DE GRAVATA... PARA AS PÁGINAS DE VICTOR HUGO

Ele, um belo e bem cuidado menino adolescente de classe média, só quieto demais para a sua época, crescia para uma vida que desconhecia.

Nunca gostara de estudar, contudo aprendera muito cedo a ler, então, enquanto sua barba despontava, viajava pelos livros dos grandes filósofos e literatos do mundo.

Logo ao lado da sua casa o dono dum antigo sebo sempre lhe informava dos grandes títulos arrematados da vida, então, o menino a eles os comprava com sede e gula, àqueles tratados já amarelados pelo tempo,e com os olhos fixos duma face crítica e impermeável, os devorava em poucas horas.

Certa vez se impressionara com Victor Hugo, aonde os miseráveis ganhavam vida e alguma notoriedade. Nunca se esqueceu daquelas fortes cenas ali descritas.

Sua mãe sempre o achara estranho quando comparado ao comum dos meninos da sua idade, porém sua inteligência, sua perspicácia, o traquejo com a língua portuguesa, sua visão clara e tão crítica dos entornos do cotidiano, sua sensibilidade a flor da pele apenas o faziam diferente, nada mais.

Um dia se apaixonou e foi embora. Foi para lugar nenhum.

Sem grandes estudos, sem profissão e sem emprego, anunciou placidamente seu casamento. Diferente, porque ele era diferente, como tudo que lhe dizia respeito, além do mais.

Sem altar, sem ritual, sem testemunhas, sem casa, e com parcas palavras comunicou aos seus pais que o amor seria o seu caminho.

E então... seguiu.

Saiu como se fosse a uma festa, de terno e gravata, de barba feita, de pele hidratada e brilhante, de olhos altivos, cheirando a alfazema.

Seguiu...seguiu seu destino pelas ruas a fazer das escuras marquises a sua morada.

Durante muito tempo nunca mais ninguém soube dele.

Certa vez voltou irreconhecível até cansar e sair novamente.

E saiu e voltou e saiu e voltou...e saiu e voltou, várias vezes, dócil e rebelde, detento e liberto.

Saia príncipe e retornava algo miserável como se entrasse e saísse das páginas de Victor Hugo...como se lhe cumprisse, enfim, alguma promessa. Numa sistemática dual de vida sai e sempre volta, até hoje.

Certa vez, numa de suas saídas de gravata, sua mãe criou coragem e lhe perguntou:" Filho, por que escolheu viver assim?"

Em fração de segundos, abraçou a mãe e docilmente lhe justificou: "Mãe, aqui tem muitas regras...e a vida livre lá de fora precisa muito de mim".

Nota da autora: embora surreal este conto foi baseado num fato real.