O Filho do Prefeito

Nas noites de lua cheia, lá pras bandas do sertãozão dos cafundós de Buraco do Tanque, interior de lugar nenhum, andavam aparecendo umas coisas esquisitas, que ninguém sabia explicar o que era.

O povo, como acredita em tudo mesmo, trancava-se em casa do jeito que podia. Ninguém se arriscava a sair, com medo dessas coisaradas doidas surgirem e levarem o infeliz pro quinto dos infernos, ou pra lugar pior ainda.

Quem, na última da última necessidade, tivesse que sair nessas noites de lua clara, ia sempre acompanhado de dois ou mais companheiros. Um bem grudadinho no outro, espreitando, olhão arregalado. Nas mãos, o rosário; na boca, a rezação. O peito, tremelicando. E outras partes do corpo, nem te falo!

Até o padre Onofre tinha medo! Tanto que, nessas épocas de lua cheia, não rezava a missa das sete; encerrava o expediente bem mais cedo, antes do sol se pôr. Falou-se, inclusive, que o bendito do padre tinha ido fechar o corpo no Centro Espírita de Pai Totonho de Oxum, numa cidadezinha próxima.

Essa fábula teve início, segundo matraqueiam por aí, quando Zé Lambido, filhote do prefeito de Buraco do Tanque, andou visitando a filha de Dona Magnólia. Diga-se também, ainda segundo as matracas, que essa ilustre dama era duplamente viúva: do marido e do amante. Os dois se mataram em majestoso duelo, no qual disputavam o amor da bela e digníssima flor que, no momento da contenda, traía a ambos com o abençoado do padre Onofre.

Bem, mas, voltando ao que dizia, conta-se que o jovem Zé Lambido mexia com bruxaria, magia negra, satanismo e outros bichos mais. Tencionava tornar-se um futuro mentor do mal e criar uma seita que arrebatasse todas as demais. Entre muitas outras coisas, queria, acima de tudo, utilizar os poderes sobrenaturais advindos das profundezas do céu e do inferno para manter a hegemonia e a dominação política da família. Seguia os instintos mais primitivos e hereditários de sua genealogia, de sua raça. Só que, pra alcançar seus objetivos, necessitava desvirginar uma moça-donzela em, no máximo, três tentativas. Foi por isso que iniciou as visitas à casa de Dona Magnólia, na esperança de deflorar Rosinha Cândida, única donzela-virgem num raio de mil quilômetros. Cabe dizer, inclusive, que a jovem de nada tinha conhecimento. Pra ela, o filho do prefeito a estava cortejando, para um futuro e próspero matrimônio.

Na primeira investida, mesmo depondo muito, mas muito esforço mesmo, o filho do prefeito não conseguiu chegar naquele ponto ideal, lá nas alturas, pra levar a cabo seu precioso intento.

Rosinha Cândida riu-se pra valer do fracasso do amigo e quase amante, deixando o pobre do rapaz mais pra baixo do que tinha estado o tempo todo. E ainda por cima falou que ele era igualzinho ao pai, cuspido-e-escarrado. Zé Lambido xingou muito-demais a coitadinha da menina-donzela. Esbravejou nomes cabeludos e quis saber que história era aquela sobre seu pai; como é que ela sabia daquilo.

__É a língua do povo, sô!! Seu pai já fez coisa com todo mundo da cidade, uai! Até com os hômi!!

O moço, indignado, falou mais um punhado de bobagera, sapecou um sopapo dos bão no ouvido da donzela-virgem e caiu fora, chispando e tinindo de raiva.

Chegou em casa morrendo de ódio. Tanto que segurou o xixi até num podê mais, só pra judiá do coitado do passarinho que num vuô. Nessa noite, de tanto desgosto, nem revista de mulher pelada ele olhou antes de dormir. Era uma tristeza só!

Mas como tudo na vida passa, essa dor de num funcioná o distinto na hora da precisão também passou.

* * *

Alguns dias depois, o filhote do prefeito voltou na casa da menina-moça-donzela-virgem.

Nessa segunda visita, Zé Lambido chegou com um ramalhete de flores numa das mãos e uma nota bem graúda na outra. Conforme lhe ensinara o pai.

