Aniversário de casamento
Mesa. Talheres. Pratos. Vinho. O rádio ligado na sala e Raul se banhando no andar de cima. A noite começava e estávamos quase preparados para comemorar nosso aniversário de casamento. Vinte sete anos de união. Batalhas vencidas e tempos de sorrisos. O barulho do chuveiro contrastava com a sinfonia de Brahms na sala. Raul e Brahms pareciam amigos. Ele poderia passar horas em sua cadeira de balanço ouvindo as sinfonias do Mestre alemão. Coloquei mais algumas coisas sobre a mesa enquanto aguardava sua descida. Umberto, o gato de Raul, entrou pela janela miando de uma maneira irritante, sempre fazia aquilo quando estávamos prestes a iniciar nossa comemoração. Este ano eu havia prometido que seria diferente. O relógio marcava vinte para as seis da tarde. Hora do seu leite na tigela, falei. Esperei o bichano parar de miar e então coloquei um pouco de veneno de rato em sua tigela. Bebeu até enjoar. Depois me deu as costas e saiu alegre para o jardim. O chuveiro parou de funcionar. Sorri ao olhar para a mesa posta. Dobrei os guardanapos e esperei o relógio bater seis horas. Raul fora muito pontual em nossa época de namoro, depois de velho então... Passos na escada. Demorou demais no banho, meu velho, eu disse carinhosamente. O vazio da escada não me respondeu coisa alguma, apenas continuei ouvindo os passos que vinham na direção da mesa. Raul sorriu encarando-me. Aquele era o sinal de que já podíamos começar nossa comemoração. Já dei o leite do Umberto, eu disse. O vazio da cadeira permaneceu mudo. O relógio badalou seis horas. Olhei para a tigela de leite de Umberto. Ela continuava cheia. Sorri para Raul e disse, eu te amo. A sinfonia vinda da sala embalou nosso jantar.