas que o mais gostava. Estas pessoas que eu apenas sentia a presença do lado de fora adentraram com suas alegrias que também era minha. Interessante é que aquelas que choravam em volta do caixão eu passava feito luz em meio delas , enquanto as outras eu as pude tocar e sentir uma incrível normalidade. Meu interior se alegrou um pouco mais e meu olhar que estava preso ao corpo inerte, se desviou e foi cantar no meu próprio velório. As sensações que outrora mexiam com minha memória, voltaram sutilmente quando muitos daqueles rostos não me eram estranhos. Sabia que em algum lugar já havia estado com aquelas pessoas que pareciam foliões de excursão. Sentado no mesmo lugar voltei a pensar no suicídio desta vez com bastante convicção, virei então para o meu amigo que me pedia opinião e disse a ele que se mate.