Rosinha Cândida, mais do que depressa, atirou-se de boca no dinheiro. Abraçou-o e beijou-o feito uma louca varrida. Conforme lhe ensinara a mãe. Depois, olhou bem fundo nos olhinhos puros do rapaz, disse-lhe que adorava flores e atirou-as pela janela. De um bote, atracou-se ao pescoço do pobre mocinho e foi mandando um montão de beijos no danado, que começou a rezar, pra sentir melhor o amor que a donzela-virgem tão sinceramente lhe dedicava.

Nesse momento sublime, a moça deu o sinal combinado (um sonoro e estridente berro):

Uuuiiiii, Zéééééé!!!,

e padre Onofre cortou a sala feito um raio, sem ser visto pelo filho do prefeito.

A donzela ainda conseguiu dar uma piscada pro santo padre.

Em seguida passou a mãe, enfiando os seios pra dentro do vestido.

A essa altura, depois de tantos e tantos carinhos ingênuos e angelicais recebidos de Rosinha, o rapaz já estava daquele jeito, vermelhinho de dar dó, suando e fungando feito boi brabo.

Mas foi aí que, rindo-se muito, a menina-moça-donzela-virgem contou que não poderia acontecer nada, porque ela estava naqueles dias impróprios à prática do amor.

Zé Lambido xingou a donzela-virgem de muitos nomes que eu não vou nem dizer aqui. Sapecou um pé-de-ouvido nas ventas da coitada e caiu fora, faiscando de ódio dessa particularidade biológica feminina.

E lá se foi o filho do prefeito, mais uma vez, desconsolado.

E agora?

“Essa donzela é coisa do demônio!!”

Como acontecera da primeira vez, Rosinha Cândida contou pra sua mãe sobre o ocorrido e pediu segredo. A mãe, que também não gostava de fofoca, como da primeira vez, jurou que era um túmulo e foi correndo e escondido contar pra comadre Preselina. E a comadre Preselina, como da primeira vez, jurou segredo e foi correndo e escondido contar pra comadre Filisbina. E assim, de confidência em confidência, em questão de minutos a cidade toda já tinha tomado ciência dessa nova desventura do filho do prefeito.

* * *

Tempos depois, Zé Lambido cercou-se de todos os cuidados pra que nada desse errado na terceira vez. Seria a última, a derradeira chance. Se não conseguisse desvirginar Rosinha, nunca mais poderia alcançar seu grande sonho. Seria agora ou nunca!

Tudo acertado!

Lá foi o filho do prefeito, Zé Lambido, pra sua última tentativa.

Caminhava discreta e sutilmente, o semblante austero. Tudo pra não se fazer notar. Tudo pra não levantar qualquer suspeita. A cada passo, todavia, era motivo de troca de olhares, troças e deboches, igualmente discretos e sutis.

Em casa, Rosinha Cândida aguardava a chegada do garanhão – seu sapo encantado. De tão alegre que estava com a importância da ocasião, a virgem tinha até tomado banho e escovado os dentes. Maquiara-se toda: rosto, braços, pernas, pés, barriga, bunda, cabelos. Perfumara-se! Estava uma verdadeira tetéia!! A todo instante batia à porta do quarto da mãe, pedindo-lhe que terminasse logo as coisas com o santo padre Onofre, porque o filho do prefeito estava pra chegar. E entre gemidos e ai-ai-ais, a mãe respondia:

__Carma, fia... Ui!!... Virge Maria, sô! ... Ai!... Ui!... Tô triminano, fia...Aaaiii, Seu paaaaadre!!...

Pouco tempo depois, o santo padre atravessou a sala, todo amarrotado e mordido, batina vestida do lado avesso, um pé com sapato e o outro descalçado. Fez o Sinal da Cruz e abençoou a quase-ex-e-talvez- futura-virgem.

__Boa sorte, minha filha! Eu e Deus estamos torcendo por você! Hoje tem que dar certo! Quer dizer, é você que tem que... Deixa pra lá! - estende a mão à menina.

__Amém, Seu Padre Onofre! – Rosinha olhou desconfiada. Beijou a mão sagrada do santo-homem.

Padre Onofre sentiu um calorzinho espraiar-se pelo rosto. Apertou a mão da virgem e fincou o olhar em seus seios verdes e rijos.

A virgem gostou muito disso, mas no pensamento pediu perdão a Deus. Mesmo assim sentiu uma cosquinha lá naquele lugar.

