Conto da Última Insônia

Quando eu voltei para mim foi que vi a Tristeza. Ela caminhava lentamente ao meu lado,sorrindo! O susto foi tamanho que a mim depreciei: a Tristeza sorrindo e eu ali, triste. A fluidez da minha incontinência, o céu de minha dor, a causa de minha fadiga, a casa. Eu acabava por acordar em meio aos pelejos das preocupações, correndo soltas no meio-sonho, atormentando. Enfim, entretendo-se com a aflição, fazia do meu tempo um incomodo infinito.

Caindo por trás, arrastei minhas mãos no chão frio. A Tristeza ajudou-me a levantar, sustentando a mim e aquele sorriso irritante que me conflitava. Ergui o tronco sobre as velhas pernas que sonhavam em andar e corei-me pelo sangue atrasado. O cigarro embargava meu gosto, minha boa disciplina. Na janela que invejava-me, o sol entrava tétrico por mínimas linhas, matizando o escuro quarto. As pernas enfim rumaram no silêncio, roçando bases no carpete sujo, fétido. Abri a porta, uma canção lenta e desafinada: lá estava ela!

Sentada na mesa descascada, a Morte. Ela lambia quieta uma bonita faca, de sorriso sádico. A tristeza passou por mim e encostou-se ao canto, suspirando, assustada. Notei que era um belo anjo, naquela cor fúnebre e sem amor, provando que o belo não sustenta o mais cobiçado romance. O sorriso de seu rosto sumiu e o da faca só salientava mais, roubando meu ar. A Morte, sem rosto e de vistoso corpo carnudo, levantou-se lentamente. Minha velhice tremeu, meus olhos pesaram, meu coração cambaleou, embriagado pelo novo veneno. Sorte era a minha quando a Tristeza sorria, porque ali era eu um homem recluso, dúbio, sendo assim vivo. Agora, bastou uma visão para que, finalmente, tudo parasse. Senti falta de todos os sentimentos que me derrubavam, de todos os sonhos que me assombravam, de todas as meias-idéias. Afinal, tudo aquilo era vida.

Trágica e falida, a Tristeza caiu aos pés da Morte, implorando misericórdia, aos prantos. Conteve-se o instante, mas logo a lógica venceu. Abaixando-se lentamente, cantando movimento, a Morte executou graciosamente a Tristeza, pouco sangue caiu. Levantou-se na mesma proporção e novamente a marcha partiu, até que ao meu encontro me beijou, deixando tão doce o inevitável: o fim da indecência.