De Passagem por Passárgada
A viajem de ida foi muito rápida, acho que fui numa espécie de trem, suspenso, que viajava numa velocidade supersônica. Sei que havia mais pessoas lá dentro, mas foi tudo tão milagrosamente rápido, que não tive tempo de me socializar. Somente notei o conforto do tal do trem, que eles chamavam de Aeróbus e pude perceber a sutileza do ar que eu respirava por ali. O veículo era tão confortável, que eu pensei até que estivesse na minha cama. Cheguei lá por volta das 08h30min do horário dos mortais, mas pude perceber que por ali, tempo é uma coisa inexistente, não havia relógios em nenhum lugar que eu pude ver. Aliás, ninguém sabia ao certo o que seria um relógio.
Ao desembarcar, pude ver a mais linda praça que jamais imaginei. Crianças brincando tranquilas, pais caminhando sossegados, árvores e flores de todo tipo, tamanho e cores, uma infinitude de nuances, que meus olhos mal podiam acreditar que existissem. Animais exóticos coexistindo perfeitamente com as pessoas, sem nenhum atrito ou desrespeito. Era, além da mais bonita, a maior praça que eu pisei. Era tudo extremamente ornamentado, organizado e harmônico por ali, mas o que mais me chamou atenção foi uma fonte majestosamente construída exatamente ao centro da praça. Era algo monumental mesmo, digno de ser incluído na minha lista de maravilhas do meu mundo interior. A fonte era de uma suntuosidade indefinível, quase que indescritível. Ela era toda feita em mármore, mas um mármore tão branco, que dava a impressão de um enorme iceberg. Ela era toda iluminada com uma espécie de lâmpada, porém não havia fios, parecia que a energia brotava dali mesmo, simplesmente transcendental. E o espetáculo observado com a junção das luzes com a água foi algo que, somente quem viu, saberá.
Após àquela magnífica recepção, eu resolvi fazer uma caminhada, conhecer melhor a cidade. Depois de alguns metros caminhados, eu vislumbrei, acho que a palavra é essa, vislumbrei o Palácio do Rei. Realmente, aquela era a construção mais grandiosa que eu pude ver de tão perto. Outra que entraria fácil, fácil pra minha lista de maravilhas interiores. Os meus passos pareciam ter vida própria, eu simplesmente fui em direção àquela maravilha. Caminhei, caminhei e caminhei e fechei os olhos, de tão extasiada que estava. Mas quando os abri, já estava lá dentro e nesta hora o êxtase teve o seu limiar. Foi uma das melhores sensações que eu experimentei. O castelo parecia feito de cristal, tudo cintilava. Dali, de dentro do palácio, eu podia ver a praça, até o Aeróbus estacionando na parada. Porém, lá de fora, nada podia se ver de dentro, impressionante!
Nem sei quanto tempo eu fiquei naquela contemplação, afinal, tempo era o que menos importava por ali. Só sei que contemplei, que respirei fundo, várias vezes e que, pela primeira vez na vida, não senti vontade de me beliscar, de saber se era real ou sonho. E no meio daquela contemplação, eu percebi uma presença tão forte, mas ao mesmo tempo tão leve, que chegava a formar no meu ser um estranho paradoxo. E lá estava ele, o Rei. Era o homem mais lindo que eu já vi. A roupa que ele usava era mais majestosa do que a de qualquer rei dos contos de fadas. E o sorriso dele era simplesmente encantador. Quando ele me olhou, eu tive a impressão de conhecê-lo de outras datas, de outras dimensões. Não posso explicar, mas ali se instaurou uma amizade tão grande e profunda, que nenhuma palavra poderia defini-la. E assim tornei-me a melhor amiga do Rei de Passárgada e juntos fomos passear pela cidade.
Por lá não havia pessoas feias, nem doentes. Tristeza era algo que não se ouvia falar. A paz reinante naquele lugar era tamanha, que chegava até a ser espantoso. Por ali as pessoas faziam ginástica, outras andavam de bicicleta nas ruas, sem preocuparem-se em ser atropeladas. Aliás, em todo o tempo em que estive lá, não vi nenhum carro, somente mesmo o Aeróbus, que se locomovia em alturas bastante seguras. Depois de uma longa caminhada, eu finalmente cheguei perto da praia, de areia branquinha, assim feito sal. Deixei meu amigo ali e corri o mais que pude para banhar-me naquelas águas, que de tão cristalinas, pareceram-me quase que transparentes. Que delícia, foi o melhor banho de mar da minha vida. Acho que descarreguei ali todas as energias negativas que ainda insistiam em me acompanhar. De longe eu via o rei, mas uma saudade foi inundando minha alma, uma saudade tão grande da minha casa, da minha vida cotidiana, que chegou a doer. E no exato momento da dor, o Aeróbus estacionou por sobre as águas, para que eu embarcasse de volta pra casa. Abri os olhos e vi na minha frente aquele anjinho loiro de olhos verdes a me fitar e, ao olhar num simples e mortal relógio, sorri ao vê-lo marcando às 10h00min, pois ali eu percebi que Passárgada sempre esteve comigo, que cada sentimento de felicidade vivido por mim, foi responsável pela construção daquele magnífico reino.
NOTA: Este texto foi baseado numa magnífica poesia de Manoel Bandeira, meu conterrâneo, intitulada "Vou-me Embora Pra Passárgada".