"Diamante de Fogo".

           Sou vendedor de artigos náuticos.
Como a situação está horrível para vendas, tenho que viajar a noite para chegar nas cidades litorâneas de manhã.
Depois de um rápido café, tenho que encarar pessoas que não me vêem como vendedor, mas sim um espertalhão que a qualquer momento vai lhes aplicar um golpe ou no mínimo vender um produto adulterado.
Enquanto tentava chegar a uma cidadezinha, para tentar vender meu peixe, fui colhido por uma tempestade.
Sem condições de continuar, correndo até risco de vida parei em uma estalagem, misto de bar e hotel.
No citado local em plena decadência, via-se que em passado remoto deveria ter sido um local muito freqüentado.
Um salão enorme, cheio de mesas e cadeiras, mas completamente vazio.
No balcão uma senhora de idade indefinida, mas com certeza devia ter brilhado quando aquela casa estava no auge décadas atrás.
Precisando de um chá quente ou um café sentei-me no balcão cheio de banquetas vazias.
Antes que eu pedisse alguma coisa colocou a minha frente uma caneca de vidro.
Acho quem bebeu nela antes de mim deve ter sido o Barba Negra, pois tinha as bordas toda quebrada.
Com a carranca de minha anfitriã, achei melhor beber e calar a boca.
Do fundo escuro do salão saiu um marinheiro que pela barba e cabelo deveria ser senão o barba, seu filho ou neto.
O cheiro de bebida barata exalava dele como um peixe exposto ao sol.
Sentando-se ao meu lado praticamente implorava por bebida.
Ofereci num aceno de caneca que ele aceitou.
Com ele à minha frente fazendo brindes a todos os marinheiros, corsários, e piratas que já navegaram por estes mares.
Tomei três canecas de rum.
Como pagamento pelos tragos me contou a seguinte história.
Há muito tempo atrás eu era um jovem marinheiro e servia no Catalina.
O comandante um mulato capitão Jorge Moura, bravo e destemido egresso da Marinha onde era fuzileiro.
Com ele não havia ponderação, não tinha medo de nada e quando saia de um porto só parava no outro de destino, nunca se desviando ou retornando por qualquer problema, fosse qual fosse.
Estávamos carregados acima do suportável, além disso, caía uma tempestade horrível.
Parece que Netuno pessoalmente estava sobre as águas flagelando todas as embarcações, que corriam para o abrigo de um porto ou enseada.
Mas para o capitão Jorge Moura negativo, e comandou máquinas a todo vapor.
O Catalina tentava desesperadamente vencer o mal tempo, porém estava difícil.
O pior que o material de salvatagem era insuficiente, e se acontecesse o pior quase toda a tripulação morreria.
O capitão com seu enorme coração e vendo o medo dos marinheiros resolveu o problema da melhor maneira.
Pegando um enorme machado, esfacelou os poucos barcos salva vidas que tínhamos.
Quando a primeira caldeira explodiu, eu que amarrava tambores que estavam na popa,
Fui arremessado fora do barco.
Como sou exímio nadador e estava com um pedaço de corda na mão consegui reunir alguns tambores formando uma espécie de jangada.
Estávamos próximos da ilha da moela e num relâmpago, vi o Catalina emborcar de proa, com o capitão na sala de comando e mergulhou nas profundezas do oceano com todos seus marinheiros.
Amarrei como podia meu corpo por cima dos tambores e flutuei naquele abismo de água.
Por quantas horas não sei, só que desmaiei e a tempestade continuou.
Quando acordei estava na praia provavelmente, provavelmente da Ilha da Moela.
Naquela época só tínhamos um farol abandonado e algumas cabras de alguma família que havia morado ali e morreram ou foram embora deixando os bichos soltos.
Apenas tinha um pedaço de corda de uns três metros e um tambor de óleo diesel que de nada serviria.
Comecei a procurar comida, mas a sorte que me ajudou no naufrágio havia me abandonado e foi embora com a tempestade.
De repente ouvi uma gritaria enorme.
Em cima do morro próximo, acho que uns dez ou doze bugres (índios quase pretos) que não sei de onde ou de que tribo nunca havia visto nenhum de perto.
Com as pernas bambas pelo cansaço, mas já tinha ouvido o que estes índios fazem com os brancos e por azar não sou branco sou albino, pensei ou corro ou morro.
Corri pela praia sem qualquer direção, só correndo para longe.
Ao virar uma ponta de praia vi uma grande canoa.
Se eu conseguisse colocá-la na água seria uma possibilidade de fuga.
Nunca fiz tanta força, mas fui recompensado, consegui colocar a enorme canoa nagô.
Desesperado remava hora aqui ora ali, consegui quebrar algumas ondas.
Os índios se arremessavam nas águas nadando em minha direção.
No fundo do barco tinha uma funda, tipo de estilingue, ou atiradeira.
Em uma sacola de estopa havia uma quantidade de pedras.
Mesmo sem experiência acertei uma pedrada na cabeça do mais próximo.
Após algumas pedradas acertadas, deixaram-me ir embora.
Quando me afastei da ilha a nevoa se dissipou e peguei um belo dia de sol.
Dentro da canoa havia várias frutas bananas e laranjas.
Consegui matar minha fome, daí rumei para mar aberto.
Sabia que se pegasse uma corrente marítima seria levado a uma praia qualquer.
Após algumas horas consegui colocar a canoa em uma corrente marítima.
Muito cansado dormi profundamente.
Quando acordei estava a poucos quilômetros daqui.
Mesmo a canoa sendo grande conseguiu embicar nesta praia aí embaixo.
Arrastei a canoa o máximo para dentro de um pequeno canal e ali aportei.
Procurando algo para amarrar a canoa, pois podia ser ainda uma ilha hostil.
Encostei o máximo que pude a canoa antes de sair, peguei a sacola de pedras e a funda para minha segurança.
Quando vi a estrada e as carroças de vendedores que iam à vila para a feira semanal caí no chão chorando.
Joguei a funda fora e quando ia jogar a sacola também algo no meu intimo fez enfiar a mão na sacola.
Havia uma pedra grande e algumas pedrinhas pequenas.
Porque pedras pequenas? Numa atiradeira usa-se só medias e grandes.
Olhei melhor e quase morri de susto.
Eu havia atirado nos índios vários diamantes que valeriam uma fortuna.
Chorando e sorrindo fui para a aldeia.
Vendi os diamantes que renderam uma pequena fortuna.
Na enseada construí a mais linda taberna da época.
Das inúmeras mulheres que trabalharam para mim casei com a mais bela.
Fomos felizes por vários anos até que comecei a jogar.
Quando estava para perder tudo, minha esposa se apossou do resto.
Eu virei indigente, hoje sou faxineiro de minha estalagem, acho que estou mais feliz que se tivesse com ela.
Aí alguém gritou, passe um pano no chão seu imprestável.
Olhamos para ela com medo e ele falou:
- Você viu?

OripêMachado
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 23/11/2011
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