O santo homem ia saindo, quando...

__Minha filha, vem cá um pouquinho... – e o padre olhou pra ver se Dona Magnólia não estava por perto.

Rosinha aproximou-se do representante celestial.

__Queridinha, se não der certo de novo... é... sabe, minha filha... Já vai ser a terceira vez... – e coloca as mãos na cintura da pobre e inocente menina!!

__Como é que o senhor sabe dessas coisa, Seu Padre Onofre?

__ ... Deus me contou, minha filha! Deus me contou... Eu sou padre, lembra?

__Ah, é verdade, sô!! Eu tinha inté se esquecido.

__Se não der certo de novo, talvez eu possa lhe ajudar, sabe?... Acho que é um feitiço dos fortes, viu? Só com a ajudinha de um padre ele pode ser quebrado.

__E é mesmo, é?!?

__É, sim, minha coisinha gostosa... Quer dizer, minha filhinha honrosa.

__E o senhor sabe quebrá essa coisa, Padre?

__Ô se sei!! Eu já quebrei um monte por aí. Até da sua mãe...(!)

__Nossa!! Então eu vô querê qui o sinhô quebra pra mim também.

O padre estava suando frio, todo contorcido, a Bíblia segurada à frente, logo abaixo da linha da cintura. Lambia os beiços sem parar.

__Então, depois você me procura, tá? Mas isso você não pode contar pra ninguém. Nem pra sua mãe! Você só vai poder contar no confessionário, pro seu padrezinho do coração, tá? - dá uma piscadinha e lasca um beliscão na bunda da menina, que arrepia-se dos pés à cabeça.

__Ai, que padre gostosão, sô!!

O representante de Deus faz sinal com o dedo indicador para que a virgem contenha-se e fique em silêncio.

Rosinha chega a boca úmida e quente ao ouvido do santo padre.

__Dispois nóis cunversa! Memo que dê certo hoje, tá? - e dá uma piscadela de olho e um chute na canela do padre.

__Ai, desgraç... – o bom homem sorri!

Padre Onofre vai embora cantando e mancando, alegre e feliz da vida. Estava prestes a fazer mais uma nova boa ação.

* * *

Não tardou muito para que Zé Lambido chegasse.

Dona Magnólia, pra disfarçar, disse que tinha que ir à venda comprar qualquer coisa. Deixou o casal completamente à vontade, assim como fizera das outras vezes.

Tão logo a mãe bateu a porta e pôs o pé na rua, Rosinha Cândida, a donzela-virgem, efervescente que estava após a conversa com padre Onofre, voou com tudo em cima do mancebo. E tome beijo, e tome dentada, e tome lambida em todo lugar, e tome... (não posso dizer aqui, tenho até vergonha!) Zé Lambido torcia os olhos prum lado, pro outro, gemia, rosnava, uivava, urrava, zurrava. E a virgem fazendo seu trabalho, beijando, lambendo e mordento o coitado do pobre do rapaz.

__Ô virge danada, sô!! - disse o rapaz-pimentão-maduro.

__Eta hômi gostosão de bão, sô!! - disse a virgem, quase desfalecida.

Nossa Senhora!! Era frase de amor que não acabava mais! E uma atrás da outra!

A donzela foi tirando a roupa do sapo encantado, beijando, lambendo e mordendo aqui, ali e acolá. O moço já tava até vesgo de tanto amor. Babando! E foi tirando... e foi tirando... e foi tirando, e foi tirando e foi tirando-e-foi-tirando-e-... Rosinha Cândida ria-se muito mesmo e brincava-brincava com Zé Lambido.

__Ó meu Deus, agora vai!! Eta nóis!! É agoooraaa!!!...

Os dois dançavam feito doidos.

A cama quebrou, eles nem ligaram pra nada.

Finalmente, quando ia desvirginar a pura e ingênua moça-donzela... Rosinha parou de brincar. Emudeceu. Parou que parou mesmo de tudo. Ficou largadinha na cama, imóvel, sem cor.

__Rosinha! Rosinha!! Rosinha!!!

Cara de desesperado.

__Que que é isso, minha Virge Nossa Senhora do Rosaro?!?

Morreu.

A quase ex-virgem simplesmente morreu. Bateu as botas. Partiu dessa pra melhor. Finou-se. E com ela também se foi a última chance de nosso sapo-herói pra fundar sua seita macabra e definitiva.

