Um certo Chico do canavial
I- TIMBUMBO
Hoje cedo, antes de chegar ao Rio do Braço, o Pedro Cacau tinha ido ao Remanso..
-Badu!
- Quem é?
- Sô eu!
- Pedro Cacau?
- Ele mermo.
- Ôxente! Assusta-se Badu! Num é Pedro Cacau não!
- Sô eu, home!
- Viche Maria! Qui deu in tu, assim todo porreta pariceno um coroné?
-Nada! Vim me dispidi d’ocês.
-Vem cá, Juvina, vem vê quem tá aqui todo intertelado...
-Tô escutano a voz. Né Pêdo Cacau? Respondeu a mulher de Badu, já se dirigindo à porta e em seguida estranhando.
- Êpa! Né não! Quem é o moço?
- É ele mermo, Juvina! – Confirmou Seu Badu.
-Mas por que tu tá assim? Tá quereno nos inganapá? Indagou D. Juvina pasmada.
- Nada! Vim me dispidi d’ocês.
- Vai viajá?
- Vou mas num vorto! É que dessa nôthe eu num passo! Eu já tô cuns cinquenta e tanto e...
- Tá novo! E eu, que já tenho mais de oitenta? Interrompeu D. Juvina.
-Qué um golim d’ água? Ofereceu seu Badu, mandando Pedro Cacau entrar.
Pegou o copo de alumínio lançou-o no fundo do pote: timbumbo! – Lembrou-se de Gonzagão, o rei do baião, que gostava tanto de escutar...
Levou o copo dágua até Pedro Cacau. Enquanto era servido, o visitante comparou toda a sua vida ao tempo de enchimento do copo.
II- A LABUTA
Em poucos segundos, como a velocidade de engolir um copo d’água, Pedro Cacau relembrou da sua labuta como num sonho e em fração de segundos:
“- Eu tava numa casa muntho grandona mar num era minha tapera do jetho qui é. –Era minha tapera mas era muntho maió, uma em riba da ôta. Naquilo qui fui desligá a bomba do chafariz, ví minha mãe in riba das água, me entregano uma moedinha véia e disse-me que era um óbo, óbio, oblio... um óbolo – lembrou do nome certo.
Era minha mãe ou alguma escanchavó? Não sabia Pedro Cacau - Adespois eu tava dentro d’uma roça. Oiei pro céu e era todo de fôias verde ora céu azul faiado porque o vento traquinava balançano as fôia e derrubava no chão as foia seca e o chão mais parecia uma esterona marrom qui é bom pra mode num secá a terra boa moiada qui tinha orguio por ter acoído tantos pé por pé enfierado de cacau.
Tinha pião prá daná trabaiano! O podão cutucava os fruto e... Tuco-tuco, iam caíno no chão; ôtos iam catano cum a ponta do biscó e sortano pra trás, caíno no panacum que eles carregava nas costa. Quando enchia era um peso medonho e eles emborcava tudo no chão e o cacau ia se empiano nas ruma. Vinha os quebrador cum facãozim e eles sentava num banquim de pau rudiano a ruma numa ligereza danada quebrano e largano, quebrano e largano, quebrano e largano. Ôtos, já do lado, puxano a embira cas mão e sortano nos caxote de arça, parecendo andô de procissão. Lá na frente arguém já cortava as fôia de bananêra pra fazê as cama de mé ladeiradinha. O mé do cacau ia iscorreno, fazeno uma fontezinha chêa de mé in riba das fôia da bananêra e num vazava. Provei, azuzim, doce e um pouco azedim. Danado de bão!
No ôto dia pegaro um lito de óio de comida vazi e fôro incheno os tuné de mé pra levá pra séde pra fazê geléa. Quando o cacau iscorreu, enchêro os caçuá até a tampa e levaro aos pa no lombo dos burro. Agora eu galopêro, era um tropêro in canturia qui levava a tropa pra séde da fazenda. As ladêra de subida e as decida escurregava, n’era nada para a tropa, que tudo topava e nada injêthava..
