AMOR E MALDIÇÃO
Cresci ouvindo os ensinamentos do mestre que pensava antes de falar, era um homem bonito e sem vaidade, sorria sempre e deixava a paz de sua alma inebriar a todos que o buscavam para se aconselharem, ou mesmo para ficar ali ouvindo suas belas histórias de sabedoria.
Eu sempre anotava num livro chamado o cálice de ouro, tudo que ele dizia de mais importante, não sabendo como escolher palavras mais belas e verdadeiras.
O livro tinha este nome por conter a bebida, que dava a alma vida e sabedoria.
Com o passar dos anos ele tornou a cobiça dos mais ilustres homens do reino das águas puras.
Este livro eu guardava sem medo no meu aposento simples como tudo que me cercava.
O mestre sabendo do meu amor por tais escritos me deu um animal de estimação como nossos cachorrinhos hoje. Era um animal de aparência sinistra para quem via e desejava o mal e de boa aparência para os de bom coração. Eu o chamava de dragam e ele nunca me deixava só. Apenas me esperava na porta da sagrada tenda do mestre. Ali dragam não precisava me proteger de ninguém. A presença do mestre me abençoava e eu absorvia somente a sabedoria e bondade de suas mensagens.
Todos os dias, tardes, noites de vigias eu o acompanhava e o respeitava com amor inocente e dedicação de filha.
Mestre pensador como o chamava, tinha muita confiança em minha pessoa e via minha alma linda sorrir.
Nunca ocupei lugar especial na sua presença enquanto outros o ouviam, mas ele me sentia a distancia e mesmo de olhos fechados indicava na minha direção me chamando quando precisava de meus serviços como escrivã.
Minha pele era vistosa e aveludada como rosa,eu via meu corpo nas águas onde me banhava com dragam meu fiel animal.
No dia a dia vestia-me de vestes simplese nunca ninguém
viu meu corpo nu.
Poderia ser uma mulher ideal para qualquer dos homens ali do reino das águas puras, mas decidi seguir o mestre e ser uma sacerdotisa, queria escrever as sabedorias do nosso mestre para que o mundo pudesse pelo menos imaginar o que era a sabedoria deste homem.
O ciclo da lua estava para mudar de cheia para minguante e sai para ver pela ultima vez a lua cheia que parecia maior que a terra brilhando e me mostrar à mulher que sou nas águas do rio.
Banhei-me com alegria e passei levemente as mãos pelo meu corpo e senti prazer num arrepio de doer e gemer.
Dragam afastou-se de mim quando deixei gruir meus lábios de prazer; toda minha carne estremeceu e me senti desprotegida, o medo me apavorou e senti que algo ruim ia acontecer. A mulher no leito do rio tinha um olhar malicioso e não poderia ser eu.
Não dormi aquela noite e pela manhã levantei e vesti minhas vestes simples e cobri meus cabelos para ir até o mestre e fazer o que sempre fazia receber seus amigos e guardar no cálice de ouro suas palavras de sabedoria.
Fique no meio do povo como sempre e quando eles saíram sai também sem dizer uma palavra ao mestre. Mas ele me sentiu e chamou:
_ Safira, volte, aproxime-se de mim.
¬_Sim mestre.
Sem ousar olhar em seus olhos eu me aproximei dele, ele me via até de olhos fechados, como esconder dele o que aconteceu ontem? Queria morrer e sabia que estava perto meu fim, eu senti-me mulher e pensei no mestre com prazer carnal.
_Safira minha jovem e hora de você partir e partir meu coração.
Engasgada com lagrimas apenas reclinei mais a cabeça e preparei para ouvir o que ele tinha a declarar.
_Parta enquanto pode salvar sua vida e cuida do seu tesouro querida, o cálice de ouro é seu por direito.
Quando tentei olhar para ele, já estava de costas para mim. Caminhei lentamente pensando se algo poderia mudar, mas nada muda o destino.
O mestre que pensa disse entre lágrimas quando me sentiu na saída do templo:
_ Seja forte safira, enfrenta seu destino e nunca se esqueça de quem é.
Sai correndo e entrei no meu aposento simples pensando no que levar, nada eu tinha nada, apenas minha mente lúcida e um livro de sabedorias que eu preferia esquecer para sempre.
O que me adiantou tanto zelo e sabedoria se meu amor era pecado?
Agarrei o livro e o escondi nas minhas vestes.
-Dragam, não precisa vim amigo.
Ele rosnou e me seguiu até o penhasco que subi por toda noite.
As ondas batiam contra as pedras em fúrias e desejei suicidar-me levando a sabedoria comigo.