Adeus sonhos! Adeus dias e dias de esperança! Adeus tradição! Adeus poder!...

Ao perceber que tudo estava perdido, Zé Lambido xingou a ex-moça-donzela-e-quase-ex-virgem de um montão de porcarias cabeludas e carecas. Depois, sapecou um cascudão no ouvido da defunta, escarrou em cima e caiu fora, doido de raiva, pelado-peladinho-da-silva. Foi andando e xingando, nuzinho como nascera, pelas belas ruas e alamedas da majestosa Buraco do Tanque.

O povo da cidade gostou muito daquela desgraça do filho do prefeito. Sentiram grande prazer com o acontecimento. Riram-se a dar com o pau.

O moço, enfurecido, jurou vingar-se de todo mundo. Mesmo que tivesse que fazer isso depois de morto. Foi embora embaixo de tudo que é tipo de escárnio que existe, rumando pra não-se-sabe-onde. E nunca mais foi visto.

* * *

A casa de Rosinha logo ficou parecendo um formigueiro. Era um entra-e-sai do inferno. Saiu tudo que é tipo de história e de cochicho; desde que Rosinha morrera virgem até que ela era uma safada igual à mãe.

O Padre Onofre, santo homem, rezava baixinho perto do corpo pelado da moça-virgem. Todo mundo achou bonito. Só não sabiam que ele, em vez de encomendar a alma da recém-finada, agradecia ao bom Deus por aquilo não ter acontecido na sua vez, e sim na do filho do prefeito. Ficou ali parado, olhando aquelas coxas roliças e tentadoras, frescas como o orvalho da manhã. Lembrou-se das coxas de Dona Magnólia, cheias de varizes, amarrotadas pelo tempo e pelo uso, peludas e cheias de feridas. Depois subiu um pouco o olhar e abriu um leve sorriso. Ficou hipnotizado, tonto, maluco de desejos. Não tirava o olho daquela selva inexplorada e luxuriante. Quantos pensamentos viajaram em seu interior! Chegou a iniciar um movimento para tocar a carne da menina. Sua fisionomia ganhava ares sinistros, como a de um débil mental prestes a ter um surto psicótico. Deu um passo à frente e inclinou-se próximo aos seios da coitada da morta. Depois, com a cabeça em frenesi, começou a percorrer-lhe o corpo em direção aos pés. De súbito, parou! Pôs a língua pra fora da boca, como se fosse lamber-lhe o... Recolheu!! Virava a cabeça num vaivém sem fim, admirando aquela obra de arte bruta, rústica, agreste. Lento, calmo. Seus olhos brilhavam e rebrilhavam. O povo já tava achando esquisito. Até que, sem perceber, disse, rangendo os dentes:

__ Gostosa!!

Assustados, os presentes arregalaram os olhos e começaram a fazer o Sinal-da-Cruz.

Percebendo o absurdo e o ridículo da situação, imediatamente Padre Onofre, raposa-velha-e-santo-homem, também se benzeu e emendou:

__ Gostosa!! Gostosa é a vida que nos espera junto ao Senhor – e olhou para os presentes.

Todos fizeram ar de alívio.

Principalmente o santo padre, depois de ver seu plano executado com grande sucesso.

Algumas pessoas chegaram mesmo a chorar de emoção diante de palavras tão sábias, sagradas e bonitas.

Chegou uma carroça-ambulância e levou Rosinha.

* * *

No dia seguinte, o enterro. Tudo dentro dos costumes. Padre Onofre, por medida de segurança, mandou essa no meio da reza:

__ (...) porque quem segue os ensinamentos divinos será recompensado. Gostosa!! (ergueu as mãos e o rosto para cima) Gostosa é a vida que nos espera junto ao Senhor - e olhou para o povo, conferindo se estava tudo dentro dos conformes.

Tudo certo.

Fim de festa.

Sete anos mais tarde, as matracas alardearam aos quatro cantos a morte do filho do prefeito. A partir de então as tais coisas esquisitas começaram a acontecer. Todo mundo fala que é a alma do moço Zé Lambido se vingando do povão que mangou dele.

Eu não acredito nisso! E você, acredita?

Gentil Tadeu Gomes
Enviado por Gentil Tadeu Gomes em 27/04/2011
Código do texto: T2933658
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