Arriei a carga toda nos afago dos cocho que fermentaro e esperaro dispolpá. Adespois duns dia subi tudo pra riba da barcaça logo em riba. O têado do côcho era o piso da barcaça, todo de pau e taba de assuaio. Abri a barcaça e o sol desceu quintura. A barcaça fecha e abre cuns trilho e rodana, e o têado, pra num moiá, é de frande. O cacau começô no ôto dia a invernizá dum brancor pra um marron e pisotiei, pisotiei, pisotiei qui meus pé ficaro até as canela marronzim, mas é bom pro mode o cacau secá. Adespois de uns dia c’uma pá de pau, virei, virei, virei até as baga ficá pronta pra insacá. No dia da pesage, eu gostava de vê aquelas muié enfiadêra vir por riba do saco pra custurá, inté fechá os saco de alinhage pra viage com madêxa.
Nesse dia os Kruschewsky ria a toa quando via os mercedão onze-onze sair cuns êxo arriado carregado de cacau pra o porto de Ilhéus, ô direto pra Barreto de Araújo onde fabricava as barra de chocolate amargo pra mandá pra Zoropa.
- Qué mais água? Ofereceu seu Badu.
- Não, meu tempo é esse. Respondeu Pedro Cacau, voltando à realidade. Não entendeu, a resposta, seu Badu.
III- AURCO, TAURCO OU QUÉ QUI MÓI?
- Vim me dispidi d’ocês. É que dessa nôthe eu num passo! – Repetiu Pedro Cacau pela terceira vez.
-Caboquim e Merquinho perdêro o trabaio! – Mudou o assunto Seu Badu. – Fez pena! Caboquim saiu daqui só com a rôpa do côro com a muié e os oito fio. Seu Zacaria num guentô mais as cachaçada dele quando vinha do Rio do Braço e perdia o dia toda segunda-fêra. E Merquinho num tava guentano trabaiá doente sem o figo. A Cachaça cumeu tudo!
-Badu! Dessa nôthe eu num passo! Repetiu Pedro Cacau mais uma vez. - Vim me despedi d’ocês. Tô de sapatim branco nos pé, de rôpinha toda branca... É pra ir bem arrumado. Tomei banho com folhas de laranja, passei a máquina zero nos cabelo, alimpei as unha das mão e dos pé,- (Tira o sapato e a meia e mostra ) E Tô sem barba.
- Essa deu trabaio, num foi? Quem fez?
Quem fez ela foi Binidito barbeiro. Quando findô, ele me perguntou: “Você que aurco, taurco, ou que que mói?” Eu preferi taurco qué pra ficar bem cherozim! Aurco eu num quis não porque além de ardê como o diabo, eu já butei tanta cachaça no bucho e cumé que’u inda ia querê passá na cara nova?
-Pra onde você vai? – Perguntou curioso seu Badu.
Quero viajá bem direitim cum veneno de rato e num dá trabaio a ninguém. Comprei veneno de rato...
-Tu tá ficando dôdho? - Reagiu Badu! O cabra qui tomá isso aí fica duro e espumado na hora!
- É purisso qui comprei.
- E isso nos seu zói?
- Ah! Deu vontade de avivá os zói! Mariínha me ajeithou cum as coisa que usa pra chamar os home dela! Ela sabe bem de mim, mas num disse a ela qui ia mimbora não! Só confio n’ocês. Num quero que ninguém me barre!– Só Vim me dispidi d’ocês que dessa nôthe eu num passo! Num tenho parente nem aderente, nunca sube quem foi meu pai, me perdi de minha mãe cum dez ano, nunca ajuntei os trapo cum ninguém e só confio n'ocês que pro mode num me barrá!– Repetiu de novo.
Seu Badu e D.Juvina não deram ouvidos às conversas de Pedro Cacau. Prosaram um pouco mais sobre a situação de Caboquinho e de Américo, o Merquinho. Pedro Cacau sentiu a tardinha chegando e disse que já ia, mas que dessa noite não passava. Era como se ele fosse uma outra pessoa, estranha, diferente, longe, e não ligaram muito.
