A MORTE É UM SONHO?

Chovia muito, a água sobre a pista, criava um estranho bailado iluminado pelos faróis. Muitos carros estacionados a beira da estrada, motoristas sem coragem para enfrentar o desafio de dirigir em tais condições. Eu precisava chegar a Porto Alegre onde tinha um compromisso importante segunda feira pela manhã. Eram cerca de duas horas da manhã, desliguei o som que se confundia cm o barulho ensurdecedor da água mais o barulho natural de um carro em movimento. Não dava para andar a mais de 100 km. Faróis no retrovisor me avisavam que eu não estava só. Outro maluco dirigia tal como eu. Ao desligar o som, percebi então as sirenas. Era a polícia rodoviária, mas eu não estava infringindo a lei. Ali a velocidade permitida era de 100 km hora e não dizia nada sobre chuva. Reduzi a velocidade e eles acompanharam, era óbvio que queriam a mim. Parei o carro e um policial com uma lanterna de mão aproximou-se da janela. Esperei que fosse pedir os documentos, mas ele examinando o interior do carro com a lanterna ordenou simplesmente,

– Saia devagar e mantenha as mãos longe do corpo.

–Mas seu guarda, eu não fiz nada.

– Você não entendeu. Isso é um assalto!

– Um assalto? Mas...

– Nada! Obedeça.

Só agora eu percebi que havia uma arma em sua mão. Tratei de obedecer. Parado ali, com as mãos sobre a cabeça. A água jorrando sobre mim, minhas roupas ensopadas em questão de segundos e a constatação de que a situação era grave. Um outro guarda, ou melhor assaltante disfarçado de polícia rodoviária, ou seriam policiais assaltantes? Desceu da viatura e examinou cuidadosamente o carro.

– Olha! Tem um notebook no banco de trás.

– Olhe o porta-malas falou o cara com a arma. Virando-se para mim falou.

– A carteira, o relógio e o que mais tiver aí com você. Desfiz-me de tudo inclusive meu celular. Agora uma certeza tomava conta de meus pensamentos. Debaixo de toda aquela chuva, parado ali, sem a mínima chance de reagir eu senti que não sairia vivo.

– Dunga! Você leva o carro. Falou o cara que tinha a arma. Aproximou-se de mim e falou.

– Sinto muito! Ande devagar até ali. Apontava coma arma em direção a um estreito caminho aberto na grama a beira do asfalto. Obedeci enquanto meu cérebro dava voltas tentando achar uma saída.

– Pare ai! Falou com um tom autoritário. Parei e ao virar-me vi que agora a arma apontava em direção a minha cabeça.

– Chegou a hora! pensei.

Então ele apertou o gatilho. A última coisa que lembro, foi o relâmpago e um estouro abafado que zumbiu em meus ouvidos.

Acordei de um salto, suando frio e procurando entender onde estava. Senti a mão sobre meu ombro, me sacudindo.

– O que houve? Era Cristiane, ao meu lado na cama, preocupada me olhando sem entender o que havia. Então eu apaguei.

Aos poucos, não sei quanto tempo depois, começava a surgir um clarão e pareciam paredes desfocadas em um tom verde claro. Aos poucos minha consciência voltava e eu senti a mão de Cristiane em meu ombro debruçada sobre mim com ar preocupado.

– Onde estou? Perguntei.

– No hospital. Será que sobrevivi então? É isso! Só pode ser. Mas ao levar a mão à testa, não havia nada. Estava tudo normal. Mas então?

– O que aconteceu afinal? Perguntei angustiado.

– Não sei! Respondeu ela. – Você acordou assustado, eram quase 3 horas da madrugada. Tentei falar, mas você apagou então chamei o Dr. Walter. Ele disse que você estava numa espécie de coma, havia uma mancha vermelha na sua testa. Ele decidiu trazê-lo para o Hospital.

– Quantas horas fiquei assim? Perguntei.

– Agora são 16 horas, viemos para cá às 5 da manhã.

Então começaram a vir a minha mente, acontecimentos que estavam até então ocultos. Lembro de ter levantado naquele local a beira da estrada, mas não estava chovendo. Meu carro estava ali estacionado, com as portas abertas. Minhas roupas estavam secas e estava tudo no lugar. Minha carteira, meu celular, tudo estava intacto. Mas havia algo estranho. Eu tentei ligar para Cristiane, mas não funcionava. Dirigi para casa, a estrada estranhamente estava vazia. Lembro de ter pensado que dirigir assim até que era bom. A estrada estava ali só para mim. Ouvi a voz do Dr. Walter.

– Você precisa descansar. Aplicou-me uma injeção e eu apaguei de novo.

Acordei já tarde da noite, Cristiane sentada em uma poltrona lia uma revista de moda. Levantou os olhos para mim.

– Como se sente?

– Melhor, respondi tentando ainda decifrar o que havia me acontecido. Foi um sonho. Mas muito real. Lembro que costumo ter esse tipo de sonho. Não foi a primeira vez que sonho com minha própria morte. Já aconteceu antes em situações diferentes. Uma arma que dispara me atingindo ou uma pancada forte no pescoço, sentindo aquela lâmina me penetrando a carne. São sempre sonhos incrivelmente reais que ao acordar levo tempo até me situar novamente na realidade. Será que isso é uma maneira do cérebro nos preparar para a situação em que seremos realmente mortos? Não sei. Discute-se ainda o que acontece quando morremos. É apenas o fim? Ou tem uma seqüência, como o que acontece com pessoas tidas como mortas, mas que ao ser ressuscitadas parecem não ter perdido a consciência dos acontecimentos? Os acontecimentos após levantar-me a beira da estrada, não seriam uma visão do que acontece logo após a morte? Ou será que a morte remete-nos a uma vivência como em um sonho? Isto é, a morte é apenas um sonho que se prolonga pela eternidade?

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 04/09/2011
Código do texto: T3200524
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