Este ''causo'' veridico foi relatado em algumas fôlhas amareladas que minha amiga Durvalina, a Durva, encontrou no meio da Biblia da familia dela, Biblia esta que pertenceu ao seu tio-avô Emernegildo, o seo Gildo, que eu conheci muito bem desde menina e me lembro muito bem dele, sempre tristre, quieto em um canto...diziam que era coisa de gente velha, ele faleceu com quase oitenta anos, mas era coisa de gente velha nada...depois que eu li o que ele deixou escrito , do que ele viveu e passou , eu tambem ficaria como ele ficou....coitado!!


                              '' A  JOVEM  VELHA  ''


              Eu estava no auge de meus vinte anos, era jovem, bonito por fora e por dentro, era alegre e espituoso, jovial, gostava de rir, de brincar, de contar e ouvir boas piadas, viviva fazendo troças de tudo e de todos, era sempre o palhaço brincalhão da turma de amigos e em todos os lugares que ia era sempre requisitado para alegrar festas e ambientes, me sentia bem assim, eu me sentia livre para assim agir e fui estudar engenharia no Rio de Janeiro...

                 Nascido e criado ate' os vintes em cidade pequena, do interior, o Rio me deslumbrou, o Cristo me recebeu de braços aberto e eu cai com os braços abertos tambem na cidade, abraçei com gosto o modo, o estilo de viver do carioca, da alegria do samba suor e cerveja, mas sentia falta de casa, dos amigos e daquela alegria da infancia e juventude que jamais iria voltar...eu voltava para visitar minha familia, minha cidade, meus amigos, mas eu sentia que agora a coisa era outra, era diferente...nova vida!!!

                  E o corpo pedia, o espirito exigia

                  Eu queria amar e ser amado

                  E o dia chegou

                  Ela descia a ladeira na Lapa, mais preciso, no bairro de Fátima, que fica encravado no meio da Lapa, vinha com uma senhora, que mais tarde soube era sua mãe, as duas bem vestidas, arrumadas, pareciam duas irmãs, e passou por mim, eu no ponto do ônibus da condução desisti e as segui...seguiam em direção do centro, da Cinelandia, parava, olhavam vitrines, conversavam com pessoas, e eu as seguindo, elas perceberam, pararam em frente ao Teatro e a senhora me chamou e foi direta e reta, me perguntou o por que eu as seguia e o que queria...fui direto e reto tambem

                   Rimos e para a Colombo fomos, tomamos o cha' ,elas, eu cafe', da tarde, e foi o começo de tudo, da minha paixão sem limites, sem fim, o começo dos meus tormentos e sofrimentos e o dela tambem...

                   Herminia era o nome da minha deusa, mas a tratavam por Mina e eu tambem assim a chamava...minha Mina, de ouro, de prata, do amor, do desejo....eu a desejava, queria te-la em meus braços, beijar, abraçar, casar...que loucura!!! no meio dos meus estudos, duro, recebendo dinheiro de casa e pensando em casar...louco eu estava, por ela!!!

                   Fiquei doente de amor, tinha febre, delirava, falhava nas aulas, as notas baixas, mas nada me detinha, eu a queria e a teria pensava eu, ela parecia que tambem me queria, mas não cedia em nada aos meus avanços, ao meu ardor e eu enlouquecia e sabia..so' a teria casando e casar eu não podia,que jeito!

                   Mas eu fui me acalmando da febra da paixão, e isto deu lugar a um sentimento mais calmo, mais sossegado , eu passei a frequentar uns puteiros para acalmar meu corpo, mas o espirito sabia o que queria, ela...não a tive!!!

                    Ela era linda, jovem, estava nos seus vinte e cinco, parecia, e eu me formei e fiquei procurando emprêgo pelo Rio, mas eram tempos dificies, de guerra, o mundo todo em conflito e nada de trabalho, poderia ter ido para a guerra, mas preferi voltar para minha cidade, arrumei trabalho e fui ficando...nunca me casei, nunca mais amei ninguem e minha Mina ficou na lembrança, noites e noites fiquei pensando como ela estaria, casada? filhos? seria ja' uma linda avó?

                   E o tempo passou

                   Eu estava com sessenta e cinco anos, me sentia mais velho que esta idade, tinha dificuldades para urinar, fui ao médico e ele me dizendo que minha próstata estava com ''probremas'' e fui fazendo mais exames e fui parar em um hospital em São Paulo, capital, iria ficar por la' tres dias...me internei uma tarde, exames logo pela manhã em jejum absoluto...

