Cavando a sinceridade
Cavo, cavo, cavo. A pá estala. E meu rosto escorre suor.
As pessoas acham que sou estranho, olham-me torto desde sempre. Não apertam as minhas mãos simples e rachadas pelo trabalho que faz jus à minha caracterização. A verdade, na maior da sinceridade é que me encaram como objeto de agouro – desde que comecei a cavar.
Cavo, cavo, cavo. E a pá estala novamente. Pego um lenço já encharcado de água feita pela força de meus braços para jogar a terra para o lado que não possa me atrapalhar.
Não entendo muito o motivo de me encararem de forma tão grosseira, e de tamanha estupidez. Com tamanho desdenho naqueles olhares inquietos que gela meu sangue e me obriga abaixar os olhos e fingir que não vejo tamanho desprezo pelo meu trabalho. Seria eu tão estranho assim? Encaro a visão limitada deles de uma maneira única, admito.
Cavo, cavo, e cavo. A pá novamente estala num uivo oco dentro do buraco. Quem irá repousar aqui nos próximos anos talvez tenha tido uma vida bastante profunda, pode ser que tenha sido uma boa pessoa, mas que sofreu demais durante sua lucidez, quem sabe não seria um mau-caráter? Acredite, são questões que me faço todos os dias após enxertar corpos deprimentes. O que teria acontecido para condenarem essa pessoa?
Isso eu jamais saberia lhe informar.
Uma única verdade é – a meu ver: que jamais irão olhar com meus olhos. O “feio” delas não passa de um belo ser vivo que ainda pode trabalhar, enquanto o meu “feio” é a cova na qual cavo para colocar um ser mais feio ainda, um executado.