AMIGOS

AMIGOS

As horas passaram rapidamente. As pernas do relógio já estavam cansadas de tanto girar no compasso monótono daquela tarde.

O sol despedia-se majestosamente, dando um reflexo alaranjado as cortinas pálidas do quarto.

Ela sentada na cama ainda envolta em lençóis perguntava-se: - O que será que aconteceu?. A necessidade de refletir era visceral, desejou sair, respirar... Deu um salto da cama e vestiu-se em poucos segundos. A necessidade de ficar só aumentava a cada gesto que o outro fazia. O pequeno trajeto parecia uma imensidão.

Sentiu-se aliviada quando viu o outro sumir entre os carros. Finalmente poderia sentir, analisar, o que estava acontecendo. Atravessou a rua, olhando a multidão como se estivesse voltando de uma longa viagem.

Desceu as escadas do metrô e logo embarcou no trem. Cinco estações e logo estaria em casa.

Já em casa teve medo do peso da solidão. Era uma antiga companheira que vinha sempre atormentá-la. Perseguia de várias formas e às vezes usava fantasias diferentes. Certa vez ficou um final de semana inteiro sofrendo as marteladas que a solidão fantasiada de carrasco dava em sua cabeça. Era triste ter que admitir que o outro seria apenas mais um outro que ela conhecera e embarcara na sua carona para viver a fantasia de fugir da realidade a dois.

Abriu a geladeira e viu que não tinha nada para morder, nada para beber. Apenas água e algumas fatias de pão de forma com um pouco de bolor nos cantos.

O telefone tocou. Ela não queria atender. A dor na boca do estômago era mais forte. A solidão em uma de suas fantasias, vestida de FOME, começava a importuná-la violenta e fortemente.

- Acabei de chegar! Como vens aqui! ... Claro que pode.

Dez minutos sofridos esperando a campainha tocar. Abraçou –o como se não o visse havia séculos. Sentia-se realmente feliz. Saíram de mãos dadas a procura de uma pizzaria. Imaginou que ele tivesse alguma coisa muito boa para contar-lhe.

Ele finalmente conseguira o emprego tão sonhado em uma multinacional. Ela ficou feliz pelo amigo. Enquanto ele continuava feliz narrando os detalhes, a velha companheira mostrava suas outras faces, torturando a pobre garota. Ele a deixou na porta de casa, enquanto ela tristemente sentia saudades antecipadas dos encontros com ele. Talvez no futuro ainda o visse nas férias, ele partiria para o Canadá.

Ela era assim. Pensava, analisava, repensava, repassava todos os momentos vividos. Imaginava-se completamente só, desprotegida, abandonada por tudo e todos a própria sorte. Alguém no passado, um dos poucos que conseguiu penetrar a barreira de sua tristeza, arriscou a dizer-lhe abertamente: - Procure um analista. Ela simplesmente cortou os laços, e foi mais um dos tantos que ela cortou.

Sua felicidade estava estampada em um leve sorriso, pintado por um baton rosa pêssego, que davam uma aparência contrastante com o resto da cor estampada em seu rosto. Claro, ela estava muito feliz. Conseguira, sentir-se amada e querida por todos. Os pais, os irmãos, alguns ex-colegas de faculdade e alguns dos amigos. No curto caminho que ela faria do automóvel até a sepultura, suas pálpebras ainda viram através e pela primeira vez resolveu sair daquela tristeza sem fim. Pena que agora era tarde. Talvez se soubesse que era verdadeiramente amada e que todos desejavam que ela se encontrasse, não tivesse aberto todos os botões do fogão.

Já não sentia o cheiro fétido do gás pelo apartamento, sentia-se leve e agora sentia um perfume doce, misto de rosas e violetas. Abraçava o ar e dançava com os espectros que vieram recebe-la. Preferiu esta companhia, quem sabe estava livre de vez de seu carrasco a solidão.

Escorregou para o bailado com os espectros e perdeu-se entre eles, não querendo sentir a consciência. Sabia que teria que percorrer um enorme caminho se não quisesse ficar perdida entre tantas dimensões. Arriscou entregar-se ao momento e bailando sofregamente numa entrega voraz, sentia-se fundir com os miasmas que a rodeavam.

Porém as cortinas de sua alma foram habilmente puxadas por mãos treinadas. A luz do sol maior penetrou o ambiente que estava na penumbra. E ela sentindo a presença de

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 16/08/2011
Reeditado em 18/08/2011
Código do texto: T3164180
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