IV – RESILIÊNCIA
Nessa mesma noite quando Pedro Cacau ia voltando sozinho para a fazenda Loso Barbosa, outra dos Kruschewsky onde trabalhou um dia, após tomar o tal veneno de rato, viveu uma cena inusitada.
Contou um dia a um velho canoeiro:
- Bem pertim da fazenda, incontrei um bando de gente estranha, mas bem arrumada, muiés arta de carça, ôtas de vestido e sapato arto tudo contente e porreta, caminhando sem se conhecêre e andano pra frente. No mei de tudo isso tava eu juntado a eles caminhano também. Num demorô e arguém jogô uma baga de cacau em ôto. adespois, ôto em ôto, ôto em ôto e ôto no ôto e começô a guerrinha. Só aí vi que aquela gente diferente era uma só e eu um bestão.
Todos passaro a jogar as baga de cacau seco em mim. Só aí vi que eu era o escoído. Daí aproximou-se um cara branco bem trajado e limpo, de camisa verde-cana e me disse:
- Você num qué nenhuma muié?
Eu arrespondi qui num tava interessado in nin uma. Ficô insistino. Cara chato. Fui mim aguentano, misquentano, discunversei até quimpurrei ele pra lá. Ele aproveithava meus movimento e se defendia com ligereza. Não adiantava eu murrá a cara dele; ela nunca tava onde meus braço ia. Apareceu mais um dele do mermo jeitim, cheio de ginga e malandrage, dessa vez sem camisa e tinha um metri mei; era fortim, encorpado de cabelo bom. Adespois apareceu ôto todo conversadô, engabeladô, quereno me inganapá e gargalhano também de metri mei e se movimentava qui nem macaco.
Quis me afastá daquele mei rim e arresolvi acelerá o passo prá dêxar eles pra trás. Num adiantô. Tinha um logo atrás de mim pertim, ôto de lado mudando dum lado pro ôto, e ôto lá na frente andano de ré me oiano. Me senti preso e vigiado. Todo movimento qu’eu fazia era in vão. Eles tava sempre acompanhano! Teve uma hora que corri corri sem oiá pra trás... O cabra que andava de ré me oiano, passou a corrê de ré também me oiando. Vi uma zoada e quando oiei pra riba, uma caxa voadora cum sete lado vinha vino pra acertá eu todim dentro dela. Freei. Dei dois passo pra trás ligêro e a caixa caiu onde eu tava. Quando ela tocô o chão virô in mais de mil pedacim como se fosse pirlimpimpim douradim e tive qui passá no mei deles e nada aconteceu. Aí os três camarada viraro uns cara da minha artura! Os cabra era muntho fêis, de rôpa amarela! Quis oiá mió o rosto deles, mas viraro umas bola de fogo. Foi aí que me senti um nada e chamei por Deus. –Vala-me Deus! – Eu disse. Os três tentaro me esguelá, mas eu fiz uma cruz com os dêdo e lancei pra eles. – O que é isso? um deles perguntô, e eu disse:
- É a cruz e a espada.
- A espada não! Um deles retrucou! Senti um ponto fraco daqueles caras e mantive a cruz e a espada com os dêdo das mão. Pôco tempo depois os três fila da mãe fôro explodido. E ficô tudo iscuro. De repente recebi a luz duma velinha fraquiiiiinha, de fogo franzino e vi um caminhozim istreito todo verdim chei de frô. Uns menino brincando feliz, pastorados por muiés bunita e fêas, mas todas boa.
V – O AQUERONTE
Tinha que atravessar um rio imenso. Esperou. Uma canoa se aproximou.
- Cadê o óbolo? - Perguntou-lhe o canoeiro.
Pedro Cacau tira a moedinha que trazia em baixo de sua língua que lhe dera uma antiga ancestral e a entrega. No trajeto, percebera com calma que deixara para trás, às margens plácidas do Rio do Braço, uma roça de cacau. E pela primeira vez dera-se conta de que era uma belíssima paisagem. Desembarcara na outra margem e avistara um engenho, o Santa Rosa. Respirou fundo. Pedro Cacau agora nasceria Chico. O Chico do Canavial quando crescesse.
Autor: Osman Matos.