                   Cinco da manhã a luz se acende, ouço chamar meu nome, estranho...sou seo Gildo mas esta enfermeira me chavama pelo meu nome verdadeiro..

                   Bom dia seo Ermenegildo...dormiu bem? vamos tirar um sanguinho? hora do exame...

                   Acordei, pisquei os olhos, me virei de lado e quase cai da cama...era ela, minha Mina...era ela sim, tudo igual, ate' o cheiro, como dizia minha santa mãe , que Deus a tenha....misericordia!!!, tudo, tudinho, o mesmo perfume...o mesmo rosto, a voz...a voz me confirmou...era ela ou não estava com nada de nada na tal de prostata batata...tava era e' louco, de pedra...sentei na cama na hora, ela percebeu alguma coisa diferente em meus modos...meu olhar de louco doido talvez...e ficou parada com seringa e agulha na mão...e me olhava tambem...

                    Vi seus olhos crescerem, seus pelos do corpo se arrepiarem todos, todinhos, ficou primeiro vermelha, depois foi ficando escarlate, passando pelo roxo, seus labios foram ficando azulados...ia ter um treco, um troço no coração pensei e toquei sua mão...gelada, ou seria a minha?

                    Ao toque de minha mão ela recuou, deixou seringa e agulha cair, se apoiou em uma cadeira, puxou e sentou...eu sabia, ela tinha me reconhecido...então, pensei eu, que bom!! estou sonhando, voltei no tempo...

                    Levantei , ela apavorada tambem levantou e tentou do quarto sair, segurei, não deixei e ao sentir este novo toque meu, paralizou...

                    Chorava, fiquei com pena, e deixei que se fosse, não voltou mais para me atender nos dias que fiquei por la' e eu pensava que melhor assim fosse, eu tinha confundido a pobre moça com minha loucura, ela teria ficado com medo, e tudo terminado com meus exames tive alta e me aprontava para sair, minha sobrinha viria me buscar e me levar embora, fiquei na recepção sentado esperando e eu a vejo sentada no jardim do hospital....fui ate' ela, iria pedir desculpas...diria que eu era um velho bobo, sem graça nenhuma e que ela me desculpasse...

                    Ao me ver levantou, cheguei perto, ela chorava, lagrimas escorriam e eu vi..era ela, minha Mina, como poderia? eu estava com sessenta e cinco, rugas, velho, e ela deveria estar mais ou menos com isto tambem, mas continuava linda, sem rugas, moça como eu a conheci...impossivel!!!

                    Mas era. Me contou tudo.

                    Aos vinte e um, um pouco antes de eu conhe-la, uns meses antes, tinha ido a um medico pois sentia muitas dores pelo corpo todo, fizeram exames e mais exames e no final descobriram que ela sofria de uma doença rara, uma pessoa em milhões sofria disto, nem nome certo, correto, ainda existia, mesmo os medicos tinham dúvidas e mais dúvidas e tentavam todo tipo de medicamentos, alguns estavam dando certo e ela passou a tomar e parecia que estavam resolvendo, as dores sumiram, mas efeitos colaterais poderiam aparecer...ela sofria de uma doença que não deixaria seu corpo envelhecer, estaria condenada para sempre jovem ficar....e ficou mesmo.

                      Minha sobrinha veio me buscar e eu disse que não iria, iria para a casa desta enfermeira, minha sobrinha ficou olhando, olhava para o marido dela, ele balançou os ombros, se despediram e se foram...eu fui com minha Mina para a casa dela...

                      E o tempo voltou para mim...eu a tive!!

                      Ela linda como sempre, uma rosa perfumada, eu velho e alquebrado mas fiz o que pude, gostei, ela gostou, ficamos juntos, matando a saudades e ela me contando suas passagens pela vida...a morte dos pais, ficando so' ela , os gatos e cachorros naquele casarão, não se casando, estudando enfermagem alto padrão, vendendo tudo e se mudando para varias cidades, vivendo errante por este mundo, trabalhando em hospitais, clinicas e tendo muitas dificuldades com seus documentos, com sua idade fisica e a verdadeira que constava nos documentos...precisou muitas vezes ''alterar'' datas para conseguir empregos...estava cansada, se sentia velha e alquebrada e pensava em parar de tomar os remedios...assim envelheceria de vez, pensava ela, eu a desistimulava, não deixava.

