LÍNGUAS MUDAS

A noite caiu fria e adiantada pelos contornos das esquinas.

Uma bola na rede levantou e rebaixou as torcidas alvi- negras tantas vezes, como se todo os gritos do mundo ressoassem apenas dos estádios, e não da esquinas anônimas de cada um, e assim, qual uma oferenda dos céus, o negro silencioso da noite se debruçou disfarçadamente sobre a cidade ainda quieta, expectante de alegria.

Logo mais eu sei que o encontrarei, o poeta da rua, sempre na mesma esquina, a falar debalde, sozinho, e a escrever versos desconexos que nunca se apagam.

De jaqueta jeans e gorro listrado em alvi -negro, ele sempre conversa consigo algo que me toca profundamente porque, aos poetas, nos é permitido comunicar na gesticulação de línguas mudas.

De repente todo jogo acaba, e sei que uma bandeira de vitória tremulará para o alto, sobre a mão e o coração do poeta que ainda urge por alguma vitória em meio a cidade que não pára.

Então, mais um verso soará calado pela noite fria.