A terra sem olhos

Em um planeta distante, havia vida. E eram seres parecidos com os seres humanos, só que tinham uma única diferença: eram cegos. Como elas não viam, elas não sabiam o que era ver. Elas não tinham a noção que o ver existia. Por isso, seus outros sentidos eram aguçados. Baseavam-se apenas neles: audição, olfato, paladar e tato. Por íncrivel que pareça, conseguiam se organizar bem no ambiente, mas não poucas vezes esses seres sofreram acidentes letais.

Até que um dia, a natureza criou uma anomalia: uma criança que podia ver. Porém, ela ficava com os olhos fechados. E ele cresceu um bom tempo sem abri-los. Até que um dia, em algum lugar, ele resolveu os abrir. O choque foi supremo. Seu coração começou a acelerar, suas mãos a suar, ele se sentia como se tivesse entrado numa outra dimensão. Como todos eram treinados a se mover com o tato e a audição, ele foi para casa, se baseando nos seus treinos e deixando aquela nova "dimensão". Foi andando com dificuldade, pois esse novo sentido o deixava confuso. Chegou em casa, afobado, e disse pra sua mãe:

-MÃE! MÃE! NADA É O QUE É!

-O que, filho? Do que você está falando?

-Aqui, nos lugares... em qualquer lugar! É diferente!

-Você está passando bem?

Ficou em dúvida do que responder. "Ver" não era uma palavra existente no vocabulário deles, então respondeu:

-Mãe, eu faço o que ninguém faz.

-O que?

-Não sei... um sensor que me permite saber como são as coisas. Eles confirmam o que nós percebemos pelo tato.

-Não te entendo...

Então, ele saiu dali, correndo. Viu, por onde passava, todas as monstruosidades que aconteciam pela rua. Era uma coisa muito impactante. Pessoas matando pessoas, sujeira, corpos isolados. Coisas horríveis acontecendo, até que andando por lá, o garoto encontra um velho sentado numa cadeira de balanço. Olhou de longe pra ele, e ao longo que ia chegando perto dele, percebia que ele tinha olhos, e eles também estavam abertos! Foi correndo até ele e disse:

-Senhor! Você consegue fazer isso!

-O que? "Enxergar"?

-O que seria isso?

-É essa coisa que vejo que você também faz.

-Sim! Então somos os únicos que fazemos isso?

-Engana-se, meu jovem... muitos, e não poucos, enxergam nesse mundo.

-E porque ninguém fala disso?

-Porque falariam? Para arruinar a fonte de bem-estar deles?

O garoto refletiu, e percebeu que o velho estava certo. Logo depois, disse:

-Mas e o senhor, porque não fala pra ninguém?

-Você já tentou falar pra uma pessoa que não enxerga que você enxerga?

-Bom, sim...

-Pois é. Sua pergunta já foi respondida.

-Mas, senhor, porque só nós fazemos isso e eles não?

-Garoto, há uma coisa que você deve entender. Nós vemos. As outras pessoas não vêem e nunca vão ver. E não porque não queiram; eles apenas não sabem como fazer isso. E enquanto não tivermos uma maioria que enxerga, essas outras pessoas não vão ver... E não mesmo. A verdade é essa: ninguém é cego aqui, qualquer um pode ver, o problema é que a ignorância embaça os olhos das pessoas. E mesmo assim, não vai ser possível que essas pessoas vejam, pois os que vêem não querem que eles vejam. Jovem, por isso lhe digo: nunca feche seus olhos novamente. Veja o mundo. Veja, mas não faça nada. Porque você não sabe o que as outras pessoas com visão podem fazer. Veja, mas finja que é cego. É o melhor que pode fazer. Por isso digo: o pior cego é aquele que não quer ver.

Bruno Paiva
Enviado por Bruno Paiva em 03/09/2011
Reeditado em 03/09/2011
Código do texto: T3199326