                      Não ouviu meus conselhos e queixumes para isto não fazer, parou, jogou tudo fora...

                      Vendeu o apartamento, comprou outro, nos mudamos e isto tudo em dois meses, e fios de cabelos brancos e algumas rugas ja' apareciam...estava ficando velha muito rapida, eu disse isto 'a ela, ela, linda ,riu

                       E foi envelhecendo dia a dia...mudamos de novo...mais velha....mudamos e agora já aparentava ser uma senhora, de quarenta e poucos anos...mudamos de novo...e em seis meses parecia estar com a idade correta, igual a minha...ninguem diria que menos de um ano atras parecia que tinha vinte e cinco...incrivel!!

                       E formavamos um casal, um casal casado da mesma idade, pais e avós...sem isto ter, filhos ou netos, as pessoas perguntavam sobre isto...filhos? netos? diziamos que não tinhamos tido e assunto encerrado...iamos muito ao jardim da praça que havia perto de casa, alimentavamos os pássaros, os pombos e olhavamos casais jovens e com filhos brincando....

                       E eu tonto achando que tinhamos chegado ao ponto ideal, esqueci da doença dela, vivia feliz, contente, minha alegria, minha jovialidade tinha voltado, cantava, ria, contava piadas, ate' gargalhadas eu dava , mas idiota não percebia o que a minha volta acontecia...ela envelhecia muito rapido.

                       Seis meses e ela na cama, velha, acabada, alquebrada, parecia que tinha agora não sessenta e poucos , mas mais de oitenta e tanto...diminuiu, ficou pequenininha mesmo, eu a carregava no colo e ela nada pesava, os cabelos ralos e grisalhos, o rosto todo enrugado, estava dia a dia ficando pele e osso...a voz sumia, pouco ouvia, delirava, dizia coisas sem nexo, queria bonecas, dizia que eram suas filhas...e uma tarde me pareceu que melhorou bem, pediu coisas para comer, dei, e dona Gilda, uma visinha que me ajudava, chorava ao tudo isto ver...eu perguntei por que ela chorava, de contente por ela estar melhor?

                       Ela chorou mais ainda, fungou, limpou, assoou o nariz e na lata me falou:-

                        Seo Gildo me desculpe, mas uma coisa eu aprendi nestes quase setenta anos de vida...quando um doente deste jeito melhora, esta melhora se da' para a hora da morte, ela não passa de amanhã seo Gildo, se prepare....e saiu chorando.

                        Fiquei olhando para minha Mina agora, neste momento de despedida, tão velha, tão fraca, tão sem vida....peguei sua foto antiga...tão linda, tão cheia de vida, de graça...tão sofrida!!!

                        E la' pelas tantas da madrugada, eu dormindo e sou acordado com alguns puxões, era minha Mina, acendi a luz, ela de olhos abertos, cinzentos olhos agora, me sorria, a boca murcha, e minhas mãos segurava e eu pude ouvir bem baixinho ela dizendo...

                        Muito obrigado...eu te amei e ainda te amo

                        Fechou os olhos...se foi, minha Mina tinha ido embora

                        Fui acordar dona Gilda, veio ela e o marido, choramos, me ajudaram a tudo providenciar, velorio, enterro, o escambau estes coisas, um trabalho danado e fiquei eu e Deus de novo....tinha me deixado tudo, dei muitas coisas para dona Gilda que enviou para quem delas precisava, vendi tudo e mais uma vez voltei para minha cidade e nunca para ninguem contei...

                        Vou colocar estas fôlhas, junto com a foto dela, a minha não, não quero, não precisa..so' a dela, dentro de minha Biblia, para que um dia quando eu desta vida me fôr e se alguem ler e quiser tudo isto contar, publicar, pode...e deve, quem sabe ajudara' alguem tambem...assim espero, morrerei feliz pois sei que vou junto dela estar, iguais eramos, jovens, alegres, bonitos...a vida não e' justa!!! a vida não foi justa para mim e muito menos para ela...não fomos felizes...

                    Tivemos momentos felizes, so' isto.

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Gente!!! chorei ao ler e chorei de novo ao transcrever, e choro toda hora que leio....que coisa não?


AMELIA BELLA
Enviado por AMELIA BELLA em 31/05/2011
Código do texto: T3004856
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