O Maquinista, O Bandoleiro e O Craque

Era mais um dia comum de trabalho na Viação Férrea, onde estou há mais de 30 anos. Sempre sou requisitado pelos dirigentes dos clubes para levar seus jogadores para suas partidas nas outras cidades e dizem que levo muita sorte a eles, pois toda vez que isso acontece a equipe ganha o jogo.

Para mim, particularmente, é uma emoção quando levo meu time do coração, o 9º Regimento de Infantaria para jogar e devido a amizade que tenho com os jogadores das equipes da cidade, ganhei alguns presentes como bolas de tento e camisas autografadas. Meu filho é Brasil doente e ficou radiante quando ganhou uma dessas bolas autografadas pelo Teotônio, o craque do time.

Realmente não contava com o susto que iria passar quando me preparava para levar o Regimento para seu amistoso contra o Rio Grande que ocorreria a noite.

De repente, lá estava ele dentro do vagão. Era um bandoleiro com cara de poucos amigos. Tinha uma Colt Parabellum na mão e usava um pala verde.

Com certeza iria me matar se não obedecesse as suas exigências.

- Anda!! Vamos pra São Gabriel, vivente!!!

- Não posso. Tenho que levar este trem até Rio Grande.

- Muda essa rota agora senão te dou um tiro nos cornos. Não chame a polícia e nem tente uma gracinha senão mato todo mundo, bagual!!

- Por que São Gabriel, senhor?

- Vou me encontrar com Talco Cardoso. Já ouviu falar dele?

Talco Cardoso. Esse nome dá medo a todos os maquinistas que se atrevem a passar por São Gabriel. É um dos bandoleiros mais temidos do estado e diz o povo de lá que parou um trem para pegar um cavalo e surrou um capataz da Swift entre outras façanhas. Todas as vezes que a polícia tentou pegá-lo, ele sempre escapou.

Eu não podia fazer nada. O bandido ia mesmo acabar comigo. Pensei na minha mulher e meu filho e me desesperei ainda mais.

Foi então que ouvi passos largos e uma batida na porta do vagão. Achei que era o comparsa do bandoleiro, mas olhei pela janela e era Cardeal, o craque do Regimento.

- Seu Joel, o que está acontecendo aí? O trem está atrasado e nosso jogo não pode esperar.

- Não, Cardeal!! Não entre aqui!!! Tem um bandoleiro querendo me matar.

Quando falei o nome dele, o matreiro surpreendentemente deixou a arma cair e me abraçou emocionado. Fiquei sabendo depois que ele era torcedor fanático do 9º Regimento. Deixei então Cardeal entrar e logo o bandoleiro sacou um papel e uma caneta do seu bolso para pedir um autógrafo.

- Puxa!!! O seu Cardeal na minha frente!! O craque das grandes jogadas. Tu podes me dar um autógrafo. Meu filho não vai acreditar.

- Tente sair dessa vida de crimes pelo bem do seu filho.

- Vou tentar fazer o possível, seu Cardeal.

Depois de receber o autógrafo do Cardeal, o matreiro me estendeu a mão como um gesto de desculpas e me desejou boa viagem. Saiu do vagão cantarolando os gritos de torcida do Regimento.

Então coloquei o trem para andar e partimos para Rio Grande chegando a tempo para ver meu time jogar. Nem preciso dizer que o Regimento venceu aquela partida contra o Rio Grande por 3 x 2.

Esta é minha vida de maquinista. Dura, atribulada e cheia de percalços, mas muito feliz.

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 16/09/2011
Código do texto: T3223918
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