O dia em que eu morri

Já fazem nada menos que quarenta e cinco anos e alguns meses que isto aconteceu. Não sei se você vai acreditar. Também isso pouco importa, afinal de contas quase ninguém acredita, e no auge dos meus oitenta e três anos o que me resta agora é esperar até o dia que isto acontecerá de novo, e desta vez, sem volta.

Eu ainda era um jovem de trinta e cinco anos. Solteirão, cheio de vida saí numa sexta-feira para uma festa, que ficava há trinta quilômetros de minha cidade. Abordo do fusquinha ano 1961 seguimos em seis, seis pessoas no fusquinha. Mal dava pra se mexer. O Jorge, dono do fusquinha pegou a rodovia federal e acelerou fundo. Tudo bem, o besourinho não passada de oitenta quilômetros por hora mas causava grande emoção.

A festa estava muito boa. Conheci a Geovana, uma gatinha de um metro e cinquenta de altura, com um sorriso que conquistava.

Por volta das quatro da manhã a festa acabou e fomos embora. O Jorge estava tão bêbado que mal conseguia entrar no carro mas o que isso importava? Estávamos todos do mesmo jeito.

O que me lembro depois é muito vago. Apenas um farol alto em nossa direção e de repente tudo silenciou. Na manhã seguinte corri até um orelhão para pedir socorro, mas por algum motivo eu não conseguia tirar o telefone do gancho. Ao olhar pra trás vi várias sirenes e concluí que a ajuda já havia chego. Perguntei para um policial como estavam meus amigos, mas ele simplesmente me ignorou.

Daí em diante algo muito estranho estava acontecendo. Ouvi a voz de um policial dizendo que ninguém tinha escapado. Quando vi o fusca do Jorge todo destruído e os corpos dos meus amigos dilacerados fiquei sem entender como eu poderia estar vivo e sem arranhões. Realmente isto parecia impossível e era. Concluí ao ver um corpo com uma camiseta azul igual à minha, aliás, não era igual. Era a minha mesmo. Aquele corpo era o meu. Agora tudo fazia sentido. Eu estava morto e por algum motivo ainda permanecia no local, pois, se meus amigos também estavam mortos, por que eu não podia vê-los?

Era uma situação horrível. Eu não podia fazer mais nada. Ninguém me ouvia por mais que eu tentasse falar. Então me sentei no chão e comecei a chorar. Foi quando ouvi alguém chamar meu nome e, aliás, era uma voz conhecida. Era minha tia Ana. Mas ela estava viva. Como poderia me ver?

Então me dirigi a ela e começamos a conversar. Ela dizia que eu precisava ter calma. Como ficar calmo em uma situação dessas? De repente minha tia tocou-me os olhos com a mão esquerda e senti meu corpo formigar por inteiro. Corpo, qual corpo? Bem, não sei explicar. Tudo à minha volta começou a girar e minha tia sumiu. Minha vista começou a escurecer e bem baixinho ouvi alguém dizer "ele vai ficar bem, continuem".

No dia seguinte abri os olhos e vi minha irmã me olhando emocionada. Perguntei que dia era e ela me respondeu sexta-feira. O mais estranho é que era sexta, dia 14 de maio, o mesmo dia da festa. Como seria isto possível? Ela me contou que eu caí de uma escada quatro horas antes e que meus amigos, meus cinco amigos foram à festa sem mim.

O lamentável foi retornar para casa no domingo, ciente que na segunda-feira iria enterrar Jorge e meus outros quatro amigos que bateram em uma carreta, voltando da festa.

Por algum motivo que ainda não sei, eu tive uma segunda chance. Não posso afirmar se isto foi uma premonição ou se realmente eu havia voltado no tempo.

Portanto, se você não acreditar na minha história não tem problema, pois o mais importante é que eu recebi uma segunda chance de viver e isso não é para qualquer um.

Paulo Farias
Enviado por Paulo Farias em 20/07/2011
Reeditado em 20/07/2011
Código do texto: T3106314
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