Reflexo

Em frente ao espelho estava o homem com as mãos cheias de sangue.

Seu reflexo o encarava enquanto cabisbaixo.

Ele pegou uma folha de papel, uma caneta, e escreveu quantas linhas foram possíveis antes de surtar.

Atirou todas as folhas para longe e ajoelhou-se no meio do escuro quarto.

Seu reflexo observava com um sorriso sádico enquanto encostava-se numa das molduras.

- Você acha mesmo que suas rimas e metáforas vão adiantar? – O reflexo agora soltara uma risada – Você sabe que não pode mais. Se pudesse ao menos voltar no tempo... Mas, espere! Mesmo se pudesse você não o faria, não é?

Saiu andando daquele espelho, desaparecendo por alguns segundos. Até que voltou a aparecer no vidro da mesa de centro, próximo ao homem.

- Você não vai usar aquilo que chamam de dom, e que pra você é idiotice, certo?

Possesso pela fúria, o homem esmurra o vidro da mesa, cortando-se levemente.

- Existem milhares de espelhos... – Dizia ao passar para a janela – Mas não existem milhares dela, NÃO É?!

O homem então atira o suporte da mesa pela janela, que demorou a cair até o chão do lado de fora, visto que morava em apartamento.

- Se você conseguisse corresponder as suas vontades com seus atos... – Agora num espelho do teto – Não! Você errou. Ela se foi. E agora você vai sentar nesse sofá e rezar, para um Deus no qual você não acredita, para que possa haver uma segunda oportunidade.

Houve silêncio por parte do homem, que fazia exatamente o que o reflexo dissera.

- No fim, era isso que você queria. Você não a fazia feliz. Você era decepção, e ela mesma disse isso. Não conte mais mentiras para você mesmo. Não era para dar certo, e você sabia desde o começo!

O reflexo erguia os braços conforme o espelho se soltava do teto e atingia violentamente o chão.

Um vulto passara rapidamente para um espelho vertical, na parede em frente ao sofá.

- Você sabe que opostos não se atraem. Você sabe o que ela acha de você. Você viu a pena nos olhos dela enquanto ela dizia qualquer coisa para você. A única coisa que vocês tinham em comum, era a tristeza. Negativos, juntos, só dão positivo na matemática.

O homem fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás. Sem camisa e com o corpo cheio de cortes e sangue, ele pegava e então atirava um copo de Jack Deniels próximo. A voz, no entanto, não se foi.

- E se você lhe desse felicidade? E se você lhe desse fé? Fé que ela nunca mais poderá sequer sonhar em ter... Não em você... Felicidade que ela nunca sonhará novamente em ter... Não com você... Mas, se você pudesse... De nada vocês teriam em comum. Para quê se esforçar?

- Porque eu a amo. – Dizia o homem, com todas as forças que lhe restavam, enquanto a campainha tocava.

Levantou-se vagarosamente, cuidando para não pisar nos cacos de vidros. Alcançou a porta e a abriu.

- Boa noite... – Dizia um policial – Alguns vizinhos disseram escutar uns gritos e algum tipo de discussão... Está tudo bem com o senhor?

- Sim, claro...

- Perdão, senhor. Tenha uma boa noite de sono.

- Agradecido. O mesmo para o senhor. – Dizia o homem, em seu terno, enquanto fechava a porta de seu impecável apartamento.