Virei para despedir-me de dragam e escorreguei em musgos, chorei ao sentir o fim e a covardia apoderar-se de mim.
A lua ainda clareava a terra e via uma fresta na pedra onde coloquei o cálice de ouro, ajeitei com cuidado com mais pedras pequenas e pedregulhos. Logo o musgo o cobriria e quem fosse merecedor de tais sabedorias que o achassem.
Ao virar-me senti uma leve tonteira pela falta de alimentação e cai rolando sem conseguir parar. Bati em pedras que feriram minhas pernas e braços e devo ter desmaiado antes mesmo de cair na areia da praia coberta de conchas.
_Safira?
Acordei como que de um pesadelo, quem dera fosse um pesadelo mesmo. Diante de mim estava Jamil um dos seguidores do mestre. Um jovem da minha idade que tinha um caráter irrepreensível. Pensei que o mestre tinha mandado me chamar. Mas não. Não era um chamado e sim um aviso. Jamil disse:
_Não fuja do seu destino safira! Venha comigo, precisa se limpar e trocar de vestes.
_Sim
_Todos já sabem que o cálice de ouro sumiu e você também.
_Mas o mestre me disse...
_Não fuja do seu destino Safira, só isto eu devo saber.
Chorei e sai correndo de Jamil, eu ia dar cabo de minha vida, como o mestre pode me abandonar assim, que destino maldito é este?
Quanto mais eu caminhava, mais a multidão crescia e o murmúrio das vozes ia alto e o pavor se apoderou de mim.
Apressei os passos esperando o pior e eles fizeram o mesmo.
Corri, corri e corri e nada adiantou, estava eu diante do povo de vestes brancas simples e outros de vestes de cor, quem eram eles eu não sei, mas me perseguiam com injurias e maldições. iam me matar, iam sim.
Agora cheguei ao fim da estrada, de um lado o povo influenciado por boatos que não buscaram confirmar e mais adiante o mar bravo buscando o que tragar.
Parei e vi um homem numa embarcação pequena. As ondas nos meus olhos marejados de lágrimas pareciam laminas cortantes e pensei que ia desfalecer ali.
Olhei para o homem na embarcação e queria ver o mestre ali. Apenas um acenar de cabeça em negativa ele fez. Não era o mestre, mas aquele homem dizia com seu gesto:
_Safira não fuja do seu destino!
Levantei a cabeça e segui meu caminho sem medo e sem culpa. Nenhum deles sabia a minha verdade, a verdade do meu coração. Eu estava amando um homem intocável que daria a vida pelos seus, o mestre jamais ia me tocar e nem trocar seu povo por mim. Ele tinha uma missão e eu um destino triste.
Passei por todos eles me olhando e alguns murmuravam ainda injurias sem sabedoria e outros simplesmente baixavam a cabeça como se soubessem quem eu realmente era. Uma mulher muito especial.
Ainda mais cansada e triste estendi as mãos para Jamil e deixei que cuidasse de mim.
Lavei-me com águas aromáticas que ele preparou e me deu algo estranho para vestir. Uma roupa de guerreira. Fiquei seminua e ri para minha figura na água, meu cabelo secou ao sol e parecia outra pessoa.
_Seu destino Safira, chamará agora Sofia e levará esta espada com você. Guardará a entrada do caminho para o reino das águas, você é a dona do coração do mestre e ninguém chegará até a ele para roubar seu coração. Depende de você a vida dele. Não se preocupe guerreira dragam nunca mais será visto por olhos humanos, mas jamais te abandonará. Será intocada.
Vivi assim por anos até que me deitei como mulher com Jamil e o fiz homem como ele me fez mulher. Nesta noite enluarada vi o vulto de um homem se aproximando e gelei o coração.
Era o mestre, sempre soube que eu estava ali, Jamil disse que ele tinha mostrado a todos minhas vestes rasgadas e sujas de sangue, depois queimou diante de todos e disse:
_ Ninguém ouse nem em pensamento perguntar o destino dela.
Agora ele gritou uma maldição para mim:
_Maldita Sofia! Por se entregar aos prazeres com quem nunca amou nunca verá a semente de seu ventre.
Assim me tornei estéril para sempre e Jamil meu guardião. Nunca neguei carinho a ele, por vezes implorei carícias e ele me negou.
Jamil me fez sofrer por conhecer somente meu coração humano e o mestre minha alma.
Ainda ando pelo caminho do destino do mestre, mas a ele dei o dever de cuidar do que é dele primeiro, seu livre arbítrio.
Eu sou e sempre serei a guerreira do meu amor.
FIM
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